“Monstros fundamentalistas”. Assim foram chamados membros do Governo Federal – mais alinhados à “ala ideológica” – que se posicionaram favoráveis ao manifesto brasileiro contra o aborto, assinado em Washington, na última quinta-feira. A Declaração de Genebra, documento assinado por mais de 30 países e encabeçado por Estados Unidos e Brasil, levantou novas discussões sobre o papel do Estado na garantia do direito ao aborto legal e seguro, que costuma ser apontado como um importante avanço na questão de saúde pública da mulher e das liberdades individuais.
“Pregam contra o aborto, mas ignoram a criança estuprada, crianças abandonadas, crianças assassinadas. Deveriam transformar sua ‘cruzada maldita’ em algo mais produtivo”.
Débora Buonocore, arquiteta e participante do coletivo feminista-classista Ana Montenegro, do Rio de Janeiro, faz duras críticas à política conservadora do governo Bolsonaro.
Seis países autodeclarados conservadores, incluindo Estados Unidos e Brasil, patrocinaram em Washington a Declaração de Genebra, documento em que se declaram favoráveis ao papel basilar da família na construção da sociedade e contrários às políticas que preveem o acesso ao aborto. O documento, assinado por 31 países – a maioria da África e Oriente Médio – declara que o aborto não pode ser um método de planejamento familiar e que os países, em nível nacional, decidirão sobre as medidas a serem tomadas nos respectivos sistemas de saúde.
Para o comentarista político e cientista social Guilherme Carvalhido, esse acordo é um retrocesso na questão, porém se mostra coerente com o posicionamento ideológico do governo, que tem em sua base de apoio uma grande parcela de eleitores conservadores.
“Vejo este acordo como um retrocesso da política nesta área no Brasil. Mas se olharmos pelo ponto de vista das ideologias do atual Governo Federal brasileiro, percebemos uma lógica clara. O governo apresenta uma política conservadora neste ponto, acompanhando as características do seu público. O governo dificilmente irá contra as vontades do seu público-alvo, aquele que o sustenta no processo eleitoral. E esse público é bastante conservador”, afirma Guilherme Carvalhido.
A Organização das Nações Unidas (ONU), através da sua Comissão de Direitos Humanos, publicou, no ano de 2018, um documento afirmando que o direito de escolha é uma pré-condição para o acesso a outros direitos e à liberdade pelas mulheres. No caso da gravidez, a mulher tem o direito de tomar as suas próprias decisões sobre o seu curso ou seu fim. Há na ONU um grupo de trabalho que luta pela expansão do direito ao aborto e contrário à discriminação feminina.
“Defendemos que o Estado garanta aborto legal e seguro realizado pelo SUS [Sistema Único de Saúde] para toda e qualquer mulher que deseja interromper a gravidez. Defendemos também que o Estado garanta métodos contraceptivos para que as mulheres não engravidem”, afirma Débora Buonocore.
Entre os demais países que assinaram a Declaração de Genebra, há aqueles que são historicamente ultraconservadores. O Egito, por exemplo, é conhecidamente perseguidor da comunidade LGBTQI+; já a Uganda pune com pena de morte pessoas de mesmo gênero que se relacionam sexualmente; Hungria e Indonésia, países notadamente autoritários, têm suas leis muito rígidas e conservadoras.
Segundo a legislação no Brasil, o aborto é permitido em três situações:
- Quando há risco de vida para a gestante;
- Quando a gestação indesejada é fruto de um estupro;
- Quando o feto é anencéfalo, ou seja, não desenvolveu o cérebro.
O ministro de Relações Internacionais Ernesto Araújo, disse na cerimônia de assinatura da Declaração que o compromisso do Brasil é com a saúde e o bem-estar das mulheres, além de defender a família e proteger “a vida humana desde a concepção”. Já a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves, celebrou o texto da Declaração dizendo que ela consagra “a inexistência de um direito à interrupção voluntária da gravidez”.
“Defendemos que o Estado garanta aborto legal e seguro realizado pelo SUS para toda e qualquer mulher que deseja interromper a gravidez”.
Débora Buonocore defende políticas progressistas na área da saúde feminina.

Fátima Correia, oficial de Justiça aposentada, se declara participante da luta feminista, não sendo contrária ao aborto, mas diz ser favorável só nos casos previstos na lei atual. Seu trabalho final de pós-graduação teve como tema a questão judicial do aborto do feto anencéfalo.
“Tomei conhecimento desse acordo e, na realidade, eu sou a favor do aborto, mas só em caso de estupro, anencefalia. Acho que carregar uma lembrança de um estupro pode não ser saudável nem para a criança. Em caso de anencefalia, é muito triste, mas não há qualquer chance de vida”, pondera Fátima.
Quanto à manutenção do consenso entre Estados Unidos e Brasil na questão – atualmente muito próximos devido ao alinhamento ideológico entre Donald Trump e Jair Bolsonaro – esta dependerá do resultado das eleições norte-americanas. Oponente de Trump, o democrata Joe Biden, defende políticas mais progressistas comparado ao atual presidente.

“Se os Democratas vencerem, o Brasil ficará isolado. Se Trump vencer, continuará avançando essas políticas conservadoras. Logo, esse acordo entre os dois países dependerá da eleição norte-americana”.
Guilherme Carvalhido fala sobre as possíveis mudanças nas relações políticas e econômicas entre Brasil e Estados Unidos caso Biden vença a disputa.
Rafael Barreto – 8º período
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