Da sala de aula

Micro lixo é um pequeno grande problema

Bituca de cigarro, embalagem de pirulito ou um palito de dente afetam ecossistemas e seres humanos. Pesquisadores, ONGs e governos buscam soluções para evitar o descarte irregular

Um pequeno grande problema vem se tornando uma ameaça cada vez mais grave à vida humana e animal: o micro lixo. O descarte irregular desse material passa despercebido pela coleta convencional de lixo das cidades e acaba indo aos corpos hídricos, causando a poluição dos mares, mortes de animais e infertilidade nos seres humanos.

Ainda não há um consenso de definição de tamanho para a caracterização de micro lixo, mas seus protagonistas são bem conhecidos: bituca de cigarro, isopor, papel, plástico, pedaço de madeira, embalagem de bala e pirulito — tudo que é pequeno o suficiente com potencial para causar perigo para os mares e os animais.

Mesmo os materiais maiores têm potencial de virar pequenos resíduos conforme se degradam. De acordo com relatório divulgado, em 2020, pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), os brasileiros descartam cerca de 79 milhões de toneladas de lixo por ano, e apenas 4% é reciclado. Assim, todo esse lixo pode se transformar em algo menor.

Um fumante descarta cerca de 7,7 bitucas de cigarro por dia, acumulando por volta de 12,3 bilhões descartadas diariamente (Foto: Levy Estevam)

Para quem trabalha nas praias, os pequenos detalhes chamam a atenção. O professor de surfe Thalyson Lopes, de 30 anos, destaca que o serviço de coleta de lixo só faz a retirada dos lixos grandes na Praia do Forte, em Cabo Frio. “A varredura que a prefeitura realiza na Praia do Forte só coleta o lixo grande, mas o pequeno continua na praia. Esse lixo fica escondido na areia e é pego pelas ondas do mar quando tem ressaca ou maré de lua. No mar também encontramos muito lixo, como copo plástico, saco de biscoito e embalagem de pirulito”, relata.

Muitos desses resíduos sólidos demoram séculos para se decompor. O plástico e o isopor, por exemplo, duram cerca de 400 anos na natureza, independentemente do seu tamanho. Mesmo lixos que se degradam mais facilmente têm tempo de vida suficiente para matar aves e peixes e afetar os seres humanos. O papel demora por volta de 3 a 6 meses, bituca de cigarro, cerca de 2 a 5 anos, madeira pintada, 13 anos.

Nas praias, o lixo é muito prejudicial à vida desses animais, como destaca o professor e pesquisador da Universidade Veiga de Almeida (UVA) de Cabo Frio, Eduardo Pimenta. “Diversos organismos, desde tartarugas, aves e peixes, confundem o micro lixo com alimento e acabam vindo a óbito. Isso é comprovado em larga escala. Outra questão é que esses lixos se degradam virando micro plásticos, que são incorporados aos organismos, trazendo muitos problemas”, comenta.

A poluição por micro plástico é um problema mundial devido a sua alta versatilidade na indústria. Isso se comprova, visto que a produção de plástico no planeta pode dobrar até 2025, sendo que a cada ano são produzidos 400 milhões de toneladas de plásticos pelo mundo. O Brasil ocupa o quarto lugar do ranking dos maiores produtores de lixo plástico, segundo um estudo da World Wildlife Fund (WWF), com cerca de 11,3 milhões de toneladas de lixo plástico produzidos por ano.

O plástico descartado impropriamente pode durar cerca de 400 anos na natureza
(Foto: Catherine Sheila/Pexels)

Não só o meio ambiente é afetado pelo micro plástico, os seres humanos também. Os plásticos que têm a substância ftalato de dietila (DEHP), que deixa o material mais flexível, podem causar problema de fertilidade em homens e mulheres, como aponta pesquisa publicada pela revista PloS Genetics, uma vez que pode danificar partes do DNA durante o período de ovulação. A fabricação dessa substância está em torno de 4 milhões de toneladas por ano, usadas na confecção, principalmente, de embalagens.

Esses materiais são descartados nas ruas e seguem para as redes de esgoto da Prolagos, por exemplo, que atende os municípios de Arraial do Cabo, Armação dos Búzios, Iguaba Grande, Cabo Frio e São Pedro da Aldeia. A concessionária utiliza o sistema de coleta a tempo seco, isto é, o esgoto corre pelas redes pluviais de drenagem da cidade também em épocas de pouca chuva.

