Crônica Cultura Opinião

Sobre não precisar mais que digam quem somos

Nessa crônica, Hunter escreve sobre sua experiência lendo o livro “Diga quem sou eu” de Helena Gayer e sua relação com o transtorno bipolar

Por Hunter

Conhecer Helena Gayer foi como me olhar num espelho. Uma mulher, jornalista, escritora e bipolar. Conforme eu ia lendo seu livro, fui invadida por um misto de esperança, tristeza, empatia, e vazio. Sim, vazio. Porque muitas vezes, senti como se estivesse me vendo em terceira pessoa. A adolescência depressiva, a fase maníaca, o “basta”. Helena, nós duas dançávamos de madrugada.

A pior parte foi aquela que ela narra sobre o grupo de apoio a usuários de lítio. Lítio… Eu tomo esse remédio. Ler graficamente como eu vou ficar em dois anos, com espinha e intoxicada, me fez entrar numa crise intensa. Crise que passou quando minha mãe, médica, me tomou nos braços, me balançou e me fez acordar pra vida. 

— Esse relato é antigo, Hunter.

— Esse relato é antigo, mãe. — Confirmei, mentindo um conforto. 

Até onde meu estômago me deixou ler, não tenho muito o que dizer. Apenas que a escrita de Helena é crua – o que pode ser bom e ruim ao mesmo tempo – e que não recomendo para ninguém que esteja passando por momentos ruins, porque se tem um final feliz e motivacional no livro, para encontrá-lo você vai precisar passar por muitos e muitos gatilhos.

Ilustração do livro “Me diga quem eu sou” (Foto: Ilustração/Editora Objetiva)

Se você veio até aqui em busca de uma resposta rápida para milhões de perguntas sobre o transtorno, tudo que eu, uma humilde cronista, posso te dar é esse relato: “Gyovanna, com 18 anos, teve seu primeiro episódio de mania psicótica, e pensou estar sendo perseguida, então criou o pseudônimo Hunter. Por muito tempo, ela pensou que fosse uma ingrata, uma preguiçosa, que cospe na cara das oportunidades que a vida dá. Mas ela não é, e você, bipolar, também não. Existe uma dose certa de remédio que vai te tornar um ser humano produtivo na mesma medida que preguiçoso, e essa dose vai fazer você sentir pela primeira vez o que é viver”.

Então, vá atrás do seu psiquiatra, procure por isso, levante da cama e produza de maneira saudável. Produza até a representatividade bipolar na mídia ser além da pessoa em surto que cometeu alguma atrocidade, até que a sua arte dê esperança aos outros. Produza até ter uma coluna de crônicas e, pela primeira vez, não ter vergonha de falar sobre si.

Produza por você, por mim, e por todos aqueles que não conseguiram esperar pelo equilíbrio.

Foto de capa: Agência UVA/Hunter

Crônica de Hunter, com edição de Anne Rocha

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Sobre Hunter

Eu me escolhi chamar Hunter e usar a arte como refúgio. Escrevo ficções especulativas; em 2021, publiquei Colmeia e A outra, porém após problemas com a editoração retirei A outra de publicação. Em 2022 publiquei Rompendo Akai Itos, um livro de poesias que fala sobre rompermos laços tóxicos. E hoje em dia, sou formada em gastronomia, estudo jornalismo com uma bolsa na UVA e sou repórter na Agência UVA, onde tenho minha própria coluna de crônicas e cuido das matérias culturais e internacionais. E no meu Instagram @hunterlivros, monto um acervo de fotos estilo 2000 junto de meus textos chamado "Caixinha de papel debaixo da cama".

1 comentário em “Sobre não precisar mais que digam quem somos

  1. Pingback: Abre caminho e deixa o Esú passar | Agência UVA

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