“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. A icônica frase de Angela Davis, professora norte americana e ativista do feminismo negro, inspira mulheres negras pelo mundo. A autora e ativista Lélia Gonzalez, que também amadureceu as discussões sobre gênero e raça dentro do universo latino-americano, completa: “a gente não nasce negro, a gente se torna negro”.
Toda essa influência, como tantas outras, renderam frutos. O Julho das Pretas foi idealizado a partir do dia 25 de Julho, que comemora o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data nasceu em 1992, após a realização do primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, na República Dominicana, para tratar do combate ao racismo e machismo presentes na sociedade.
O dia também foi usado para homenagear um grande símbolo da resistência e do poder de mulheres negras: Teresa de Benguela. A líder do Quilombo do Quariterê, no Mato Grosso – conhecido também pela organização política e econômica de nível elevado – libertava escravos e indígenas no século XVII, enfrentando as forças escravocratas da época. A potência de todas as mulheres negras lembradas nos dias atuais, impactam a vida das gerações seguintes.


A estudante Camila Neves, de 19 anos, enxerga no dia 25 e em todo o mês de julho uma forma de dar visibilidade à todas as mulheres pretas que, durante séculos, foram inviabilizadas. “Ainda é um processo de identificação extremamente difícil, e é uma luta que nós precisamos passar diariamente porque o racismo ainda é presente”, acrescenta Camila.
A jovem negra, que se inspira em mulheres importantes para comunidade feminina e negra como Taís Araújo, Daiane dos Santos e Quitéria, deixa clara a importância do conhecimento, ainda mais encorajado na comemoração do Julho das Pretas, para sua formação.
“Há um certo tempo eu não fazia idéia da minha origem. Ter estudado e aprendido sobre me fez entender todo o processo histórico-cultural brasileiro e o resultado dessa “divisão racial”, o recorte de classes e de gênero, principalmente quando falamos de mulheres negras. A influência que isso me trouxe foi reivindicar meus direitos e lutar junto aos movimentos sociais”, conclui Camila Neves.
Para as gerações mais antigas, o Julho das Pretas reascende a luta que já faz parte do dia a dia há muito tempo. A Servidora Pública Federal, Elaine Alves, de 51 anos, acredita que essa data é uma conquista que só foi possível a partir de muitas lutas ao longo dos anos, resgate histórico, e criação de leis que tornam possível o reconhecimento das movimentações.
Foram essas lutas que provocaram na servidora, desde cedo, suas inquietações. “Lembro de primeiro ter me despertado para as diferenças sociais e políticas e, mais tarde para a consciência racial. Então, percebi que essas lutas se completam, não são isoladas”, afirma Elaine. Inspirada por sua mãe e por grandes nomes de impacto social na luta de gênero e raça como Jurema Werneck e Conceição Evaristo, a servidora também participou de movimentações pela causa.
“A vida me deu a oportunidade de militar em uma organização do movimento negro, onde pude fortalecer minha auto estima e a compreensão de que a luta jamais termina, só mudam as frentes de luta. Uma mulher que continua se movimentando, estudando, trabalhando e sonhando”, conclui Elaine Alves.
Durante o Julho das Pretas, onde é destacado a importância da valorização da mulher negra na construção e nas transformações necessárias na sociedade, a Agência UVA preparou uma lista com 5 livros importantes para o entendimento do tema e das questões expostas pelas mulheres negras.
- Por um feminismo afro-latino-americano – Lélia Gonzalez

O livro consiste na reunião de uma série de obras marcantes, como artigos, ensaios, entrevistas e escritos produzidos pela da filósofa, antropóloga, professora e escritora Lélia Gonzalez entre 1979 e 1994. As obras escolhidas pelas organizadoras Flavia Rios e Márcia Lima, são de um período em que alguns países da América Latina e do Caribe sofriam com dilemas sociais e com democracias abaladas e frágeis.
- Interseccionalidades: Pioneiras do Feminismo Negro Brasileiro (Pensamento feminista brasileiro) – Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro

O livro, organizado por Heloísa Buarque de Holanda, reúne textos teóricos do início do debate sobre raça e gênero no Brasil. As obras utilizadas são da década de 70, em que a pauta da interseccionalidade é levantada por Beatriz, Lélia e Sueli.
- Mulheres, raça e classe – Angela Davis

No livro, Angela Davis expõe a dimensão das opressões, e como elas operam. A autora evidencia, por exemplo, o racismo e o machismo que acomete mulheres negras, acrescentando o preconceito social e colocando ambos na mesma problemática.
- Quem tem medo do feminismo negro? – Djamila Ribeiro

No livro em questão, foram selecionados artigos publicados pela autora, assim como relatos sobre suas próprias experiências como mulher negra. Djamila Ribeiro também aborda uma série de autoras que as inspira como Chimamanda Ngozi Adichie e Conceição Evaristo.
- E eu não sou uma mulher? — Mulheres negras e feminismo – bell hooks

Um clássico se tratando de questões de gênero e raça, é o primeiro livro de bell hooks. O título faz referência ao discurso deSojourner Truth, mulher negra que havia sido escravizada e se tornou oradora depois de liberta em 1827, denunciou, em 1851, na Women’s Convention que o feminismo da época não abraçava mulheres negras.
Com a leitura de livros escritos por mulheres negras sobre demandas, reinvindicações e pautas expostas pelo feminismo negro, é possível conscientizar e transformar a sociedade que ainda hoje possui tantas marcas de preconceito.
Bárbara Souza (8º período)
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