Por Daniel Deroza
Se, por um lado, os avanços realizados no quesito representatividade na televisão ao longo dos últimos 20 anos são perceptíveis, por outro, nota-se o ritmo lento destas mudanças. Afinal, em um país como o Brasil — onde 57,3% da população se declara negra, indígena ou asiática —, o baixo número de protagonistas membros destes grupos raciais chama à atenção do público para uma possível problemática atrás das câmeras.
Desde 1965 e até hoje, todos os 95 autores titulares de telenovelas da maior produtora deste gênero em território brasileiro, a TV Globo, são brancos, assim como 153 dos 160 roteiristas colaboradores e 179 dos 182 diretores.
Aliás, o canal carioca alcançou, em 2020, o posto de segunda maior emissora do mundo — atrás, apenas, da norte-americana ABC — e grande parte dessa escalada se deve aos folhetins, os quais são o “carro-chefe da casa”, rendendo lucros não apenas com os intervalos comerciais, mas, também, por ser o principal produto de exportação da empresa, que tem suas produções exibidas em mais de cem países ao redor do mundo. No entanto, a observação do elenco destas tramas evidencia que é vendida a imagem de uma nação embranquecida, tal qual almejavam as políticas higienistas do passado, eternizadas em obras como “A Redenção de Cam” (1895), do pintor espanhol Modesto Brocos.
Esse exercício de análise foi justamente o que fez Victor Ramos ter reações opostas ao formato narrativo em diferentes momentos de sua vida. Espectador assíduo deste tipo de enredo desde a infância, o Mestrando em Cinema pela Universidade Federal de Sergipe conta que, à época, não percebia que a população negra era sub ou mal representada.
“Fui absorvendo essas formas de representação, consumindo sem ter um olhar crítico”, explica. Entretanto, a situação mudou quando, ao cursar a faculdade de Audiovisual, ele percebeu esses problemas nas narrativas televisivas, ocasionando a perda total de interesse pelas obras.
Mas se, hoje, o sergipano dedica seu Mestrado a pesquisar as relações raciais nas novelas brasileiras é graças ao seu TCC, no qual tratou da representatividade feminina na série inglesa “Doctor Who”. “Nessa fase de ler várias teorias, ver vários pontos de vista, eu fui resgatando o meu gosto por novela, só que pensando nessa parte crítica, então, eu já assistia pensando nos personagens negros”, detalha. Por isso, com a oportunidade de seguir no meio acadêmico após a formatura, decidiu desenvolver o projeto a partir destes pontos de debate, refletindo, em especial, sobre o que afasta ou aproxima pessoas negras dos folhetins.
Um possível motivo para este distanciamento é o fato de os roteiros não espelharem a realidade do Brasil, já que, contrariando as estatísticas do IBGE, dos 827 papéis principais desde 1965 na TV Globo, apenas 2,05% foram interpretados por atrizes não-brancas, enquanto 45,11% ficaram a cargo de artistas brancas.
Dessa forma, devido às experiências no mundo universitário, a trajetória de Victor se assemelha a de Rafael Trinta, youtuber que, junto da amiga Vanessa Cutrim, produz o canal “Melodramáticos”, que surgiu após os dois se formarem em Audiovisual na Universidade Federal do Maranhão e conta com 25 mil inscritos. O canal dá a ambos a chance de colocar em prática os conhecimentos adquiridos na graduação e levar para a internet o clima “noveleiros jogando conversa fora” que costumavam ter no dia-a-dia universitário. “Basicamente, unimos o útil ao agradável”, declara, rindo, Vanessa.
E, não por acaso, o debate racial no contexto novelístico já foi tema central de uma publicação na página no Instagram da dupla, que sempre buscou abordar questões sociais, pois, na visão de seus criadores, quando se fala acerca de cultura de massa, uma falha em um produto como o melodrama televisivo é muito significativa.
“Quem pensa que novela é puro entretenimento não entende a importância que ela sempre teve na formação sociocultural do povo brasileiro”, opina Vanessa, do “Melodramáticos”.
Esse foi um dos motivos que levou a dupla a gravar o vídeo “Novelas brasileiras: por que ainda tão brancas?”.
A indagação é justificada, porque se a discrepância numérica entre as atrizes é sintomática, entre os atores, ela aumenta, mostrando apenas 0,48% de negros contra 52,36% de brancos. Em linhas gerais, isso significa que 97,46% dos protagonistas das histórias da Globo são pessoas brancas em oposição a 2,54% de membros de categorias raciais minorizadas.
