Da sala de aula

Mulheres racializadas são vistas como objetos sexuais

Experiências de objetificação e fetichismo são compartilhadas por vítimas

Não é inédito que as mulheres sejam objetificadas sexualmente, seja no trabalho, dentro de universidades, no transporte público ou até mesmo em casa. Para mulheres racializadas essas questões podem ter um peso maior. Como por exemplo, a mulher negra ser super sexualizada e vista como objeto do prazer masculino, bem como a mulher amarela ser enxergada com fetichismo e como pessoa exótica. 

Antes, é preciso entender o que é ‘objetificação sexual’. A problematização acontece quando alguém enxerga e trata outra pessoa, principalmente mulheres, como um objeto somente para o prazer sexual; não a enxerga como um ser humano digno de respeito e humanidade.

A psicóloga Cybelle Monalysa, da Clínica Preta, entende que esta objetificação é uma forma de violência contra a mulher. Como no fato de as mulheres negras serem vistas pela sociedade como hipersexualizadas e “boas de cama”. 

“A mulher negra passa por vários estigmas ao longo da vida sobre o lugar que seu corpo ocupa. A memória de servir ao outro, de ser um objeto imóvel baseado no que o outro deseja”, analisa Cybelle.

O fetichismo racial se entende quando alguém só tem interesse em uma pessoa por causa da sua etnia, ignorando outras características. De acordo com a psicóloga Ana Mayume, a objetificação vira um problema quando o único atrativo da pessoa é sua questão racial. 

Como mulher amarela que estuda sobre o assunto, ela entende bem essa realidade. “Já ouvi relatos em que um homem elogiava apenas a aparência e não buscava conhecer mais sobre uma mulher, colocando todo tipo de estereótipo sobre sua ascendência. A pessoa fetichizada é vista apenas como um representante da sua ascendência”, relata Mayume.

Sexualização da mulher negra
A mulher negra é vista como um objeto sexual desde à época do Brasil Colônia, quando os homens brancos abusavam sexualmente de mulheres negras escravizadas. No cenário de hoje, dentro do contexto do racismo estrutural, essa visão não mudou muito.

Cybelle destaca esse pensamento. “Por muito tempo o corpo feminino negro é entendido como um corpo que serve e não sente, devido ao histórico de escravidão”, comenta.

A psicóloga Samara Cristina também entende que a mulher negra está associada a essa visão por causa das condições histórico-sociais. Ela corrobora que é uma herança da época de escravidão e, por isso, a mulher negra é inferiorizada e hipersexualizada.

“A mulher negra está sempre mais suscetível e até exposta a questões de violência, sejam elas de qualquer natureza, desde muito cedo”, analisa Samara.

A estudante de Psicologia Maria Cecília Souza, de 22 anos, se encontra nessa realidade. Ela compartilha que sempre se sentiu tratada diferente por ser uma mulher negra. A sociedade, principalmente os homens, nunca a levaram a sério.

Cecília relata que quase nunca é a primeira opção para homens brancos que ela se interessa.
(Foto: Acervo pessoal)

“Para nós mulheres que moramos em corpos pretos, nossa mente também é condicionada a lembrar desta objetificação. É uma grande questão ao nos relacionarmos, ao procurar empregos, fazer amizades, andar na rua etc. A mulher preta nunca será a primeira escolha para um relacionamento sério, por exemplo, mas sim para ter relações sexuais”, desabafa.

Cecília não está sozinha, a estudante de Jornalismo Gabriella Bromold, de 21 anos, também pensa assim. Ela ressalta que a mulher negra é sempre vista como um objeto sexual para diversos homens, em especial brancos. “Diversos homens brancos vinham a mim e falavam que eu sou a única mulher negra que eles ficavam, ou que não ficavam com mulher negra”, conta.

A luta feminina para as duas tem uma carga maior por serem mulheres negras, dizem. “Para nós mulheres, a luta já é grande só pelo fato de ser mulher, mas quando se é uma mulher preta a luta é mil vezes maior. Somos usadas e descartadas por homens que acreditam que só servimos para sexo”, finaliza Gabriella.

