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O surdo no mundo da música

Segundo especialistas, a comunidade surda é uma grande consumidora de música e "escutam" ela de diferentes formas.

Alguma vez você já se perguntou para quem a música é feita? Segundo especialistas ligados a cultura surda, existem diversas formas de se “ouvir”. A música e os ouvidos são apenas algumas delas. O consumo da música na comunidade surda está em alta desde a pandemia e fez com que a acessibilidade da LIBRAS em shows e festivais ganhasse mais espaço no país. 

O tema gera muitas dúvidas para a população, por exemplo, em como os surdos consomem um produto feito para ser “ouvido”. Isso fez com que os maiores festivais de música POP, que acontecem no Brasil, dessem palco, não apenas, para grandes músicos internacionais, mas também para a inclusão de pessoas surdas nos eventos musicais.  

Lucila, doutora em psicologia pela UFF e psicóloga bilíngue do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), de 37 anos, afirma que os ouvintes possuem uma referência de mundo a partir do som e que “cada pessoa surda se conecta com a música de uma forma diferente”.

 

“A gente acaba aprendendo a ouvir a música só com o ouvido, enquanto as pessoas surdas ‘ouvem’ a música de várias maneiras”, afirma Lucila, a psicóloga do INES.

Surdos oralizados, que usam implante coclear, aparelho auditivo e que são sinalizantes integram a grande diversidade oriunda da comunidade surda. Para o Leonardo Castilho, surdo multiartista e tradutor intérprete de LIBRAS, comenta que existem diversas formas de se “ouvir” a música, além da estratégia usada para ver as ondas sonoras pelo computador, o surdo sente a música através do seu corpo, no qual sente todas as vibrações e ritmos da música caminharem pelos seus membros.

Léo Castilho interpretando no Palco Sunset, no Rock in Rio. FOTO: Reprodução/O Globo

“A sociedade vê a questão da pessoa com deficiência como um problema exclusivo dela, e que ela precisa alcançar o padrão de normalidade imposto pelas pessoas”, a psicóloga conta que a sociedade está acostumada a olhar para o deficiente a partir de uma perspectiva médica e de um olhar de reabilitação. 

A perspectiva a ser analisada, segundo Lucila, precisa ser diferente, no qual a deficiência não está na pessoa, mas sim na sociedade que não está adaptada para receber corpos diferentes. Nessa perspectiva, a Lei Brasileira de Inclusão dá direito a pessoa com deficiência à cultura, ao turismo e ao lazer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo-lhe garantido o acesso a bens culturais em formato acessível. 

De acordo com Castilho, artista e tradutor de LIBRAS, ter a inclusão de intérpretes em shows proporciona a acessibilidade para os surdos, que entendem o significado da música. 

“Eu tenho um amigo surdo que é muito fã do Guns N’ Rose e é muito importante ter acessibilidade nas músicas, para que a barreira da comunicação seja quebrada na mente do surdo e ele possa entender a letra”, discorre o músico Leonardo Castilho.

Já para a Nayuda, tradutora intérprete de LIBRAS, surda, mãe, negra e bissexual, a importância de um show ou festival oferecer a acessibilidade é essencial para que o surdo se sinta incluso no mundo da música, pois sem a LIBRAS os surdos se sentem perdidos. 

“Para mim é fundamental ter acessibilidade em libras em shows e festivais, porque nós, surdos, nos sentimos incluídos, respeitados e valorizados no mundo musical”, alega a tradutora intérprete de LIBRAS.  

Nayuda, nome artístico de Nayara Rodrigues, conta que já se sentiu excluída por não ter intérpretes nos shows em que ela frequentava. A tradutora diz que via os ouvintes felizes nos shows, e pensava: “Eu quero sorrir com eles, dançar igual a eles, por isso eu acho que é importante incluir os surdos na música também”. 

Entenda qual é a importância de ter um profissional intérprete qualificado para a área musical 

Gabriel Isaac, digital influencer surdo e tradutor intérprete de LIBRAS, é conhecido por interpretar em shows, como o Rock In Rio, e já possui mais de 100 mil seguidores nas redes sociais. O influenciador conta que para ser intérprete é preciso muita dedicação e estudo da língua.

Gabriel Isaac no palco do Rock In Rio interpretando durante o show da Glória Groove. (FOTO: Reprodução Instagram/Gabriel Isaac)

“A LIBRAS não é a mesma coisa que o português, nós temos uma outra língua e precisamos entender que a interpretação precisa ser adaptada de forma que as pessoas surdas entendam de forma clara”, relata o intérprete e influenciador.

Gabriel compara que, quando um cantor com pouca habilidade é chamado para se apresentar em um show, o público se sente incomodado, o mesmo acontece quando colocam um intérprete sem conhecimento na área. De acordo com o influenciador, “quando colocam um intérprete sem conhecimento em um palco machuca nossas vistas, a gente não entende a LIBRAS usada pela aquela pessoa, é uma falta de respeito. Os profissionais precisam ter consciência para trabalhar nessa área”. 

Nayuda sente que hoje há poucos profissionais qualificados no mercado da interpretação musical, e conta que “existem muitos intérpretes, porém, poucos são especializados na área da música”. A tradutora conta, ainda, que para ser um bom profissional, não precisa apenas saber LIBRAS, é preciso usar o seu corpo para transmitir o que a música está querendo dizer.

“Um intérprete não pode interpretar uma música sem emoção, de forma robótica. Se for assim, eu nem pago para assistir, porém, se o intérprete tiver uma boa expressão corporal e facial, na qual ele consiga transmitir a música com clareza, nesse caso eu pagaria”, informa a tradutora.

Entretanto, um bom intérprete, de acordo com Léo, surdo que também foi convidado para trabalhar como intérprete na última edição do Rock In Rio e do Lollapaloza, explica que é necessário manter um bom vínculo de intimidade com a comunidade surda. “Para mim, faltam intérpretes que tenham mais intimidade com a comunidade surda, mesmo que ele saiba LIBRAS, é preciso conviver com os surdos”, explica. 

Fernanda Rodrigues, pedagoga especializada em educação especial e tradutora intérprete de LIBRAS, relata que a desculpa da indústria musical em não oferecer acessibilidade em LIBRAS se dá ao fato de não ter surdos que consomem aquele produto, mas que na verdade o surdo nunca foi visto como um consumidor.

“Às vezes pensamos que os surdos não são um público-alvo por eles não estarem ali, mas eles não ocupavam o lugar de consumidores musicais porque eles nunca tiveram acesso a um produto acessível”, declara Fernanda, pedagoga e tradutora de LIBRAS.

Fernanda Rodrigues interpretando no palco da Virada Cultural de São Paulo. (FOTO: Reprodução Instagram/Fernanda)

Para a intérprete, é importante ter acessibilidade em LIBRAS em shows e festivais, porque é preciso entender que os surdos podem estar nos lugares onde eles quiserem estar “e onde eles pisarem a acessibilidade precisa acontecer, visto que é um direito assegurado por lei”. 

Foto de capa: Alexandre Cassiano/Reprodução O Globo

Reportagem de Thiago Eiras, com edição de texto de Larissa Martins

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