Da sala de aula

Autismo: diagnóstico precoce ajuda a garantir qualidade de vida a crianças autistas

Mães também destacam a importância do posicionamento das escolas ao lidar com o transtorno

por Júlia Menezes

Pais e mães devem estar sempre atentos a seus filhos, mas, por vezes, o desconhecimento de sintomas como os do autismo faz com que o transtorno passe despercebido, tornando o diagnóstico cada vez mais tardio. Por outro lado, após o resultado positivo, inicia-se uma luta na busca de direitos e respeito, tanto no cotidiano quanto dentro do ambiente escolar.

Por definição da Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association – APA), o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por um transtorno do desenvolvimento neurológico em que o indivíduo apresenta dificuldades na comunicação e interação social através de um padrão restrito e repetitivo de comportamento, interesses e atividades, sendo estes os maiores sintomas indicadores que uma pessoa é autista.

A percepção da redução dos níveis de atenção compartilhada, de comunicação social e comportamentos repetitivos com objetos são, geralmente, os sintomas mais precoces nas crianças, sendo percebidos entre os 12 e 24 meses de idade. A luta por inclusão inicia-se na busca da identificação do TEA antes dos 2 anos, pois pais e mães relatam dificuldade de apoio médico para realizar o diagnóstico. É o que conta Gabriela da Costa e Silva, 42 anos, mãe do Bernardo, 4 anos, que só conseguiu que um neurologista identificasse o autismo em seu filho após insistir muito e agendar consulta com um profissional de outra cidade.

“A gente fala sobre intervenção precoce, mas é tudo muito difícil. Você nem sempre tem um pediatra que consiga identificar em tempo hábil. Eu dizia para o pediatra do meu filho que havia alguma coisa errada quando o Bernardo tinha menos de 4 meses e ele me chamou de maluca, disse que eu deveria me tratar, pois estava procurando cabelo em ovo”, desabafa Gabriela.

Gabriela precisou procurar mais de um médico até seu filho Bernardo ser diagnosticado
(Foto: Acervo pessoal)

Detectar o TEA ainda nos primeiros anos de vida é fundamental para a criança autista e, portanto, crucial para garantir uma vida cercada de benefícios, explica o Dr. Jaime Lin, médico neuropediatra há 14 anos: “Um dos grandes esforços do momento é a detecção precoce de crianças de risco, pois está claro que quanto mais cedo se inicia uma intervenção adequada, melhor o prognóstico e menor a carga familiar e social”.

O impasse vivido para conseguir um diagnóstico, aliado à descredibilização de profissionais e à falta de rede de apoio, impacta diretamente a vida não só do autista, mas de seus responsáveis, que se veem apreensivos em meio a tantas incertezas. Juliana Viana do Espírito Santo, 44 anos, mãe do Miguel, 12 anos e do Eric, 4 anos, ambos autistas, lamenta a falta de apoio na busca por ajuda.

“Eu atribuo a falta de um diagnóstico precoce aos médicos, que não foram atentos. Eu gritava por socorro para todo mundo, chorava na escola, e só queriam expulsar meu filho. As psicólogas o abandonaram. Me falavam que eu era superprotetora, pois não o colocava de castigo, e eu falava para todos que não adiantava, porque ele não entendia o que eu falava”, relata Juliana.

O Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC), em uma pesquisa publicada em 2 de dezembro de 2021, constatou que uma em cada 44 crianças é autista, revelando um aumento com relação à última pesquisa realizada, em 2020. Essa alta de incidência não revela que mais pessoas estão se “tornando” autistas, mas sim que mais diagnósticos estão sendo emitidos, garantindo que estas crianças tenham acesso aos tratamentos necessários, pois, mesmo que o Autismo não seja considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma doença, geralmente o transtorno vem acompanhado de comorbidades.

“Em relação à prevalência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com TEA, há evidências sugestivas da ocorrência de 70% para pelo menos uma, e de 50% para múltiplas doenças da saúde mental. Essa alta prevalência pode ser explicada tanto por mecanismos fisiopatológicos semelhantes entre os distúrbios quanto pela sobreposição de sintomas e influências do meio externo. Entre as doenças psiquiátricas mais comumente associadas ao TEA, estão ansiedade, depressão, transtorno do humor bipolar, déficit intelectual, transtorno obsessivo-compulsivo e esquizofrenia”, explica o neurologista Dr. Jaime Lin.

