Por Hunter
Conheci Clarice aos 16 e, desde então, mantivemos um caso de amor intenso, daqueles quentes e que deixam marcas. Um tipo de amor que me dividiu entre antes e depois. A pessoa que eu fui não existe mais, graças à Clarice.
Assim que a conheci, devorei todos seus livros, li todas suas cartas, não há uma palavra que ela tenha trocado com Sabino que eu não saiba de cor. Uma vez, numa viagem pra Bahia flertando com um garoto que dizia gostar de ler tanto quanto eu, descobri que ele não gostava da escrita de Lispector. Pra ele, tudo que ela escrevia parecia ser sob efeito de tarja preta (pausa pra dizer que essa é minha coisa favorita nela). Nunca fugi tão rápido de alguém.

Clarice sempre se descreve como uma pessoa confusa, indecisa, exigente, e dura consigo mesma. Sua escrita se arrasta que nem meus pés pelo chão e tarja preta por tarja preta, quem nunca tomou? Se aquele garoto não gostou do meu primeiro amor, sendo ela tão parecida comigo, como poderia gostar de mim? Uma escritora indecisa, dura consigo mesma e totalmente bagunçada.
Uma vez, li em um dos seus textos que ela recebeu uma aluna de Jornalismo na sua casa pra papear numa tarde qualquer. Quando estou muito triste, fecho os olhos e finjo que fui essa tal aluna, talvez em outra vida, ou talvez eu estivesse lá em espírito, antes mesmo de me tornar um embrião.
Eu só queria estar lá, pra poder sacudi-la e perguntar sem rodeios: “Clarice, por que você gravou uma entrevista pra ser liberada apenas após sua morte? Por que sua família esconde com tanta força sua amizade com a Olga? Vocês eram só amigas mesmo? Nunca escrevi uma carta tão bonita pra uma amiga, acho que nem pra um amor. Clarice, por que me sinto tão conectada a você?”
Enfim, ela morreu em 1977, sinto o gosto do luto todos os dias, mesmo sem ter a conhecido. Tudo que me sobra são seus textos eternos, a vontade de dar seu nome à minha futura filha, e a lembrança do encontro que nunca tivemos.
Foto de capa: Maureen Bisilliat/Acervo IMS
Crônica de Hunter, com edição de Daniela Oliveira
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