A combinação arroz-e-feijão é uma das mais conhecidas quando se fala de Brasil. No entanto, quatro em cada dez famílias brasileiras não têm acesso pleno à alimentação básica, isto é, não conseguem consumir nem mesmo os itens mais tradicionais da cultura alimentar brasileira.
Alguns dos motivos disso são o desemprego, a pandemia e a alta no preço dos alimentos. Porém, tal situação é, também, o agravamento de uma realidade presente há tempos na história do país – embora a alimentação tenha se tornado um direito constitucional, previsto no artigo 6º, em 2010.
Segundo os resultados da pesquisa Vigisan sobre o consumo alimentar no país, 40% das famílias reduziram a aquisição de feijão, arroz, carne, vegetais e frutas em 2021 e 2022.

Outro problema é que, enquanto isso, os alimentos ultraprocessados – ricos em gordura e açúcar – se tornaram uma opção mais acessível para as famílias de baixa renda devido à falta de acesso a alimentos in natura ou minimamente processados.
Ainda, de acordo com o IBGE, a insegurança alimentar pode ser classificada como Leve, Moderada e Grave. A fim de compreender melhor esse cenário e como ele afeta os brasileiros, a Agência UVA conversou com a professora, doutora em Saúde Pública Coletiva, Gláucia Figueiredo sobre os impactos desse fenômeno que atinge mais de 60 milhões de brasileiros atualmente.
Confira a entrevista completa a seguir.
Agência Uva: Como se define o conceito de insegurança alimentar?
Gláucia Figueiredo: Sobre a Insegurança Alimentar, o termo mais adequado hoje seria “Insegurança Alimentar e Nutricional” (IAN), que, no Brasil, compreende-se como a falta de acesso a uma alimentação adequada, condicionada, predominantemente, às questões de renda. Esse termo seria o oposto da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), definida como a realização do direito de todos os cidadãos ao acesso a alimentos de maneira regular e saudável, de modo que a garantia desse direito não afete as demais necessidades essenciais, respeitando a diversidade cultural e que seja sustentável do ponto de vista ambiental, econômico e social.
Para mensuração da IAN no Brasil, foi criada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). Trata-se de um questionário que investiga situações de privações e instabilidade de acesso aos alimentos, do ponto de vista qualitativo e quantitativo. A experiência de “passar fome” ou incertezas se haverá alimentos nos próximos dias são questionados na EBIA.
AUVA: Quais as causas e as consequências desse fenômeno?
GF: As causas da IAN são diversas, desde a maneira com a qual produzimos alimentos, o agronegócio, até as relações de trabalho, decisões políticas e crises mundiais. Já as consequências é o que estamos vendo nos dias de hoje, preços elevados dos alimentos, pessoas sem a certeza do alimento na mesa ou mesmo em situações de extrema pobreza e miséria.
AUVA: Levando em conta a alta dos preços dos alimentos e o empobrecimento das famílias, você acredita que esse cenário faz com que a população de baixa renda substitua certos alimentos in natura por produtos ultraprocessados, já que esses itens tendem a ser os mais baratos? Se sim, de que forma esse consumo prejudica a saúde do indivíduo?
GF: Essa pergunta explica, inclusive, o motivo da inclusão da palavra “nutricional” na IAN. Sim, são mais baratos e menos nutritivos, logo, “matam a fome”, mas não garantem a nutrição. A longo prazo, prejudicam, sim, a saúde dos indivíduos, e podemos, inclusive, identificar a presença de obesidade associada com a desnutrição por falta de micronutrientes em um mesmo indivíduo.
A fome não é apenas de calorias, mas de nutrientes. Não adianta comer qualquer alimento se ele não está efetivamente nutrindo o indivíduo. Por isso, a preocupação com a oferta dos alimentos ultraprocessados no cenário da IAN.
AUVA: E qual o impacto da falta de acesso a alimentos saudáveis na saúde das famílias de baixa renda?
GF: Principalmente, impactos relacionados à desnutrição e suas fases de agravamento crônico como anemia, hipovitaminoses, e crescimento e ganho de peso inadequado entre crianças e adolescentes.
AUVA: Como reverter a insegurança alimentar no contexto brasileiro?
GF: Acredito que, principalmente, através das escolhas políticas que fazemos. Desde a forma como produzimos os alimentos até a sustentabilidade para as gerações futuras. A IAN está associada a fatores sociais, como escolaridade, renda, raça, portanto, as mudanças devem ser estruturais, em todas as esferas da sociedade.
Foto de Capa: Reprodução/Agência Brasil
Reportagem: Mayani Caldas, com edição de Daniel Deroza
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