Saúde

Saúde mental em tempos de pandemia

Casos como depressão, transtornos de ansiedade e estresse aumentaram devido ao isolamento social

A vida de grande parte da população foi afetada de diferentes formas em razão da pandemia do Coronavírus. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) revelou um aumento nas consultas psiquiátricas e um agravamento dos transtornos mentais em pacientes que já estavam em tratamento.

Considerada por pesquisadores a ”quarta onda” da Covid-19, a crise no campo da saúde mental vem preocupando indivíduos, famílias e profissionais da saúde. Casos de depressão, transtorno de ansiedade e estresse sofreram um aumento na população devido ao distanciamento social. Apesar de pequena, a pesquisa realizada pela ABP com 23 médicos psiquiátricos de todo o país, pode apontar para números importantes. Segundo a associação, 47,9% dos profissionais entrevistados relataram ter ocorrido um aumento em seus atendimentos desde que a pandemia iniciou.

Uma pesquisa feita pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) sobre o comportamento da população brasileira durante o isolamento social, indicou que os casos de depressão praticamente dobraram e a ansiedade e o estresse tiveram um aumento de 80% nesse período. Além de concluir que pessoas que recorreram à psicoterapia pela internet e praticaram exercícios físicos, mostraram um índice menor de estresse e ansiedade.

É o caso do representante farmacêutico João Victor Murad, de 27 anos e diagnosticado há quase cinco anos com transtorno de ansiedade.

“O começo da pandemia foi bem estressante. Pensei que não conseguiria ficar no emprego, comecei a me preocupar demais com a minha vida financeira, perdi pessoas próximas e estava isolado no Rio de Janeiro com a família longe. Chorei diversas noites sem sequer saber o porquê, foram inúmeras crises de ansiedade”, relata João Victor.

João Victor Murad. Foto: Arquivo pessoal

A pergunta “como lidar com a ansiedade?” chama a atenção no índice das pesquisas de buscadores na última década. Em relação ao ano de 2019, houve um aumento de 33%. Dados inéditos fornecidos pelo Google para o Estadão, apontaram um aumento de 98% na procura por termos relacionados à saúde mental durante a pandemia. Além disso, o questionamento sobre “o que é felicidade?” também foi maior em junho, comparado aos últimos oito anos.

João Victor revela que decidiu buscar ajuda quando começou a ter pensamentos suicidas e ainda que não pôde contar com o apoio da família porque seus pais achavam “bobeira” o que ele relatava sentir. Ele faz acompanhamento psicológico, mas sem tratamento com medicação e acredita que a terapia realmente ajuda no processo de cura ou controle dos transtornos mentais. “Assim como em qualquer outro campo da saúde, a ajuda de um profissional é fundamental”.

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Tratamento para transtornos mentais

Muitas pessoas ainda têm o pensamento equivocado, errôneo e ultrapassado de que questões relacionadas à saúde mental não são tão relevantes quanto as enfermidades físicas. Mas doenças como depressão e esquizofrenia são as mais propensas a levarem uma pessoa a cometer suicídio diz a psicóloga Juliana Aguiar. Para ela, os transtornos mentais ainda são tabu na sociedade brasileira.

“Ainda há resquícios de um pensamento que entende que o corpo psiquiátrico não produz para a máquina capitalista”, afirma a psicóloga.

As causas que podem levar uma pessoa a cometer suicídio são várias e Juliana alerta sobre a importância de darmos atenção aos acontecimentos que ocorrem com pessoas próximas a nós, tais como: términos de relacionamentos com tristeza profunda, isolamento, traumas psicológicos, luto, bullying, intimidade viralizada na internet e falência ou redução abrupta do poder aquisitivo.

“Trabalhamos com tratamento, controle e prevenção de recaídas. Não devemos, ao meu ver, prometer cura para algo tão presente na vida. Mesmo quem não sofre de um transtorno depressivo ou ansioso, pode ter episódios ao longo da vida, bem como pode tratar e permanecer saudável”, reitera a psicóloga.

Juliana Aguiar no consultório onde faz atendimentos. Foto: Arquivo pessoal

Alguns dos indícios dados por alguém que pretende cometer suicídio são: automutilação, desesperança, discurso de despedida, desejo de “sumir”, pensamentos de morte, entre outros. E é importante que todos estejam atentos a esses sintomas.

Quando uma emoção causa sofrimento ao ponto de paralisar, deve-se pensar no surgimento de um transtorno psiquiátrico. É o que afirma a médica e residente em psiquiatria Karina Carneiro.

