Com mais de 56% da população se autodeclarando negra, o Brasil ainda enfrenta uma longa e árdua batalha contra o racismo. O Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, marca um momento de celebração da cultura afro-brasileira e de reflexão sobre sua importância, e sobre as consequências da descriminação racial no país. Com a pandemia da Covid-19, o debate racial esse ano foi além do mês de novembro, colocando em pauta não só os tópicos mais populares, mas também o impacto da crise na população negra e periférica.
Os obstáculos vão desde o risco de contaminação, o medo da doença, e a falta de estrutura, até as operações policiais que continuaram fazendo vítimas nas comunidades. O professor de história que atua no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros do Colégio Pedro II, Arthur Baptista, afirma que o racismo estrutural foi historicamente estabelecido a partir da escravização de povos africanos trazidos para o Brasil, e que consiste, não só em atitudes e pensamentos individuais, mas também uma postura das instituições do estado que negligenciam pessoas negras.
Para ele, o debate racial mais intenso não apenas durante o mês de novembro mostra a urgência do assunto para toda a sociedade.
“Para os brasileiros negros e negras, a questão racial não dorme. Ela está sempre posta para nós, no cotidiano. Em situações como essa que o mundo está vivendo, de pandemia, ficou claro como os primeiros a serem penalizados são os cidadãos negros e pobres. As maiores vítimas são negras”, conclui o professor.

Arthur Baptista lembrou das manifestações de Junho com o tema “Vidas Negras Importam”, que reivindicavam justiça em casos como o do menino João Pedro, de 14 anos, morto por policiais em Maio deste ano. Ao passo que o país lidava com a a Covid-19 em seu auge, a população negra decidiu ir às ruas para se manifestar, mesmo meio meio a uma pandemia.
O professor afirma que como a população negra não era protegida nem do vírus, nem da violência, não fazia diferença onde estavam. “Diziam para as pessoas ficarem em casa para ficarem seguros, e ainda sim estavam correndo risco de vida”, reflete Arthur.
De acordo com uma Nota Técnica divulgada pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) da PUC-Rio, 55% das mortes pela Covd-19 são de pessoas negras, contra 38% de brancos. Por meio de monitoramento voluntário feito pela Coordenação Nacional de Comunidades de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a taxa de letalidade nas comunidades quilombolas é de 3,6%, enquanto a da população em geral é de 3,1%.
Nas periferias a situação também é preocupante. A Fundação Oswaldo Cruz lançou em julho o primeiro Boletim Socioepitemiológico da Covid-19 nas Favelas, acompanhando o avanço da doença nessas regiões. Conforme os dados divulgados, nos bairros classificados com “altíssima concentração de favelas” a letalidade pela doença é o dobro das áreas que não possuem favelas, com 19,5%.

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Para quem acompanha essa realidade de perto, não é nada fácil. O jovem artista Anderson Neemias, de 26 anos, é morador do Complexo do Alemão e além de ter sido contaminado pela Covid-19, também perdeu amigos e parentes para a doença. Ele conta que onde mora, é difícil fazer isolamento e manter com todos os cuidados indicados.
“As casas são muito perto umas das outras, e geralmente fica muita gente junto em uma casa só. Então, é quase impossível fazer isolamento. Aqui na favela também faltou água, como vamos lavar a mão numa situação dessas? O álcool em gel caro demais, o ônibus lotado… ou seja, não estamos seguros”, afirma Anderson.
Perda de renda e de direitos
Outras adversidades surgiram em decorrência da pandemia. O índice de desemprego aumentou, principalmente entre os negros, no primeiro trimestre de 2020. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número chega a ser 71% maior do que entre os brancos.
A advogada, especialista em direito público e Mestranda políticas públicas em direitos humanos, Laura Astrolabio, explica como a desigualdade se tornou ainda mais evidente no contexto da pandemia, e como ela afetou ainda mais as pessoas negras.
“A pandemia chega num momento em que o país já está com uma política neoliberal em ação, em que direitos sociais estão sob ataque, em que o desemprego está em alta e pessoas negras sendo obrigadas pelo sistema a atuar na informalidade, basicamente sem poder usufruir do direito ao isolamento social. Muitas precisando garantir a saúde alimentar de suas comunidades com ações como arrecadação de alimentos”, afirma a advogada.
Durante este período, o acesso à educação também foi comprometido, já que as escolas públicas tiveram suas atividades interrompidas e o ensino remoto nem sempre era viável, principalmente pela dificuldade de acesso à Internet. Sobre os serviços prestados à comunidade que incluem saúde e educação, a advogada completa que ainda há muito a ser feito.
“Serviços e garantias de direitos nesse país não estão destinados à população negra e pobre. O direito à vida, que é inalienável, um direito humano, ainda não está disponível para a população negra e pobre que tem sofrido com o genocídio em curso no Brasil, inclusive já confirmado pela ONU”, explica Laura, que completa criticando as atitudes do Estado Brasileiro.
“Pessoas negras e pobres estão sendo lançadas à morte por COVID, como são lançadas à morte por outras diversas formas que o Estado racista e neoliberal encontra para eliminá-las por tê-las como indesejáveis, matáveis”, finaliza a advogada.
Movimentos como a Coalizão Negra por Direitos estão, desde o início da pandemia, trabalhando ativamente na luta pelos direitos dos cidadãos negros e moradores de favela. Assim como a Central Única das Favelas (CUFA), que em junho lançou um estudo sobre o tema da Covid-19 nas periferias, e a desigualdade.
Abaixo, o painel “As faces do racismo”, realizado a partir do Fórum Data Favela.
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Bárbara Souza – 8° período
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