Objetificação da mulher amarela
As mulheres amarelas também são vistas como objetos exóticos desde do período de colonização dos países asiáticos. Conforme a cultura do Anime e K-pop cresce no Ocidente, o fetichismo por pessoas amarelas, sobretudo mulheres, aumenta.

A estudante de Cinema e descendente de japoneses Letícia Ohfugi, de 21 anos, conta que já escutou frases como ‘você é a primeira asiática que eu fico’ e ‘eu costumo gostar de meninas que nem você’. Para ela, as pessoas enxergam sua etnia em primeiro lugar e não a pessoa que é.

“As pessoas te enxergam uma amarela antes de enxergar como pessoa. A questão do fetichismo te desumaniza e te coloca no lugar de um objeto de desejo exótico”, compartilha Letícia.

A professora de mandarim Isabela Jiang, de 25 anos, também aponta essa realidade. Ela destaca que apesar de ser chinesa, já ouviu frases como “japa gostosa”, que carrega um termo pejorativo e objetificado. Isabela também conta que estava no seu ambiente de trabalho quando ouviu de uma cliente: “você é uma “chinesa bonita”. Uma pena meu filho não estar presente, porque ele gosta de mulheres asiáticas”, conta.

Para a professora, os homens têm fetiche por mulheres asiáticas por conta da ideia de que a mídia as vende com características como obedientes, exóticas e submissas. É um fetiche cheio de estereótipos e preconceitos. A psicóloga Mayume também analisa essa questão: para ela, a mulher amarela é sempre vista como passiva, obediente e infantilizada.

“Vejo tudo isso como um grande desafio para as mulheres de se afirmarem como um ser total, de resgatar o prazer em viver em seus corpos tão criticados e oprimidos”, conclui Ana.

As consequências
Um dos resultados da visão objetificada e fetichizada dessas mulheres racializadas é o assédio sexual. Por esses motivos, o assédio sexual se torna presente no cotidiano delas.

“O assédio sexual traz para vítima diversas consequências, sejam fisicas, comportamentais e emocionais. Como o estresse pós-traumático, medos generalizados, depressão, isolamento social e baixa autoestima são alguns fatores”, afirma Samara.

A especialista também acrescenta que para a mulher negra essas consequências se agravam ainda mais, já que a violência em relação a pessoa negra é sempre superior à de uma pessoa branca, por exemplo. “A mulher negra tende a reprimir e sintomatizar essas violências, muitas vezes, por não encontrar apoio ou segurança para expor e denunciar”, afirma.

Para Ana, as consequências para as mulheres amarelas é o distanciamento que elas têm de seus corpos e a fragilização de sua autoestima. A jovem Letícia Ohfugi é um exemplo disso. Ela desabafa sobre como o fetichismo afetou sua autoestima.

“É meio difícil sentir bem comigo mesma porque nunca sei se as pessoas gostam de mim de verdade ou se é por causa da minha raça”, desabafa a estudante.

Mayume também destaca que muitas mulheres amarelas se afastam ou rejeitam seus corpos por medo do fetichismo. As vítimas se sentem vulneráveis ou sensíveis, o que acaba se tornando um desafio na vida delas. É importante entender que a  cultura do assédio sexual é recorrente para todas as mulheres, mas ser uma mulher racializada na sociedade é carregar um fardo pesado.

“O exercício contínuo para mulheres é fazer o resgate de quem nós somos, através do autoconhecimento cultural, conexão com o próprio corpo para entender os reflexos disso em nossas ações”, finaliza Cybelle.

Foto de capa: Zen Chung / Pexels

Reportagem de Juliana Ramos para a disciplina de Jornalismo Independente, ministrada pela professora Daniela Oliveira.

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4 comentários em “Mulheres racializadas são vistas como objetos sexuais

  1. Adorei o tema trazido. Uma pena que ainda no século 21, ao longo do processo de socialização, ainda ouvimos histórias como essas.

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