O vídeo do canal se tornou marcante para Rafael Trinta por ser a primeira vez que a negritude foi pautada de maneira direta e didática no “Melodrama”, o “Melô” — como é carinhosamente chamado. E existe uma razão para isso.
“Mais ou menos na época desse vídeo, eu estava passando por uma fase de tentar entender a minha própria identidade, algo que sempre tive muita dificuldade desde a infância por ser um homem negro de pele clara, criado por uma família de classe média que não discutia raça com frequência e, consequentemente, não me fazia sentir à vontade para conversar sobre o tema toda vez que ouvia comentários maldosos na escola”, relata.
Hoje, Rafael já não tem mais dúvidas sobre sua identificação racial e acredita que aquele “turbilhão de questionamentos” foi a faísca que o motivou a pesquisar mais sobre o apagamento de atrizes e atores negros. E o material para esta discussão é vasto, dado que das 317 novelas exibidas pela Rede Globo desde 1965, somente 35 (11,04%) tinham não-brancos no elenco principal e apenas 18 (5,67%) eram protagonizadas por personagens, especificamente, negros.
Desde 1965, ano de inauguração da emissora, até 2021, nenhum indígena ou asiático desempenhou o papel principal, enquanto 26 produções (8,20%) contaram com artistas brancos interpretando pessoas de outras raças e etnias.
Talvez, o caso mais conhecido da última situação citada acima seja o de “A Cabana do Pai Tomás”, uma adaptação do romance escrito por Harriet Beecher Stowe exibida entre 1969 e 1970 que, por um lado deu à “Vênus Platinada” sua primeira protagonista negra (Ruth de Souza, uma das grandes damas da dramaturgia brasileira), por outro, escalou um ator branco — Sérgio Cardoso, um dos maiores galãs da época — para interpretar a personagem-título, um homem negro, recorrendo, assim, ao blackface, o qual incluía peruca crespa e rolhas no nariz para deixá-lo mais largo.
Fato é que a escolha recebeu severas críticas assim que anunciada, pois era quase unanimidade que o papel deveria ser de Milton Gonçalves, que chegou a participar da trama como coadjuvante. Porém, um detalhe pouco conhecido da história é que a escalação não foi feita pela emissora, mas sim pela filial norte-americana da Colgate-Palmolive, agência de publicidade responsável pelo patrocínio das novelas brasileiras nos anos 60. O que demonstra a necessidade de as marcas também entenderem o que, de fato, é a representatividade — tema já antigo dos movimentos raciais.

Para Victor, o Mestrando em Cinema entrevistado acima, este esquema ainda está operante hoje em dia, muito ligado à internet.
“Atores e atrizes brancos conseguem ter uma aproximação muito grande com público pelas redes sociais e, por isso, logo atingem um papel de protagonismo, enquanto atores negros levam muito tempo, como a Jéssica Ellen, que já está na Globo há quase dez anos e a primeira novela das 21h dela foi em 2019, enquanto a Vitória Strada está na terceira protagonista seguida, sendo que ela estreou na TV há quatro anos”, diz.
Ele explica que, atualmente, com a televisão disputando espaço com outras mídias, exige-se que artistas tenham um nome com peso suficiente para atrair audiência, entretanto, não é dada a oportunidade de pessoas não-brancas angariarem fãs. O mestrando também frisa que, para começar, o ideal seria ter, pelo menos, 30% de pessoas negras atuando em todos os núcleos, afirmando que quanto maior a diversidade racial em uma produção, menores são as chances de as personagens caírem em estereótipos.
Sobre este ponto, Victor diz que é perceptível a disposição atual por parte das empresas em produzir obras racialmente diversificadas, porém, ele alerta que é importante fazer alguns questionamentos quanto a isso também.
“Eu me pergunto o por quê desse interesse, de onde ele vem e por que agora. Hoje pautas sociais geram engajamento e consumo, então, as corporações absorvem”, afirma. E, por mais que existam iniciativas de inclusão, conjunturas tais quais a de “Pai Tomás” ainda ocorrem na TV, como em “Alma Gêmea” (2005) e “Novo Mundo” (2017), ambas envolvendo pertença indígena, ou seja, casos de redface.
De acordo com o cineasta Clementino Júnior, enquanto este capital não enxergar as narrativas não-brancas como uma economia e naturalizá-las como um produto rentável, será difícil realizar grandes mudanças. “Para pessoas brancas, o conteúdo produzido sempre foi identitário, sempre foi o padrão, então questões de identidades sempre foram uma problemática a ser resolvida”, reitera, acrescentando que as principais companhias difusoras do conteúdo audiovisual que vem sendo criadas por pessoas pretas, por exemplo, ainda pertencem a indivíduos que não fazem parte deste grupo racial.
