Por Victoria Muzi
Imagine a seguinte situação: você entra em uma livraria para comprar aquele livro que tanto deseja. Você o pega, observa a capa, folheia-o, sente o cheiro das páginas recém impressas. Quando olha a etiqueta com o preço, devolve o livro à estante. O preço assusta. Essa é uma realidade para milhares de leitores, que precisam recorrer a outras alternativas para continuar com seus hábitos de leitura.
É o caso de Maya Fernandes, 27 anos, formada em Publicidade e leitora assídua. Ela tem uma relação diferente com os livros. “O livro é toda a minha história”, relata. Seu elo com a leitura vem desde pequena, quando sua mãe, nordestina, contava muitas histórias durante sua infância. Mas hoje em dia, é difícil ter acesso aos livros físicos. Maya explica o porquê: “Nunca tive como prioridade ter livros em casa, devido à situação financeira e ao número de pessoas. Contava sempre com pirataria, biblioteca da escola, livros emprestados e, por fim, quando consegui meu primeiro emprego, realizei o sonho de ir ao sebo”.
E não é só Maya que prefere as versões físicas dos livros. Dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Pró-livro em 2020 apontam que 88% dos pesquisados baixam livros gratuitamente pela internet. Entretanto, esse não é o formato preferido de leitura. No mesmo levantamento, 70% afirmaram que preferem ler livros em papel. Mas parece que esse número pode diminuir, devido às taxações nos preços dos livros. Em agosto do mesmo ano, o Ministro da Economia Paulo Guedes determinou uma tributação de 12% na venda final dos livros no país.
Isso é explicado na prática. Vanderson Laurentino, coordenador da livraria Leitura, situada na Rua do Ouvidor no Centro da cidade do Rio de Janeiro, explica a divisão que o mercado faz entre os livros físicos e os e-books. Segundo o coordenador, há resistência dos livros impressos quando comparados às edições digitais. Ele afirma que, mesmo com as crises financeiras, o aumento do preço do papel e a taxação de livros – ainda em debate -, as edições literárias físicas vão continuar.

(Foto: Divulgação/Livraria Leitura)
Até para aqueles que trabalham com os livros, a compra está difícil. Letícia Francisco, estudante de Letras, é influenciadora digital de livros. Criadora do perfil Leitura por Prazer no Instagram, ela faz resenha dos livros, mostra suas leituras atuais e sua rotina literária no dia a dia. “Foi a partir de 2020 que comecei a consumir cada vez mais livros, pois foi nesse ano em que criei meu Instagram voltado para a literatura”. Por ter um perfil destinado inteiramente ao mundo literário, a resenhista conta as dificuldades que encontra para ter acesso aos livros. Ela acrescenta que, mesmo em datas específicas, como Black Friday e Semana do Consumidor, a diferença no preço nem é percebida, pois os descontos são mínimos.

(Foto: Reprodução/@leit.uraporprazer no Instagram)
A diferença nos preços de obras físicas e digitais pode ser exemplificada por números. Um levantamento feito com 90 livros vendidos na Amazon entre 2019 e 2020 apontam que os livros físicos e os digitais têm uma diferença de 27% de preço nas edições virtuais. Porém, mesmo com o avanço tecnológico e a procura maior por ebooks, as maiores vendas continuam a ser de obras físicas. Ainda assim, a presença no meio digital é um fator importante para a venda dos livros. Vanderson explica que é essencial se fazer presente nas redes sociais e no comércio online, para alcançar o público onde quer que ele esteja. “A pandemia veio para intensificar esse processo”, comenta o coordenador.

