“Nas minhas andanças, fui parar na África e lá conversei com aqueles homens da Unesco, os bons, não os burocratas. Um deles me disse: Cada vez que morre um velho africano é uma biblioteca que se incendeia”. Foi essa uma das lições que a escritora Lygia Fagundes Telles, que faleceu nesse domingo (03), ensinou.
A “dama da literatura brasileira”, como era conhecida, morreu de causas naturais em sua casa, em São Paulo. Nesta quinta-feira (07) será realizada uma homenagem no salão nobre da Academia Brasileira de Literatura (ABL). Lygia morre aos 103 anos. Antes, se pensou que a autora havia falecido aos 98 anos, mas após pesquisa recentemente divulgada pelo sociólogo Daniel Taddone foi confirmado o centenário.

Ao ser questionada, em 1996, no programa “Roda Viva” da TV Cultura, se pudesse escolher entre ser bonita ou inteligente, Lygia afirmou que sempre escolheria a inteligência, e ainda dizia: “o que eu tenho de melhor é o que eu escrevo”. A escritora era defensora ativa da cultura brasileira, e emocionava a todos com seus contos e histórias que mostravam o lado mais puro do ser humano, bom ou não.
Laís Fernandes, tradutora e revisora de textos formada em letras e pós graduada em produção editorial, afirma que Lygia tinha uma escrita envolvente e elegante. Para ela, a escritora ensina, através de suas obras, a não temer a repressão e nem mesmo a morte, e que é preciso aproveitar todas as nuances que a vida traz.
“Precisamos sorrir, chorar, amar, criar, destruir, reconstruir e lutar enquanto ainda respiramos, pois tudo passa e se faz necessário deixar sementes regadas para quem aqui fica. E ela com certeza nos deixou um imenso jardim”, acrescenta.
A coordenadora do curso de Letras da UVA e doutora em Literatura Anne Morais ressalta a importância de Lygia, graças a seu sucesso e influência sendo a primeira escritora brasileira indicada ao prêmio Nobel da Literatura e sua entrada para a Academia Brasileira de Letras.
“Nesse espaço editorial marcado por homens, Lygia se destacou, e com todo louvor. Ficamos com sua genialidade e magia vivas em suas obras e, por isso, podemos continuar aprendendo com essa mulher tão corajosa e inteligente”, aponta.
“Ela arriscou sua vida por um ideal: a liberdade de expressão. Sua atitude e coragem nos lembram que liberdade não é algo garantido, mas algo que precisamos lutar todos os dias. Os artistas brasileiros não podem esquecer isso. Lygia jamais esqueceu” acrescenta Anne.
A estudante de cinema Vivian Guimarães destaca a importância cultural que “As meninas” teve e ainda tem, tanto pela temática, que aborda a ditadura militar vigente no período, quanto pela forma de uso do fluxo de consciência, que mistura a narração com a voz das três amigas.
“A forma que ela abordou o fantástico em suas obras, principalmente nos contos, é surpreendente, e os acontecimentos de suspense e de romance são extremamente bem construídos. Além, é claro, da representação múltipla do feminino, num olhar muito progressista para a época. Acho que a Lygia passa muita força e coragem pelas suas personagens, principalmente as mulheres de todas as idades, mesmo que sejam erráticas.” comenta Vivian.

A autora publicou seu primeiro livro aos 15 anos, “Porão e Sobrado”. Cursou Direito e Educação Física na USP, mas após sua graduação seguiu com sua verdadeira paixão: escrever.
Lygia ganhou diversos prêmios, como Camões (2005), Jabuti (1966, 1974 e 2001) e Guimarães Rosa (1972). Suas obras foram traduzidas para línguas como alemão, polonês, tcheco, espanhol, francês, inglês, italiano e português de Portugal. Teve um de seus livros, “Ciranda de Pedra”, adaptado para a televisão em formato de telenovela, e também foi uma das autoras do “Manifesto dos intelectuais”, documento assinado por diversos escritores e intelectuais da época contra a censura, que teve grande repercussão na mídia.
Foto de capa: Reprodução UOL
Malu Danezi (3ª período), com revisão de Leonardo Minardi (7º período)
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Lamentamos profundamente, pois Lygia era uma das maiores artistas da atualidade. Uma grande perda.