Representatividade sim, mas como ela funciona?
Este ponto leva à outra vertente da discussão. Afinal, a representatividade engloba fatores quantitativos e qualitativos, o que é mais complexo, pois, além do número de personagens não-brancos, é preciso analisar, também, como eles são retratados. “Infelizmente, ainda não tem como fugir dos estereótipos, até porque já é algo esperado, né?”, Victor lamenta.
“Há uma tentativa de alguns autores de diminuir a escrita vinda dos estereótipos, mas, ainda assim, eles precisam dessas imagens porque os telespectadores estão tão acostumados. E, se não tiver, eles não conseguem acessar a narrativa”, complementa o pesquisador da Universidade do Sergipe.

A fim de ilustrar esse contexto, Victor cita a novela ganhadora do Emmy, “Lado a Lado”, de 2012, protagonizada por Camila Pitanga, Lázaro Ramos — cujas personagens mais famosas, Bebel e Foguinho, representam duas imagens de controle bem comuns: a negra hipersexualizada e o “negro malandro”. Apesar dos elogios que recebeu pela forma como desenvolvia personagens negros, a novela não conseguiu fugir totalmente de pré-noções raciais. Um ponto importante destacado pelos especialistas entrevistados para esta reportagem é a necessidade de se ter mais pessoas não-brancas nos bastidores das produções, pensando o produto televisivo. Rafael, do “Melodramáticos”, destaca:
“Deveríamos ter passado da fase de achar que apenas escalar a Taís Araújo como protagonista resolve tudo. É só lembrar que já faz mais de dez anos desde que ela viveu a tão falada Helena do Manoel Carlos e, desde então, pouquíssima coisa mudou, seja em quantidade ou em qualidade dos papéis para atores não-brancos”. Ele afirma que, para desenvolver personagens não-brancos complexos e bem construídos, é preciso que estas pessoas sejam inseridas nos processos de produção, direção e autoria.
“Representatividade não basta. A gente quer representação”, diz Victor Ramos. O pesquisador chama a atenção para uma diferença que deve ser observada, tanto pelos telespectadores quanto pelas equipes de dramaturgia. “A gente quer se ver na tela, e eles usam isso para dizer ‘olha, vamos colocar dois negros na novela’, mas, de 300 pessoas trabalhando na coxia, em cargos de decisão, nenhuma é não-branca. Eu acho que é preciso entender que representatividade não basta, a gente quer representação, política, principalmente. Em todas as esferas. Só a representatividade não é o suficiente para acabar com o problema. É necessário que um personagem negro esteja fora dos estereótipos, complexificado, que tenha uma história bem contada. E, para isso, tem que haver a escrita, ou, pelo menos, a colaboração de uma pessoa negra”.
Victor, ainda, considera que a entrada de grupos raciais diversos nestes espaços é mais eficiente do que simplesmente colocar um artista negro, indígena ou asiático na trama.
“Deveria ser uma política de transição obrigatória, uma política de cotas nas emissoras, nas empresas. Um modelo que eu acho muito interessante é o que a BBC usa em ‘Doctor Who’. Em cada episódio precisa ter pessoas não-brancas, porque lá também existe uma cobrança identitária em relação a outras raças e etnias. Eles verificam o número de falas, o tempo de tela. Tudo isso é muito estudado antes de o seriado ir ao ar. E eu acho que isso precisa acontecer no Brasil. Essa é uma luta que a gente precisa estar o tempo inteiro reafirmando”, declara, afirmando que, uma maior diversidade em todos os departamentos de uma empresa como a TV Globo se refletiria nas telas.
Além disso, segundo Rafael, essa inserção racial poderia auxiliar na resolução de uma série de outras problemáticas. A primeira é o “sistema” de revezar os mesmos poucos atores não-brancos ao invés de dar oportunidade para outros talentos. “É inquestionável o talento e a experiência de atores como Lázaro Ramos e Taís Araújo, mas é muito triste como a mídia parece os utilizar como token máximo de representatividade preta. Como se eles, por estarem ali, já fossem ‘o suficiente’. Imagino que seja até mesmo cansativo para os dois, sentir toda essa a pressão de ser ‘a voz’ da comunidade, os únicos ‘aprovados pelas marcas’”.