(Foto: Reprodução/@livrarialeitura no Tiktok)
Livros e a polêmica da tributação
Para entender o porquê do aumento no preço dos livros, Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro, explica como o projeto de lei que determina a taxação dos livros terá impacto em toda a cadeia literária, caso seja aprovado. Para autores, editores, distribuidores, livrarias e consumidores, haverá consequências em suas vendas e consumo. “Em um Brasil ainda carente de leitura, no qual o consumo de livros inteiros foi de 2,5 por habitante em 2019, a suspensão da imunidade tributária levaria a um aumento de 20% no preço final do produto”.
A imunidade tributária sobre os livros foi criada em 1946 pelo então escritor e deputado Jorge Amado, com o objetivo de democratizar a leitura e trazer menos custos às produções literárias. Em 2004, a lei 10.865 determinou alíquota zero nas contribuições e vendas literárias, sob a justificativa de a literatura ser “meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de vida”. Porém, na contramão deste movimento da democratização da leitura, o ministro da Economia impôs a tributação de 12% no produto final da venda das obras impressas. Os únicos países da América Latina a terem livros tributados são o Chile e a Guatemala.
“Após anos e anos de luta, o livro tornou-se, finalmente, um produto democrático, consumido por cidadãos de todas as idades, etnias, gêneros e classes sociais. Longe de ser uma commodity como qualquer outra, ele é um difusor da cultura, do conhecimento, do saber. A democracia, a liberdade e a inclusão social passam necessariamente pelo amplo acesso à leitura. Não podemos regredir”, comenta Vitor Tavares.
A leitura é um dos pilares para o acesso à cultura no Brasil. A Câmara Brasileira do Livro, existente desde 1946, tem por meta apoiar a criação e reforma de bibliotecas públicas e privadas nos âmbitos nacional, estadual e municipal, além de democratizar a leitura a partir da facilidade de acesso aos livros e do apoio ao desenvolvimento do mercado editorial brasileiro. “A CBL atua fortemente para manter sua representatividade política perante o Governo Federal e junto ao Congresso Nacional nas áreas do livro e da leitura, com o objetivo de ampliar a influência do setor nas decisões que dizem respeito ao livro”, mostra o site oficial da instituição.
E não apenas a CBL exerce influência no consumo de livros. Como influenciadora digital, Letícia explica o sentimento quando está lendo um livro. Ela conta que é de suma importância a existência de pessoas que defendem o livro, porque estes trazem conhecimento, mas não apenas isso. “Quando leio eu esqueço do mundo ao redor, esqueço de meus problemas e entro para um novo universo”, relata a influencer.
Não apenas ela defende o livro. Mais de um milhão de pessoas já assinaram a petição #Defendaolivro, para derrubar a proposta feita pelo ministro Paulo Guedes. Ainda em 2020, a CBL publicou um manifesto em defesa do livro, em parceria com Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais, a Abrelivros, e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Em publicação, as entidades afirmam:
“As instituições ligadas ao livro estão plenamente conscientes da necessidade de reforma e simplificação tributária no Brasil. Mas não será com a elevação do preço dos livros – inevitável diante da tributação inexistente até hoje – que se resolverá a questão. Menos livros em circulação significa mais elitismo no conhecimento”.
Vitor comenta sobre o acesso aos livros ser limitado aos menos favorecidos. Ele conta que o reflexo dessa tributação cairia sobre as classes C, D e E, que representam 70 milhões de leitores em todo território nacional. O possível aumento desse custo dificultaria o acesso à cultura e ao conhecimento pela parte mais pobre da população brasileira.
O presidente da CBL ainda comenta sobre as consequências da pirataria literária e o quanto isso pode afetar o mercado editorial brasileiro. “A pirataria ameaça o trabalho dessas pessoas. Proteger a produção intelectual vai além de certificar a autoria ou a titularidade de uma obra, ela representa a valorização do trabalho do autor. Ali está o trabalho de alguém, que muitas vezes consome décadas de estudo e dedicação, e que é remunerado por meio do pagamento de direitos autorais. Ao longo do processo há diversos profissionais que se dedicam para a produção de uma obra”, afirma Vitor.
Este é ainda um assunto que irá render muitas páginas de livro. O texto do Projeto de Lei que implementa a taxação dos livros (PL 3887/20) ainda está em análise na Câmara dos Deputados. “O mais importante, porém, é defender a manutenção da situação tributária para o livro, que hoje prevê a imunidade total de impostos e não incluiu qualquer tributo, incluindo taxas e contribuições”, finaliza o presidente da CBL.
Leia mais, gaste menos
A leitura traz conhecimento e entretenimento, mas ter acesso é uma das dificuldades enfrentadas por leitores. Para economizar na hora das compras, aqui vão algumas dicas:
- Procure por liquidações e cupons de desconto
Muitas livrarias, ao longo do ano, promovem grandes vendas de livros com preços abaixo do comercializado normalmente. Comprar em datas especiais, como Black Friday, Semana do Consumidor e feiras literárias auxilia na aquisição de obras impressas, além da economia em livros novos.
- Livrarias online e programas de fidelidade
O mundo está digital. Com isso, muitas empresas de e-commerce optaram por vender online, sobretudo durante a pandemia. Os preços dos livros em lojas virtuais como Amazon, Saraiva e Livraria Leitura costumam ser reduzidos, se comparados às vendas presenciais. Além disso, editoras criaram programas de fidelidade, como o Clube Intrínsecos, da editora Intrínseca ou o TAG Experiências Literárias, criado pelo clube de leitores TAG Livros.
- Bibliotecas públicas e salas de leitura
Algumas cidades dispõem de bibliotecas públicas de fácil acesso à população. Veja se o livro desejado está disponível no acervo, assim não será preciso adquiri-lo. As salas de leitura também disponibilizam livros, o que facilita o acesso aos livros.
- Trocas e compras de segunda mão: viés de economia dos leitores
Há diversos grupos nas redes sociais de venda e troca de livros usados. É possível pesquisar grupos no Facebook nos quais leitores publicam sobre seus livros e trocam por outros. Há também os sebos, locais onde são vendidos livros mais antigos — e exemplares recentes, também — por preços populares. A economia é maior, e a quantidade de livros adquiridos também é aumentada.
Reportagem realizada por Victoria Muzi para a disciplina Apuração, Pesquisa e Checagem, ministrada pela professora Maristela Fittipaldi
LEIA TAMBÉM: Proposta de taxação de livros causa revolta nas redes sociais
LEIA TAMBÉM: Blogs literários, um novo caminho para incentivar a literatura
Muito boa sua matéria, principalmente por ser vista pela pespectiva daquele que incluí os que realmente não podem comprar
Achei uma matéria extremamente necessária, um acontecido do nosso cotidiano realmente triste… é bom termos a visão sobre isso, principalmente para tentar ajudar a outras pessoas, com doações de livros por exemplo.
Parabéns Vitória !!! Muito real e verdadeira a matéria escrita por você !!!👏👏👏A lei que implementa a taxação dos livros não pode passar !!!😘😘😘😘
Excelente matéria, parabéns Victoria!
Um texto muito gostoso de ler, com informações preciosas e em defesa daqueles que gostam/ precisam ler e pesquisar.
Muito sucesso, menina!