Entrevistas Moda

Por que, apesar dos avanços, a moda masculina ainda parece tão limitada?

Para entender a formação da indumentária dos homens, a Agência UVA entrevistou o professor de História da Moda Flávio Bragança.

Embora hoje em dia o vestuário masculino ainda seja associado a modelos sóbrios e pouco variados — apesar dos movimentos contemporâneos para quebrar esse paradigma —, nem sempre foi assim. Até a Revolução Francesa, os homens utilizavam muitas cores e brocados, porém, após esse período, alguns valores foram adotados a fim de homogeneizar a indumentária masculinas, diferente da moda feminina, que, mesmo afetada por esse fenômeno, conseguiu explorar diversas influências.

Exemplo disso é o fato de os moldes das vestimentas formais de um homem do século XIX se mostrarem presentes na atualidade — como os ternos, smokings, sapatos sociais, gravatas. A fim de entender o histórico e as limitações da indumentária masculina, a Agência UVA conversou com o professor de História da Moda Flávio Bragança sobre a relação entre o homem e a moda.

Segundo o acadêmico, a percepção de a moda masculina ser mais careta está muito ligada à imagem do homem conservador; por volta dos anos 60, essa seara deu um grande salto à frente, e, hoje, é possível encontrar tanto designers como Ricardo Almeida — que faz ternos alinhados —, quanto outros como João Pimenta — que incorpora saias ao vestuário dos homens.

Além disso, Flávio diz que tais quebras de padrão não deveriam causar estranhamento no público, afinal, nomes como o astro pop Prince já usavam peças inovadoras, e fisiculturistas — os quais não eram, necessariamente, celebridades — cortavam camisas college como croppeds para mostrar os braços e o abdômen, mesmo em um ambiente muito heteronormativo.

O pesquisador, ainda, lembra que essas intersecções e mesclas não são uma novidade; a própria moda agênero — antes chamada unissex, ou seja, sem gênero definido — evoluiu ao longo de uma década, abandonando as modelagens mais largas feitas para se encaixarem tanto em mulheres quanto em homens. “Quando pegamos um paletozinho cropped da Mugler, ‘para menino usar’, você não está anulando o gênero; a intenção é borrar”, ele esclarece.

Aliás, Flávio destaca um “atraso” no desenvolvimento do vestuário dos homens em relação à feminina. “Desde o início do século XX, as mulheres pegaram elementos da moda masculina, mas o inverso não aconteceu. Somente depois dos anos 60 ou 70; David Bowie é um exemplo”, enfatiza o professor.

Confira a seguir a entrevista completa com Flávio Bragança.

Sabendo que moda se trata de identidade e expressão, e não puramente de vestuário, você acha que esse preconceito relacionado a exploração do estilo do homem, pode prejudicar até mesmo a autoestima?

É, a moda masculina convencional é limitadora, mas, na minha opinião, sempre que se impõe limites, existem pessoas para quebrá-los; é a vida. Se isso te afeta, você tenta romper. Vejo de forma geracional. Essa geração de meninos é muito mais ousada, querendo arrombar portas; eu mesmo já manifestei preocupação com alunos meus, tipo, “meu deus, ele vai pegar trem assim?!”. Mas olha quantas coisas já se usaram em 2000 anos! Achar que o que se usa hoje é lei e não pode mudar é uma ignorância.

Tem alguma peça que você acha que ainda é um tabu muito grande?

A saia causa certo impacto, mas já tem muitas décadas de pessoas colocando saias; de certa maneira, você pode associar a uma roupa da Escócia, por exemplo, mas um vestido ainda causa muito estranhamento. A saia pode ser acompanhada com calça por baixo, mas o vestido, peça inteira, em um menino causa um estranhamento. O que é engraçado porque, antigamente, usava-se túnicas que lembram o vestido, e, ainda, tem o carnaval; agora isso é até criticado, “por que você usa saia/vestido no carnaval e não usa o ano todo?”, mas é importante falar dessa permissão que o carnaval dá.

A moda masculina é bem influenciada pelo esporte (camisas polo, camisas de futebol), você acha que o esporte ajuda a limitar a moda pros homens?

As pessoas é que limitam, porque você não está usando isso de forma criativa, é uma limitação fashion. Mas não acho que isso seja culpa do sport wear, porque tem marcas que já usaram isso de outra forma. Por exemplo, a marca Y-3, do estilista japonês Yamamoto com a Adidas, tem o casamento do design de moda com o esporte, o que é incrível. Você não precisa gostar de esporte, mas vai gostar da roupa.

Você acha que algum dia vai ter uma peça que substitua a regra formal do paletó?

Eu vou torcer para não ter um substituto, para as pessoas não ficarem presas, vou torcer para mudar. Acho que o problema não é o paletó, porque tem marcas mais fashion, que vão se preocupar pela praticidade da bainha, quais as cores são mais instigantes, esses elementos do âmbito da moda, que você pode brincar. Acho importante pontuar sobre a alfaiataria, que o corte e a construção da roupa é interessante, mas você não precisa ser limitado a isso.

“Certa vez, em um seminário, propus um modelo de paletó mais justinho e fui criticado; disseram ser algo caipira, mas ele era super elegante. Usar alfaiataria sem meia seria um sacrilégio”, Flávio relata sobre a experiência de propor novos visuais. 

E, para finalizar, o professor afirma que faltam influenciadores masculinos no Brasil; de acordo com Flávio, muito dessa influência vem dos jogadores de futebol. No entanto, na maioria das vezes, essa questão não é somente fashion, mas social, já que a exploração da moda masculina é, majoritariamente, vista com olhos homofóbicos, portanto, a discussão se torna mais pessoal e profunda.

Foto de Capa: Pexels

Reportagem de Camila Teixeira, edição de texto por Daniel Deroza

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