Poucos são os aspectos da vida cotidiana que não são encontrados na internet. Compras, cinema, vestuário — na atualidade, tudo isso está a um clique de distância. Com o sexo, não é diferente. Diversas plataformas de conteúdo sexual já fazem parte da rotina de milhões de pessoas ao redor do mundo, como o site Pornhub. O gigante da distribuição de vídeos pornográficos registrou, em 2018, 33,5 bilhões de visitas, segundo levantamento feito pelo site no mesmo ano. Em um novo levantamento de 2021, o Brasil figurou como o décimo país que mais visita o site. A plataforma conta com diversas categorias, e no espaço voltado para o público gay, os termos mais pesquisados no mundo são, na sua maioria, específicos. Eles têm cor, comportamento e, em alguns casos, até nacionalidade.
De acordo com o Pornhub Insights 2021, ação promovida anualmente pelo próprio site que torna públicos dados de consumo gerais e variados, o top 5 global de termos avulsos mais buscados na página gay, que também se divide em categorias, foram “twink” (algo próximo a “novinho”, no português), “femboy” (afeminado), “hentai”, “straight” (hétero) e “black” (negro). No top 10, junto a “hentai” (nome dado a animações japonesas explicitamente sexuais), mais termos que se relacionam com regiões e fenômenos culturais asiáticos se fazem presentes com alta demanda, como “japonês”, “asiático” e “yaoi”, o último caracterizando animações japonesas que encenam, exclusivamente, relações sexuais entre homens.

(Foto: Reprodução/Pornhub)
As categorias, por sua vez, trazem figurinhas repetidas dos termos. “Straight guys” (caras héteros), “black” e “twink” aqui também estão no topo do interesse do público. O Pornhub recebe envios oficiais e individuais, feitos por usuários cadastrados, que podem ser assistidos gratuitamente. O catálogo vai de vídeos pirateados de grandes estúdios a produções amadoras. Em meio a variedade, entretanto, o que se sobressai é a repetição de trilhas dos usuários, observadas nos dados divulgados pela própria plataforma.
Fantasia e realidade
Para Hugo Katsuo, cineasta e mestrando da Universidade Federal Fluminense (UFF) que estuda a representação do corpo amarelo na pornografia gay ocidental, a maior parte das produções adultas voltadas para homens gays cis (que se identificam com o gênero designado ao nascer) acaba sendo produzida dentro de, e para uma comunidade que trava debates pouco interseccionais.
“Existe uma alienação racial muito grande no meio de homens gays brancos que, muitas vezes, por serem gays, acreditam que não têm poder para oprimir outros grupos racializados. Muitos se recusam a debater o tema”, observa o pesquisador.
Eric Barbosa, de 24 anos, percebe o mesmo. O cientista social, graduado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e mestrando na mesma instituição, também pesquisa estereótipos de masculinidade que fazem parte da realidade — e da fantasia — de homens gays. Ainda que seu objeto de pesquisa seja mais estático (capas da revista brasileira G Magazine), ele percebe, na pornografia gay em vídeo, a ocorrência de fantasias e performances que exploram diferenças sociais como raça e gênero, e que nenhuma delas existe desconectada do mundo real, mas sim dentro de um “esquema maior”.
“No cotidiano, existem, sim, performances de masculinidade reforçadas e estereotipadas por um certo consumo de pornografia, como a ideia de um corpo ideal e papéis sociais atrelados ao sexo. No geral, não somente para pessoas LGBT, não existe uma conversa saudável sobre sexo e sexualidade. Graças a esse tabu, muitos se voltam para a pornografia como uma forma de conhecer o que é sexo”, nota o pesquisador.

(Foto: Reprodução/Instagram)
Para alguns membros da comunidade gay, o prazer se transformou em questionamento ao longo dos anos. Michel Amaral, designer gráfico de 25 anos, percebeu que os conteúdos que já fizeram parte de sua rotina não o refletiam, e se tornaram até mesmo motivo de desconforto. “Não me enxergo nem um pouco nos conteúdos adultos voltados para homens gays, e isso chegou a afetar minha autoestima durante uma fase da minha vida. Os homens são sempre muito musculosos [nos vídeos], e quase sempre brancos”, diz ele. O designer acrescenta que certas dinâmicas tradicionais nas produções pornográficas para homens gays podem ser notadas, inclusive, no dia a dia da comunidade.
“Algo recorrente nos vídeos é a necessidade do sexo com penetração. No cotidiano, vejo que alguns homens gays costumam reforçar dinâmicas como a do ativo e a do passivo, e as atrelam a comportamentos masculinos e femininos. Já me deparei com pessoas associando trejeitos “mais masculinos” à atividade sexual da penetração. Se você não cabe nesse comportamento, então não pode fazer isso ou aquilo”, descreve Michel.
Papéis estabelecidos
Para o pesquisador Hugo Katsuo, por mais que a pornografia gay possa ir contra tabus sociais, como a relação sexual entre homens, ela também é capaz de reproduzir dinâmicas sexuais consideradas cisheteronormativas. Entre elas, estão as posições fixas de “ativo” (quem penetra) e “passivo” (quem é penetrado). Hugo acredita que, racializado, o homem cis amarelo costuma ocupar lugar cativo no script da pornografia gay ocidental. “Tais homens são vistos como desprovidos de masculinidade, tendo como parâmetro a masculinidade hegemônica, que é branca e ocidental”, discorre Katsuo.
“Nesse sentido, eles são vistos como menos homens e, com isso, há todo o estereótipo do “pinto pequeno”. O tamanho do pênis é um termômetro de masculinidade, e numa camada voltada às questões de gênero, se você não tem pênis, sequer é homem. Isso confere a essa ideia contornos transfóbicos. Nessa relação, o homem cis amarelo na pornografia gay ocidental é, muitas vezes, colocado como o passivo da relação”, conclui o pesquisador.
Junto ao peso dos estereótipos racializados, ansiedades como as de Michel, que também não se via nos conteúdos produzidos para a comunidade da qual faz parte, podem continuar encontrando eco nas produções de estúdios mais tradicionais, como percebe Eric. “Produtoras mais antigas, o tempo todo, tentam reforçar uma hegemonia de práticas sexuais”, diz o cientista social, fazendo referência aos corpos e posições recorrentes nos vídeos voltados para homens gays.

Ampliação do debate
Apesar disso, a representatividade ainda é possível. Para Eric, fenômenos recentes como as plataformas “OnlyFans” e “Just For Fans”, onde criadores de conteúdo adulto independente têm concentrado seu trabalho, vem explorando novas possibilidades. “Hoje, a pornografia amadora tem ganhado novos rumos”, reflete ele. Katsuo pensa o mesmo, e cita atores pornôs gays asiáticos como Tyler Wu e Cody Seyia, que usam as novas plataformas.
“Eles têm construído novas práticas representacionais em torno das suas sexualidades”, explica o pesquisador.
Hugo, Eric e Michel têm um ponto em comum. Os três vislumbram uma discussão que ultrapassa o retângulo dos players de vídeo, e acreditam que o engajamento mais amplo na conversa igualmente ampla deve acontecer de maneira aberta, para que assim o racismo e os estereótipos de masculinidade possam ser observados com a profundidade que merecem, como pensa Hugo.
“O debate em torno da pornografia não deveria partir de um embate entre ser contra ou a favor dela. É preciso haver uma ampliação do debate racial, dentro de uma perspectiva interseccional nos meios LGBTQIA+”, afirma Katsuo.
Foto de capa: Freepik
Reportagem Gabriel Folena, com edição de texto de Daniela Oliveira
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