Dr. Jaime Lin destaca a importância da avaliação correta e precoce do TEA
(Foto: Acervo pessoal)

Além dos obstáculos encontrados para a classificação de uma criança como autista, mães relatam descumprimento da lei e falta de empatia nas escolas, sobretudo particulares, mesmo que a legislação brasileira, por meio do Estatuto da Pessoa com Deficiência, tipifique como crime a recusa de matrícula de aluno com transtorno do espectro autista por gestores:

“Nenhuma escola, plano de saúde ou lugar pode impedir o acesso, mas isso é mentira, não existe inclusão no Brasil. Elas arrumam um jeito de dizer que a criança não pode [frequentar o lugar], inventam que não tem vaga na turma. A escola que aceita não cumpre as obrigatoriedades. A lei diz que cada criança com transtorno deve ter um mediador em sala e isso não tem, o máximo que fazem é colocar um estagiário. Já aconteceu de a tia da cozinha ser a mediadora de uma criança”, conta Gabriela.

Os dados divulgados no último Censo Escolar expunham que 294.394 alunos com autismo se encontravam matriculados nos ensinos infantil, fundamental ou médio das redes pública e privada em 2021, representando um crescimento em 280% em comparação ao ano de 2017, quando havia apenas 77.102 alunos. Mesmo com números expressivos, diversas queixas, principalmente de bullying, são expressas por mães, que não contam com o apoio da escola:

“Nossos filhos sofrem o tempo todo, chega a ser doloroso ouvir as histórias, ser tão novo e passar por tantas situações horríveis. A escola deveria abraçar, em vez de expor as crianças. Meu filho só tinha 10 anos quando um professor de Educação Física colocou o joelho no peito dele. A escola não é preparada e os pais de outros alunos não ligam. Com meu filho, fizeram um abaixo-assinado para ele sair”, desabafa Juliana.

Juliana, Eric (no colo) e Miguel no dia da conscientização do Autismo em um evento em Maceió, Alagoas
(Foto: Acervo pessoal)

Os prejuízos emocionais para o autista que sofre repressão pelos colegas e não tem o apoio necessário no ambiente escolar pode ser traumático ao desenvolvimento da criança, potencializando a dificuldade no seu desenvolvimento cognitivo e emocional, como relata a psicóloga Virginia Ines Costa Murr, 56 anos.

“O despreparo dos profissionais que lidam com crianças autistas pode acarretar danos emocionais cruciais no desenvolvimento e no desempenho delas. Privar as crianças do acolhimento necessário, bem como a falta de critério e de cuidado dos profissionais que deveriam inclui-los, pode gerar sérios níveis de ansiedade, depressão, perda de confiança e sentimento de inutilidade. Isso pode dificultar ainda mais a troca com os outros e a reciprocidade social”, destaca a psicóloga Virgínia.

A psicóloga ainda ressalta a importância de um ambiente escolar voltado para a inclusão e salienta que todos os adultos presentes na instituição devem ser capacitados para lidar com as adversidades que podem vir a acontecer com as crianças.

“Infelizmente as escolas não estão preparadas para lidar com crianças que precisam de um olhar diferenciado. A falta de preparo vai desde a ausência de um espaço físico adequado para a criança até a preparação e formação dos profissionais que vão lidar com esta criança. A inclusão precisa ser levada mais a sério, isto é, é preciso permitir que alunos com algum tipo de deficiência, seja ela intelectual ou física, frequentem os mesmos espaços que os demais alunos”, completa Vírginia.

Reportagem realizada por Júlia Menezes para a disciplina Apuração, Pesquisa e Checagem, ministrada pela professora Maristela Fittipaldi

Agência UVA é a agência experimental integrada de notícias do Curso de Jornalismo da Universidade Veiga de Almeida. Sua redação funciona na Rua Ibituruna 108, bloco B, sala 401, no campus Tijuca da UVA. Sua missão é contribuir para a formação de jornalistas com postura crítica, senso ético e consciente de sua responsabilidade social na defesa da liberdade de expressão.

3 comentários em “Autismo: diagnóstico precoce ajuda a garantir qualidade de vida a crianças autistas

  1. Gladis Neitzke

    Matéria espetacular, muitos profissionais estão despreparados p um diagnóstico do autismo. E os pais muitas vezes muito perdidos não sabem lhe dar c o seu filho.
    Parabéns,bela matéria!

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