“A persistência de um sofrimento que paralisa e que consegue afetar adversamente o mundo daquele indivíduo precisa da nossa atenção e alerta. Os mais frequentes desde o início da pandemia têm sido o transtorno de ansiedade, transtorno de ajustamento, transtorno depressivo e transtorno de estresse pós-traumático. Além deles, devemos citar o aumento no uso de álcool e substâncias psicoativas”, alerta Karina.

Em entrevista à Agência Brasil em abril deste ano, a presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (ABEAD), Renata Brasil Araújo, relatou que o aumento do consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia do Coronavírus é preocupante. A pesquisa realizada pela ABEAD apontou um aumento de 27% das vendas em postos de conveniência e de 38% nas distribuidoras de bebidas.

A médica residente notou um aumento na procura por atendimento em saúde mental e adverte que o uso ou não de medicamentos não segue uma regra. “Cada indivíduo é único e tem suas particularidades e somente um profissional habilitado e qualificado pode dizer se o paciente tem a necessidade ou não de, além da terapia, tomar remédios”, completa ela.

Médica residente Karina Carneiro relata preocupação com o uso de álcool durante da pandemia. Foto: Arquivo pessoal

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Setembro Amarelo

O chamado ”Setembro Amarelo” é o mês de prevenção ao suicídio e a ABP juntamente com o Conselho Federal de Medicina (CFM), adotaram desde 2014 o dia 10 de setembro oficialmente como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. No país, cerca de 12 mil suicídios são registrados por ano, enquanto no mundo todo mais de 1 milhão. Aproximadamente, 96,8% dos casos de suicídios estão ligados aos transtornos mentais.

Com o objetivo de diminuir esse números, a campanha Setembro Amarelo® já se propagou pelo país inteiro e, em 2016, conseguiu muitas parcerias e espaços inéditos na imprensa. No site oficial da campanha, é possível encontrar muitos materiais para downloads, como diretrizes destinadas a quem queira se juntar à ABP e CFM na prevenção ao suicídio e redução do estigma. Além disso, está disponível também uma cartilha que contém informações sobre doenças mentais e suicídio e folheto com fatores de riscos e sinais de alerta.

A fim de auxiliar quem precisa, o Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio 24 horas a todos que querem e precisam conversar por telefone, chat e email. Os atendimentos são sigilosos, gratuitos e de forma voluntária. Mesmo durante a pandemia do Covid-19, a CVV fez adaptações e continua com os serviços disponíveis para suporte emocional e prevenção ao suicídio. As ligações para o CVV podem ser realizadas por meio de qualquer telefone fixo ou celular, através do número 188 provenientes de qualquer estado brasileiro mais o Distrito Federal.

Por efeito de abuso na infância e traumas psicológicos, a fotógrafa Valeska Assis, de 26 anos foi diagnosticada com depressão há seis meses. Ela relata já ter tentado algumas vezes contra a própria vida e diz que o isolamento social fez com que ela tivesse mais tempo ocioso, o que resultou em pensamentos negativos. Mas que recorreu à psicoterapia pela internet e hoje consegue enxergar uma melhora muito grande em seu quadro clínico. “Eu estou conseguindo produzir e me organizar mais. A minha psicóloga faz com que eu me sinta acolhida e tenha com quem conversar. A solidão, para mim, é a pior coisa.”, conta Valeska.

Valeska Assis com seu instrumento de trabalho. Foto: Arquivo pessoal

Reconhecendo que a saúde mental dos indivíduos é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade saudável, a Organização das Nações Unidas (ONU) desenvolveu uma Agenda 2030 que corresponde a um conjunto de ações, diretrizes e programas que visam um desenvolvimento sustentável. O objetivo 3.4 até 2030 tem como objetivo promover a saúde mental e o bem-estar, entre outros.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) integra o Sistema Único de Saúde (SUS) e está presente na atenção básica; atenção psicossocial estratégica; atenção de urgência e emergência; atenção residencial de caráter transitório, atenção hospitalar; estratégia de desinstitucionalização e estratégias de reabilitação psicossocial.

Para a médica residente Karina, a saúde pública brasileira ainda precisa melhorar muito a assistência que dá aos pacientes que necessitam de tratamento para saúde mental, principalmente em relação ao financiamento e fortalecimento da rede de atenção psicossocial no SUS.

Para saber mais, acesse: RAPS

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Alessandra Borges – 8º período

2 comentários em “Saúde mental em tempos de pandemia

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