Esse quadro se tornou mais evidente com a polêmica em torno “Segundo Sol”, que se passava em Salvador, no entanto, quase todo o elenco era branco. “As desculpas que eles dão são sempre as mesmas. ‘Ah, a Giovanna Antonelli foi chamada porque a Taís Araújo e a Camila Pitanga não poderiam fazer a novela naquela época’. Como se só existissem essas duas atrizes negras. É uma desculpa muito esfarrapada, é querer tampar o sol com a peneira, na verdade”, alega Victor.
Aliás, essa não foi a primeira vez que a eterna Jade, de “O Clone” — a qual era uma personagem não-branca — se envolve em controvérsias do tipo. Em 2020, durante uma live no Instagram, Dani Suzuki revelou ter sido escalada para protagonizar a trama de “Sol Nascente” (2016), cujo pano de fundo era a imigração japonesa. Mas, durante a pré-produção, foi informada que a direção queria uma atriz mais nova para o papel, então, ela seria “remanejada” como irmã da protagonista. Por fim, Antonelli assumiu o posto, obrigando os autores Walther Negrão e Suzana Pires a alterarem parte da história — Alice seria filha adotiva de uma família asiática. Vale lembrar que este folhetim também apresentou um caso de yellowface, ou seja, um ator branco — Luís Mello — interpretando um oriental amarelo.
O segundo tópico é a escolha de atores brancos para interpretar papéis cujos perfis se assemelham à população não-branca quando esta ocupa lugar de destaque, como a costureira de escola de samba Paloma (Grazi Massafera), de “Bom Sucesso” (2019) — elogiada pela quantidade de atores negros na trama central —, ou a Família Tufão, de “Avenida Brasil” (2012).
“Infelizmente, as emissoras falam a língua dos patrocinadores e apostam no cavalo que está ganhando. Se a Globo tem o Walcyr Carrasco, porque se arriscar com um novo profissional, tendo um medalhão que sempre entrega números?”, Rafael indaga.
A esse respeito, Victor cita outro exemplo famoso. “Em ‘Senhora do Destino’, o perfil da Maria do Carmo, com certeza, é de uma mulher negra, não tem nem para onde correr, mas é colocada a Susana Vieira porque ela vai vender a novela, a Giovanna Antonelli, a Grazi, vão vender a novela, diferente de atrizes negras, justamente porque elas não têm a oportunidade de aparecer de forma constante, angariando público para que uma história se venda só pelos nomes delas”. O mestrando analisa que, hoje, Taís Araújo e Camila Pitanga são, provavelmente, as únicas que possuem “peso” para estrelar uma novela das 21h trazendo audiência. “E, mesmo assim, é um protagonismo dividido com atrizes brancas. Foi assim em ‘Cheias de Charme’, ‘Lado a Lado’, ‘Babilônia’ e ‘Amor de Mãe'”, relembra.
Também no âmbito de representações, Victor aponta a polêmica envolvendo esta última novela, escrita por Manuela Dias, na qual Marconi (Douglas Silva, um ator preto interpretando um criminoso mais uma vez) morre de forma gráfica e trágica, enquanto a cena em que Betina (vivida por Ísis Valverde, uma atriz branca com um longo histórico de mocinhas) é espancada pelo ex-marido é tratada com sensibilidade e cautela. “Essa situação escancara a necessidade de se ter pessoas não-brancas ao redor dos autores e diretores para serem como leitores-sensíveis, ou seja, para indicar onde está a fragilidade de uma cena em relação às pautas sociais”.
Para o cineasta Clementino Júnior, pessoas negras, indígenas e asiáticas precisam, aos poucos, ocupar cargos de decisão, entrando em equipes de roteiro e direção. Assim, elas serão uma voz nas discussões sobre o preparo das narrativas, mas sabendo que estarão a serviço de um mercado estabelecido.
“Há a necessidade urgente de estarmos, também, em posição de decidir a formação dessas equipes para que, mesmo as pessoas brancas presentes tenham um mínimo letramento racial”, explica Clementino Júnior.
Os três concordam que a maior presença não-branca em posições de liderança atrás das câmeras é o caminho para corrigir a disparidade entre estes profissionais e pessoas brancas, e, por consequência, a representação de grupos minorizados, além de criar um mercado ativo e constante para as próximas gerações.
“Eu não tinha referências, nos anos 70 e 80, de cineastas negros; já existia Zózimo [Bulbul] e tal, mas não era algo acessível para mim”, relembra o diretor, que passou a se identificar com Spike Lee após assistir, em 1988, “Faça a Coisa Certa”. O diretor americano se tornou um modelo para o brasileiro por mostrar que era possível ser um realizador negro.
