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Escritores trazem diversidade de gênero, raça e sexualidade à literatura erótica

A busca por mais representatividade tem o objetivo de evitar que estereótipos se perpetuem.

Quando se fala sobre literatura erótica, é comum lembrar dos romances com CEO’s e mulheres virgens, estereótipos perpetuados pela popularização de livros como “Cinquenta Tons de Cinza”. Em análise mais profunda, o real problema se mostra quando esse gênero gira em torno de personagens brancos, cisheterossexuais, com corpos padrão – ou seja, magros e sem deficiência. Por outro lado, há autores que vêm tentando mudar esse cenário.

Um deles é Koda G., escritor independente não-binário e bissexual que usa de suas obras para mostrar relações entre diferentes tipos de corpos, raça e gêneros, sem focar no puro entretenimento de pessoas que se encaixam nos ideais estéticos pré-estabelecidos. Isso porque é comum a sociedade não olhar para pessoas “fora do padrão” como indivíduos capazes de sentir prazer ou despertar desejo em alguém.

O autor conta que entrou no mundo da leitura por meio de coleções como a Vagalume; aos poucos e com o incentivo dos pais, foi escrevendo seus próprios textos e poesias, os quais apresentavam certo “erotismo lírico”. Porém, foi nas redes sociais – em especial, no Twitter – que se sentiu seguro para falar de pautas importantes, como sexualidade, passando a postar mais conteúdos do gênero. 

Ele, ainda, explica que seu início na escrita aconteceu devido à necessidade de se ver na cena literária e pôr um pouco de si nas histórias. Assim, surgiram os livros “Mais de Nós” e “Jogador Número Três”, além de “Manda Foto de Agora”, título de inauguração do selo erótico da Se Liga Editorial. Hoje, Koda mantém uma newsletter de contos eróticos chamada “Só Uma Rapidinha”, na qual “encontramos pessoas de diferentes raças e corpos, para mostrar que está tudo bem sentir desejo”, o autor explica.

O projeto deu origem a uma coletânea homônima com algumas histórias selecionadas. Aliás, Koda revela que está trabalhando em um livro – ainda sem título – baseado em um dos contos da seleção protagonizado por um homem trans e uma mulher cis, ambos pretos. “Não acho que eu esteja revolucionando a cena, até porque, antes de mim, vieram pessoas abrindo esse caminho. Mas vejo meu trabalho como importante, sim”, ele declara.

Quem também decidiu se contrapor às ausências e problemáticas do gênero foi Hera Marques, que começou a consumir literatura aos 14 anos, e, aos poucos, migrou para os enredos eróticos dentro da plataforma Wattpad. A pedagoga, escritora e produtora cultural, além de ressaltar a importância de narrativas representativas, afirma que elas fizeram falta em sua construção como autora.

Hera acredita que a literatura deve abraçar todos os tipos de personagens, mas sem estereótipos. (Foto: Acervo Pessoal).

Ela, inclusive, salienta que a literatura erótica não era o único gênero no qual ela não se via; essa ausência de identificação se expandia para outros segmentos literários. Quando buscava por narrativas sáficas – romance entre mulheres -, encontrava apenas livros fetichistas, muitas vezes escritos por homens, brancos e cis.

E essa é outra questão que afeta o gênero. Para tratar de literatura erótica, é preciso, primeiro, falar sobre sexo e como as pessoas lidam com ele. No caso de minorias sociais – como pessoas LGBTQIA+, racializadas ou com deficiência -, o assunto se torna ainda mais complexo. Quando estas são retratadas nas tramas por uma pessoa cis-hétero, a representatividade corre o risco de se tornar vazia ou mal feita.

“Deve haver espaço para todo tipo de personagem, que agrade todo tipo de público. Em qualquer lugar do mundo há alguém escrevendo um personagem, uma narrativa, que alguém vai se enxergar ali. A questão é a visibilidade; a maioria desses autores e obras não chegam ao grande público“, Hera analisa.

Em situações desse tipo, alguns autores consideraram recorrer à chamada “leitura sensível” – contratar um revisor integrante da população abordada no enredo a fim de identificar traços problemáticos, tais quais estereótipos cristalizados no imaginário popular e termos ofensivos, por exemplo.

Por isso, é importante que as minorias representativas contem suas próprias histórias, pois, conforme disse Eliane Robert Moraes – autora de “Contos Eróticos Brasileiros de 1922 a 2022” – em entrevista a Lúcio Flávio Gondim, quando membros de populações minorizadas escrevem literatura erótica, eles falam sobre suas vivências e quebram estereótipos, abordando, inclusive, temas como liberdade.

“Se ainda temos muito — e muito mesmo — a fazer nesse sentido, uma coisa é certa: nossos corpos estão mais livres e não há retrocesso possível. Ou seja: essas conquistas se mostraram capazes de perturbar o status quo patriarcal ao qual o país estava condenado, oferecendo novas potencialidades sensíveis às nossas vidas. O que isso traz para a literatura é muito, mas pode ser resumido em uma só palavra: liberdade”.

Foto de capa: Pexels

Reportagem de  Hunter com edição de texto de Daniel Deroza

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Sobre Hunter

Eu me escolhi chamar Hunter e usar a arte como refúgio. Escrevo ficções especulativas; em 2021, publiquei Colmeia e A outra, porém após problemas com a editoração retirei A outra de publicação. Em 2022 publiquei Rompendo Akai Itos, um livro de poesias que fala sobre rompermos laços tóxicos. E hoje em dia, sou formada em gastronomia, estudo jornalismo com uma bolsa na UVA e sou repórter na Agência UVA, onde tenho minha própria coluna de crônicas e cuido das matérias culturais e internacionais. E no meu Instagram @hunterlivros, monto um acervo de fotos estilo 2000 junto de meus textos chamado "Caixinha de papel debaixo da cama".

1 comentário em “Escritores trazem diversidade de gênero, raça e sexualidade à literatura erótica

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