Comportamento Crônica

Flamengo x Avaí, novembro de 2022

Em sua primeira crônica, João Agner narra sua experiência assistindo um jogo de futebol (mesmo não gostando do esporte).

Por João Agner

Eu nunca entendi futebol. Não em relação a regras ou normas, nunca tive interesse suficiente para querer aprender. Nunca entendi o fanatismo em torno do esporte. Mas sempre entendi de música. Cresci assistindo a premiações, maratonas de clipes na MTV, analisando letras das minhas canções favoritas, participando de comunidades no Tumblr e por aí vai. Essa sempre foi a linha que me separava do meu pai: minha aversão por esportes, e seu completo desconhecimento de cultura pop.

Cresci em uma casa com apenas duas grandes restrições: não falar palavrão, e não trocar de time. Com o tempo, a primeira foi destituída, mas minha casa sempre foi regida por um regime ditatorial flamenguista. Eu sentia que poderia fazer o que quisesse, menos trocar de time. Se fosse preso, meu pai não ligaria. Se vestisse uma camisa do Vasco, seria expulso de casa. Nunca reclamei, pois o Flamengo sempre ganhava tudo. Assim ficou.

Meu pai fala comigo sobre Flamengo com o mesmo entusiasmo que eu falo com ele sobre mais um dos álbuns anunciados de surpresa da Taylor Swift: a conversa termina sem nenhum dos dois entender nada do que foi falado. As conversas do meu pai são intencionais; mesmo com quase 20 anos de tentativas falhas, ele ainda tem esperanças de que eu goste do esporte. Já aceitei que o cérebro do meu pai mescla todos os artistas que gosto em uma figura só, e só comento sobre para justificar minhas reações exageradas ou os olhos marejados enquanto uma música ou outra tocam no carro.

Pelo fim do ano passado, em novembro, meu pai me convenceu a acompanhá-lo em um jogo de futebol. Meu pai faz tanto por mim que me senti obrigado a deixá-lo feliz com a companhia de um filho em uma atividade tão prazerosa para ele. Caminhamos do nosso prédio ao Maracanã numa tarde de domingo, os dois trajados com “o manto”, mesmo que o meu fosse emprestado.

Quando chegamos a nossos assentos no estádio, fiquei imaginando como seria a vista se, ali no gramado, tivesse um palco. Eu optaria por um lugar mais baixo, mais próximo. Mas no futebol, não faz muita diferença. Na verdade, acredito que quanto mais distante melhor. Ao contrário de um show, onde um artista é o foco, no futebol sua atenção é distribuída por 11 jogadores de cada time, como se fosse uma grande boyband com uns 20 vocalistas.

Uma das coisas que mais fiquei surpreso sobre a experiência de assistir futebol ao vivo é a falta de narração. Isso é uma coisa simples: se eu tivesse ligado os pontos, teria descoberto que era um recurso exclusivo da transmissão para televisão e rádio. Na realidade, então, a grande maioria das pessoas ali sabe todas as regras do jogo, e mesmo assistindo de tão longe, consegue identificar impedimentos, motivos de pênaltis, faltas erradas e outras sacadas rapidamente – o que foi chocante para mim. Quando digo que não tenho noção de como funciona um jogo de futebol, peço que leve essa constatação como verdade absoluta. Estava completamente perdido, e, depois de certo ponto, desisti de perguntar para meu pai o que acontecia. 

Para quem não entende nada de futebol, olhar o jogo da arquibancada do estádio, sem narração da TV ou do rádio, pode ser algo bem confuso. Foto: Gilvan de Souza/Flamengo

Ele, assim como muitos marmanjos em seu redor, estava tenso. O jogo não ia bem. Eles rezavam, alguns ajoelhavam, e eu achava a cena engraçada. Me faz lembrar a temporada de premiações musicais, onde as redes sociais se tornam campo de guerra entre grupos de fãs, assim como a saída de um Fla x Flu. No mundo da música, se um artista perde um prêmio, nada acontece, vida que segue. No futebol, perder um jogo pode, pelo que entendi, desclassificar um time de um campeonato, o fazer descer em rankings e categorias e assim gerar diversas reações de cadeia.

Entendi que os fanáticos de futebol amam seus times com honra, batem no peito acima de tudo. Mesmo que não ganhem tal campeonato, o que, no meu universo, é equivalente a perder um Grammy ou receber uma crítica negativa no site da Pitchfork, eles seguem fiéis. Eles amam o esporte assim como amo filmes do Xavier Dolan. Assim como, se eu pudesse, fecharia uma sala de cinema para assistir a uma gravação de péssima qualidade do Andrew Scott encenando Hamlet. Eles conhecem todos os gritos de torcida de cor, assim como sei todos os adlibs (ou seja, as improvisações) de uma canção pop.

É evidente o quanto aproveitei a experiência, já que rascunhei boa parte desse texto enquanto o jogo rolava, mas o maior saldo desse evento, além de desenvolver meu gosto inexplicável por camisas de time, foi ver como meu pai estava feliz. Por aquelas duas horas, mesmo ciente de que eu forjava algum interesse, eu estava ali e isso foi suficiente para que ele pudesse contar a todos os amigos nas dezenas de grupos de mensagem como assistimos o jogo juntos, além de garantir algumas fotos minhas no estádio.

O jogo chegou ao fim, o Flamengo perdeu (mas pelo que entendi, esse jogo não tinha importância alguma), e então voltamos para casa. Assim que chegamos, dei play em uma das gravações de um show da Lorde que tinha feito semanas antes. Meu pai sentou do meu lado e assistiu comigo. 

Foto de capa: Acervo Pessoal/João Agner

Crônica por João Agner, com edição de texto de Daniela Oliveira

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4 comentários em “Flamengo x Avaí, novembro de 2022

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