No entanto, Clementino adverte que a simples figuração nos bastidores não resolverá todos os problemas por si só.
“Alienação e auto ódio são armadilhas presentes no audiovisual também; um discurso meritocrático faz com que muitas pessoas pretas bem sucedidas, com bons postos de roteiro, produção, direção, podem, eventualmente, ser alienadas em relação ao racismo, à história do seu povo e até da própria família, e, com isso, acabam reproduzindo os mesmos problemas, sem abrir discussões acerca de abordagens equivocadas, pois acham que somente o fato de estarem ali já é um grande passo dentro do quadro atual”, salienta.
Na visão do realizador, a oportunização de trabalho para profissionais e ensino para pessoas não-brancas é um ponto de partida para uma possível mudança de estrutura mercadológica no futuro, porém, muito mais precisa ser feito para que essas medidas sejam efetivas na prática, pelo menos, a médio prazo.
“É necessário um olhar por parte de empresários brancos e a presença maior de empreendimentos não-brancos no setor audiovisual, já trazendo um olhar sobre qualquer assunto, uma outra forma de ver temas nos quais, normalmente, não somos representados”.
Afroflix e Todesplay
A internet vem criando alternativas próprias para canalizar produções de realizadores não-brancos. A Afroflix é uma plataforma colaborativa que disponibiliza conteúdos audiovisuais online com a condição de que as produções devem contar com, pelo menos, uma área, técnica ou artística, assinada por uma pessoa negra.
Além dela, há ainda a Todesplay, um serviço de streaming com proposta similar, mas que também pensa na formação de uma economia, ofertando narrativas identitárias como produtos de valor.
“Um exemplo muito importante é o cinema negro, porque são pessoas que passaram pela universidade, perceberam determinadas lacunas e preenchem esses vazios, não entrando nesse sistema, mas criando um novo. Apesar de a gente ainda não ter o poder para competir com essas narrativas dominantes, a gente consegue ir furando essas bolhas aos poucos”, Victor pondera.
“Acho que esse é o caminho também. As pessoas negras, LGBT’S, pessoas que não são representadas conseguirem uma forma de abrir espaços”, completa.
METODOLOGIA:
A ideia de produzir esta reportagem sobre como a ausência de atores, autores e diretores não-brancos afeta a representatividade nas novelas brasileiras surgiu tanto a partir de uma análise pessoal, quanto de uma análise coletiva por meio da observação de apontamentos feitos na internet por usuários de redes sociais e veículos de imprensa.
Dessa forma, para comprovar a hipótese central proposta pela pauta, foi necessário montar uma base de dados sobre o tema. Para isso, pesquisei informações sobre as equipes e tramas das novelas exibidas pela Rede Globo nos últimos 56 anos, buscando a quantidade de pessoas negras, indígenas e asiáticas envolvidas nestas produções.
Nesta fase, as principais fontes de pesquisa foram os sites Memória Globo — um almanaque virtual da emissora — e Teledramaturgia, do escritor e pesquisador Nilson Xavier, uma das principais referências no gênero telenovela no Brasil, que mantém uma espécie de inventário online de folhetins brasileiros.
Para apurar as informações encontradas, foi preciso procurar fotos e biografias de cada nome presente na planilha. Essa foi a parte mais difícil da pré-produção da reportagem, em especial, tratando-se das novelas mais antigas, pré-1970 — quando tudo ainda era feito de maneira quase amadora/artesanal/incipiente — devido à escassez de material.
Essa falta de referências se deve a três fatores: muitos dos que trabalharam nos primeiros anos de transmissões não eram profissionais e não seguindo nas profissões; durante a década de 60, a maioria dos programas era feita ao vivo e os poucos videotapes eram reutilizados por serem caros; e os incêndios que destruíram diversos elementos armazenados.
Isso exigiu uma busca mais ampla, durante a qual cheguei a dois novos endereços. O primeiro foi o site Museu da TV, onde achei perfis mais detalhados acerca de pessoas que participaram do início da televisão em território nacional e, hoje, são desconhecidas. E o segundo foi o blog Elenco Brasileiro, que tem uma concepção bem parecida.
Em seguida, com a pesquisa completa, pude analisar os números colocados na base de dados e, a partir disso, originar outras planilhas com os componentes que interessavam à reportagem para preparar a visualização de dados no Flourish, pensando sempre em como facilitar a compreensão das informações contidas na planilha.
Reportagem especial, análise de dados e visualização por Daniel Deroza, para a disciplina de Jornalismo de Dados (2021.1), ministrada pela professora Daniela Oliveira.
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