Na manhã desta quinta-feira (6), o terror aportou na favela do Jacarezinho, comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro, que acordou debaixo de tiros, durante uma ação da Polícia Civil e entrou para a história como a maior chacina já ocorrida na cidade. Até o momento, 25 pessoas morreram baleadas, incluindo um policial civil.
O levantamento é do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da plataforma Fogo Cruzado. As duas instituições contabilizaram as chacinas do Complexo do Alemão (19 mortos, 2007), Catumbi (13 mortos, 2007), Vila Isabel (12 mortos, 2009), Niterói/Barreto (12 mortos, 2010), Complexo do Alemão (12 mortos, 2020) e agora Jacarezinho (25 mortos, 2021) – além de outras, em cidades no entorno do Rio.
“A chacina do Jacarezinho, que até o momento conta com 25 pessoas mortas, é a maior entre as chacinas oriundas de uma operação avalizada pelas autoridades públicas em toda a história democrática do estado do Rio de Janeiro”, diz o comunicado do Grupo de Estudos em seu Twitter.
Mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender as operações policiais nas favelas durante a pandemia da Covid-19, os agentes ainda podem intervir nas comunidades, porém apenas em “hipóteses absolutamente excepcionais”, e com o aval do Ministério Público (MP).
O MP afirmou, em nota, que foi avisado sobre a operação por meio de um comunicado recebido às 9h, porém, a polícia alegou que a operação começou às 6h. Logo cedo, a plataforma digital colaborativa Fogo Cruzado RJ, que relata dados de violência urbana no Rio de Janeiro, divulgou informações sobre um tiroteio na região. Era o início da operação.
Na região, dois passageiros foram atingidos por bala perdida em uma das composições do metrô, mas foram socorridos. O Metrô Rio interrompeu a circulação da linha 2, e a Supervia suspendeu a atividade de alguns ramais entre as estações mais próximas da comunidade. Três pontos de vacinação contra a Covid-19 foram fechados e também tiveram suas atividades interrompidas.
Em torno de 8h, o LabJac (Laboratório de Dados e Narrativas da Favela do Jacarezinho) publicou nas suas redes sociais vídeos e relatos de moradores da comunidade mostrando o helicóptero da polícia circulando pela área.
O conflito se estendeu por algumas horas. Impossibilitados de sair, moradores ainda tiveram suas casas invadidas por traficantes em fuga e policiais. A violência brutal e o cenário de guerra eram explícitos, reataram os moradores. “Tinham até corpos caídos em cima das lajes, mas os policiais não deixaram tirá-los de lá”, conta um residente da comunidade que preferiu não se identificar.
Casa de moradora que a polícia invadiu para executar um suspeito
(Foto: Joel Luiz Costa/ Twitter)Vestígios da morte de um menino que estava sentado em uma cadeira de plástico
(Foto: Joel Luiz Costa/Twitter)
Polícia Civil defende sua ação
Em nota divulgada em suas redes sociais Facebook e Instagram, a Polícia Civil lamentou a morte de um de seus policiais e disse que a “ação foi baseada em informações concretas de inteligência e investigação. Na ocasião, os criminosos reagiram fortemente. Não apenas para fugir, mas com o objetivo de matar”, justificaram.
O subsecretário operacional da Polícia Civil, delegado Rodrigo Oliveira, disse que não houve erros ou excessos na operação, mas que o resultado não é para ser comemorado.
#chacinadojacarezinho nas redes
Nas redes sociais, moradores da região e ativistas de direitos humanos, por meio da hashtag #chacinadojacarezinho, comentaram o fato: “25 mortes não é operação, é chacina”, disse o advogado Joel Luiz Costa, Co-Fundador e Coordenador do Instituto de Defesa da População Negra, que morador do bairro do Jacaré.
Entidades organizadas da sociedade civil também se manifestaram. O Instituto Igarapé, que é um laboratório de ideias focado nas áreas de segurança pública, climática e digital e suas consequências para a democracia, manifestou-se por meio de nota.
“É inaceitável que a política de segurança pública do estado continue apostando na letalidade como principal estratégia, sobretudo em áreas vulneráveis. Privilegiar o confronto indiscriminado coloca nossa sociedade e nossos agentes públicos em perigo. De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), a polícia do Rio foi responsável pela morte de 453 pessoas entre janeiro e março deste ano. O número já representava 36% do total registrado em 2020, quando foram registradas 1.245 vítimas”, diz a nota.
“As primeiras informações dão conta de que a operação no Jacarezinho tinha como objetivo enfrentar uma organização criminosa que seria responsável por homicídios, roubos, sequestros e tráfico. Não se trata de ser conivente com o crime, mas o resultado visto até agora são pessoas mortas, feridas e em pânico, algumas delas surpreendidas em meio à rotina de uso do transporte público e dentro de suas casas. Esse tipo de operação não desarticula grupos criminais, apenas causa dor e gera desconfiança. O impacto social desse caso ainda é inestimável, mas certamente vai durar anos”, pontuou o Instituto.
Rubert Colville, porta-voz de Direitos Humanos da União das Nações Unidas (ONU), disse, em coletiva de imprensa em Genebra, na Suíça, que a polícia usa a força, historicamente, de forma desproporcional e desnecessária. Ele solicitou, inclusive, uma investigação independente do caso.
“Pedimos que o promotor conduza uma investigação independente e completa do caso de acordo com os padrões internacionais”, disse Colville.
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Lucas Pires – 7 período
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