Seja para pagar uma conta ou mesmo comprar um produto, a verdade é que o povo brasileiro não pôde resistir a onda de digitalização e passou a utilizar diversas ferramentas virtuais no seu dia a dia. Dentre as tecnologias mais usadas estão as assistentes virtuais, robôs criados para oferecer experiências personalizadas, baseadas nos interesses de cada cliente.
Entretanto, embora estes programas tenham caído nas graças da população, infelizmente nem todos os utilizam da maneira correta. Em 2019, a UNESCO divulgou o estudo “I’d Blush If I Could” (Eu coraria se pudesse), em que demonstrou que as assistentes virtuais, as quais emulam majoritariamente vozes de mulheres, sofrem um imenso preconceito de gênero e costumam responder às agressões de forma passiva e tolerante.
De acordo com Luiza Carolina dos Santos, Doutora em Comunicação e Informação, a escolha pela figura feminina se baseia em diversos fatores, entre eles: a associação entre o feminino e o cuidado, a baixa presença de mulheres na indústria de tecnologia e a literatura da área.
“As assistentes digitais são personagens que, de formas variadas, automatizam o cuidado, seja no âmbito doméstico, na busca por informações ou no auxílio com compras e dúvidas. Por isso, são frequentemente representadas como mulheres, dando continuidade a essa ideia de que as tarefas relacionadas ao cuidado são atribuições femininas naturais e não socialmente construídas”, explica.
De palavras ofensivas a expressões de cunho sexual, o jeito com que algumas pessoas se comunicam com os robôs têm sido bastante agressivo e sexista. Para Yorrana Oliveira, psicóloga com MBA em gestão de pessoas, a sociedade costuma classificar a mulher como gênero frágil. Nesse sentido, quando o agressor percebe que se trata de uma figura feminina, ainda que digital, ele se sente confortável para ter esse tipo de atitude.
“Os agressores, sejam homens ou mulheres, têm a presunção de que a assistente virtual não irá responder a altura, caso receba algum comentário ofensivo. A verdade é que a relação cliente e robô serve apenas como pano de fundo para o fato principal: a interação entre o agressor e qualquer programa que apresente aspectos femininos”, aponta.
Diante disso, diversas empresas optaram por mudar o padrão de resposta de suas personas virtuais. O objetivo é conscientizar as pessoas de que condutas abusivas não devem ser permitidas em nenhum ambiente, nem mesmo no digital. A última companhia a anunciar medidas para combater casos de assédio foi a Google. Em sua iniciativa “Não fale assim comigo”, lançada dia 3 de maio no Brasil, a gigante da tecnologia afirmou que o novo posicionamento da Google Assistente será implementado aos poucos e continuará a receber atualizações.
Segundo Luiza Carolina dos Santos, também Doutora em Comunicação e coautora do artigo “O que têm em comum Alexa, Siri, Lu e Bia?”, a pressão feita pelos veículos de comunicação e por uma parcela da sociedade é um dos motivos pelos quais as grandes empresas resolveram modificar o catálogo de respostas de suas assistentes virtuais.
“Do nosso ponto de vista, e conforme a nossa pesquisa, essa mudança de posicionamento das assistentes virtuais está muito relacionada ao fato da posição de subserviência das assistentes ter causado um incômodo numa parte da sociedade, gerando um dano à imagem das próprias empresas. Além disso, algumas organizações também encontraram nesse tema uma chance de capitalizar por meio de campanhas digitais contra a violência verbal e sexual”, relata.
Com isso, é perceptível como o ambiente digital tem se tornado cada vez mais tóxico. Contudo, o que talvez muitos não tenham notado é que os acontecimentos do mundo virtual geram inúmeros danos para a vida real. Ainda de acordo com a pesquisadora, os comportamentos das assistentes influenciam diretamente na maneira como as mulheres são vistas na sociedade.
“Quando uma personagem feminina aceita uma forma de assédio como algo normal, reforça a noção, já existente na nossa sociedade, de que não é algo sério, ou que faz parte da experiência da masculinidade e que as mulheres devem tolerar. Essa forma de representar o comportamento feminino diante do assédio reflete visões sobre como as mulheres deveriam reagir”, afirma.
Embora sejam positivas as mudanças propostas pelas empresas, vê-se que ainda são analisadas e questionadas sobre o quão realmente efetivas podem ser. Logo, a pergunta que fica para muitos é: até quando as mulheres, virtuais ou não, terão que lidar com o assédio no seu dia a dia?
Foto de Capa: Reprodução/Freepik
Anne Rocha (5º período), com revisão de Leonardo Minardi (7º período) e Gabriel Folena (5º período)
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