Todo o resíduo é direcionado para as Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), que separam o material líquido dos sólidos por meio de diversos filtros com diferentes gradientes. Esse lixo pode provocar o entupimento das redes pluviais e dos gradientes, necessitando de limpeza mecânica.

Funcionário realiza coleta do esgoto para análise na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Iguaba Grande, na Região dos Lagos (Foto: Levy Estevam)

Malcom Bispo, coordenador de Operações de Esgoto da Prolagos, explica que o micro lixo que passa pela etapa de filtragem pode ser retirado no processo de tratamento do esgoto. “O material muito pequeno pode ser removido quando se sedimenta ou flota, ou seja, quando o material sobe para a superfície. A partir disso, acontece a remoção junto com o lodo proveniente do tratamento de esgoto”, acrescenta. Além do micro lixo, “substâncias advindas de medicamentos, como hormônios, também podem estar presentes no esgoto, o que dificulta ainda mais o processo de tratamento”, afirma o coordenador.

Como lidar com este desafio?

O problema causado pelo micro lixo pode ser solucionado por meio da ideia de Economia Circular. Para suprir a necessidade de consumo das sociedades, precisaria haver 1,6 planeta por ano. Isso se deve a uma lógica de produção linear, em que a produção é descartada no fim da linha de consumo. A Economia Circular vem justamente para criar um círculo, evitando que todo o material produzido seja descartado, mas encontre uma solução a partir dos cinco “R”: redução, reutilização, recuperação, reciclagem e recusa.

No caso do micro lixo, a atitude vem do cidadão que adquire esse material. Dessa forma, uma possível solução seria a redução ou a recusa de produtos que têm potencial em virar micro lixo. A indústria, portanto, precisaria se adaptar às exigências desse consumidor, acarretando na diminuição de embalagens pouco sustentáveis.

As máscaras de proteção contra o novo Coronavírus são um exemplo. Por causa da pandemia, o acessório se tornou um novo tipo de lixo descartado incorretamente. Dessa forma, o destino final acaba sendo os oceanos que, segundo relatório da organização OceanAsia, receberam por volta de 1,56 bilhão de máscaras faciais em 2020.

Outras iniciativas que visam a proteção do meio ambiente podem ser encontradas em Cabo Frio. Plogging é a prática da corrida unida com o recolhimento de lixo. A Seven Eco Events realiza eventos para reunir pessoas interessadas em fazer atividade física e salvar o meio ambiente. Em 2017, a organização fez seu primeiro evento, porém, com o início da pandemia, em 2020, foi cancelado.

Seven Eco Events realiza diversos projetos que unem atividade física e consciência ambiental
(Foto: Acervo Pessoal/Seven Eco Events)

Hayllan Lima, diretor da Seven Eco Events, conta como foi a última edição. “Retiramos das praias vários pedaços de eletrodomésticos e cápsulas de entorpecentes. Todo o material é recolhido e destinado a uma empresa de coleta seletiva. O evento é aberto ao público e tivemos uma média de 20 pessoas nos ajudando”, diz.

O Projeto Albatroz, que realiza a coleta de lixo nas praias de Cabo Frio, reúne grupo de diversas idades para retirar o que os banhistas deixaram para trás. Entre os voluntários está José Machado da Silva, de 77 anos, que participou da coleta de lixo na Semana do Meio Ambiente. “A juventude de hoje tem outra percepção em relação à natureza. Está muito mais consciente que na minha geração”, opina o voluntário.

José Machado da Silva, de 77 anos, sempre participa dos projetos em defesa do meio ambiente
(Foto: Acervo Pessoal/José Machado da Silva)

Além disso, pesquisas como a do Projeto Imersão buscam, por meio da análise de dados, soluções para o descarte correto desse resíduo. Informações entre os anos de 2005 e 2019 apontam o tipo de micro lixo encontrado nas praias de Cabo Frio. Esta pesquisa constituirá artigo científico produzido para o PIC UVA, projeto de iniciação científica da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Ultrapassando o tempo, o micro lixo é um desafio para todas as gerações.

Foto de capa: Pexels

Levy Estevam, com edição de texto de Gabriel Folena

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Agência UVA é a agência experimental integrada de notícias do Curso de Jornalismo da Universidade Veiga de Almeida. Sua redação funciona na Rua Ibituruna 108, bloco B, sala 401, no campus Tijuca da UVA. Sua missão é contribuir para a formação de jornalistas com postura crítica, senso ético e consciente de sua responsabilidade social na defesa da liberdade de expressão.

1 comentário em “Micro lixo é um pequeno grande problema

  1. Maristela Fittipaldi

    Parabéns, Levy! Bjs!

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