Entrar numa loja, escolher uma roupa, experimentá-la e não caber é uma realidade de muitas mulheres gordas espalhadas pelo mundo. O corpo padrão sempre foi venerado pela indústria da moda, indústria essa que ainda tem excluído a estética gorda do mercado de vestuário. O cenário de exclusão das prateleiras e araras de roupas do corpo gordo é mais comum do que se imagina.
É comum conversar com mulheres obesas e ouvir relatos dos mais variados: “não consigo sentar em cadeiras de plástico”, ou “não passo na catraca do ônibus” e, principalmente, “não consigo achar uma roupa bonita nas grandes lojas”. A verdade é que as grandes varejistas do mercado da moda não querem implementar novos modelos: a mulher gorda é rejeitada pela sociedade.
Para a professora Danielle Spada, do curso Superior de Moda da Universidade Veiga de Almeida (UVA), a sociedade não atende à demanda de pessoas gordas na moda. Segundo ela, os corpos são “invólucros limitadores da existência, podadores de almas, caixas cheias de preconceitos sociais e que não sabemos ao certo, sequer, tudo o que existe em seu interior”. Ou seja, o formato corporal é tratado como pré-requisito para a confecção de peças para mulheres.
É possível encontrar, em qualquer loja de departamentos que você vá, números que variam do 36 até o 46. Mas todas nós sabemos que 46 não é o maior número. Como ficam as mulheres com corpos maiores? Como a silhueta gorda entra nesse mercado da moda?
Aliana Aires, autora do livro “De GORDA a PLUS SIZE: A moda do tamanho Grande”, diz que a moda é objeto de consumo central, influenciando a sociedade e o modo como se forma a identidade de cada um.
“Antes seguíamos um modelo de identidade baseado em aspectos sociais físicos (tradições, família, etc.), nos quais valores e virtudes eram valorizados em detrimento da aparência externa. Hoje seguimos um modelo exterior da identidade, em que a aparência corporal passa a identificar fortemente o sujeito”, conta, em seu livro.
Isso pode ser visto na prática. A estudante Roberta Evangelista da Silva, de 21 anos, conta como sofre ao comprar roupas em grandes lojas. De acordo com ela, é muito difícil gostar de uma peça e encontrar o tamanho que fique confortável de usar. Além disso, Roberta desabafa como se sente ao experimentar roupas que não são para o seu tamanho:
“Me sinto revoltada. É um sentimento de exclusão, como se te dissessem que temos que nos modelar para caber nas roupas deles”, diz Roberta, sobre comprar roupas em grandes lojas.
Em março de 2022, a marca de roupas de grife Miu Miu foi alvo de diversas críticas após o desfile da coleção de verão da marca. A falta de diversidade nas passarelas chamou à atenção da mídia. Bem como as escolhas expostas na passarela: calças de cintura baixa, o que marca o retorno do estilo dos anos 2000. As modelos que mostravam as roupas ao público tinham características semelhantes e eram todas magérrimas, com a famosa “barriga negativa”.

Aliana acrescenta, em seu livro, que o corpo gordo, sobretudo o feminino, sofre com as demandas sociais. As exigências são grandes e todos se tornam reféns da cultura da magreza.
“Pessoas gordas relatam que ouvem frequentemente ‘você tem um rosto tão bonito’. No entanto, a frase, que pode parecer um elogio, guarda um profundo desprezo pelos corpos gordos; os sentimentos nela implícitos são de que o corpo gordo não tem saúde nem beleza”, afirma em sua obra.
A estudante Beatriz dos Santos de Oliveira (abaixo), de 20 anos, passa por uma situação oposta à de Roberta. Segundo ela, é possível encontrar roupas para seu tamanho em lojas de departamento, porém em lojas de bairro, é praticamente impossível encontrar peças que a deixem confortável. Além disso, Beatriz afirma que não tem costume de comprar roupas pela internet, pois geralmente o vestuário que oferecem não define suas curvas e os modelos não cabem.
(Foto: Reprodução\Instagram)
A professora Priscila Baldner, de 34 anos, exprime um relato neutro em relação à compra de roupas. Segundo ela, é possível comprar roupas para seu tamanho em lojas de departamento, porém, prefere adquirir as peças pela internet. “Gosto de seguir pessoas que têm o mesmo corpo que eu. Sou considerada uma gorda menor, com uma silhueta mais definida, então consigo encontrar roupas para mim dos dois jeitos”, afirma. Mas, isso não exclui o fato de que encontrar peças de vestuário para mulheres gordas em lojas de grandes marcas seja fácil.
“Existem grandes marcas que não possuem meu tamanho, como a Leader ou a C&A. Nessas duas marcas é praticamente impossível de encontrar roupas para gente gorda”, relata Priscila.
Aliana ainda descreve, em seu livro, que a cultura da magreza atinge muito mais as mulheres do que os homens. Segundo a autora, a população masculina estaria menos submetida às questões corporais implícitas do que a feminina. Isso nos leva a refletir: o corpo da mulher gorda diz respeito à sociedade? Essa distinção entre pessoas gordas e magras, sobretudo na indústria fashionista, é realmente necessária?
A professora Danielle é taxativa: o mercado da moda enfrenta um enorme desafio, que precisa urgentemente de revisão social e passa por muito preconceito. Nas lojas, é possível ver que há distinção de setores para mulheres consideradas padrão e pessoas gordas. O corpo gordo ou plus size, como a indústria costuma chamar, vive à mercê de um preconceito velado, na qual as lojas varejistas segregam os corpos fora do padrão. A exclusão faz parte do dia a dia de mulheres gordas.
Impacto na saúde mental
Para Priscila, a aceitação dos corpos é fundamental no processo de inclusão do corpo gordo. É preciso muito mais do que uma aceitação coletiva, mas também uma aprovação individual. As exclusões sociais, principalmente da mulher gorda, mexem com a saúde mental delas, o que pode causar danos irreparáveis.
(Foto: Repordução\Instagram)
Uma pesquisa feita pela revista científica Nature Medicine aponta que a gordofobia contribui para os altos índices de suicídio em pessoas gordas no mundo, sendo sua maioria mulheres. Além disso, um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 30% das pessoas que buscam tratamento para obesidade apresentam quadro depressivo.
Baldner ainda opina sobre essa separação das lojas. “Fico triste em observar isso. Só prova que não é uma loja inclusiva. Não está pensando em todos os corpos. Espero que com os anos, as marcas produzam peças menores e maiores, não se limitando ao número 46, como várias vezes vi sendo o maior número. É não se delimitar a lojas específicas nem separar em setores, mas tratar o corpo gordo, especialmente o feminino, como parte da sociedade”, afirma.
Foto de capa: Madrona Rose na Unsplash.
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Reportagem realizada por Victoria Muzi para a disciplina de Jornalismo Independente, ministrada pela professora Daniela Oliveira
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