O êxito da missão tripulada da SpaceX levando dois astronautas da NASA à Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês), ocorrido no último dia 30 de maio, reabre a competição pelo uso do espaço orbital da Terra e impacta as discussões da comunidade científica sobre os cuidados com o planeta.
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Para melhor entender a questão, a Agência UVA entrevistou o Astrofísico Vladimir Jearim Peña Suárez, Ph. D., Pesquisador PCI da Coordenação de Educação em Ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTIC). Confira os principais trechos da conversa abaixo:

Agência UVA: Após 9 anos, os EUA voltam a lançar uma missão tripulada ao espaço. O que caracteriza essa missão?
Vladimir Suárez: A missão Crew Dragon Demo-2 se caracteriza por um enfoque técnico sustentável, onde se pretende reutilizar todos os componentes do dispositivo de voo em outras missões, o que reduz os custos de posteriores lançamentos. Estas conquistas são resultantes do intenso trabalho de desenvolvimento de novos materiais e tecnologias de monitoramento remoto mais precisas.
Agência UVA: Com esta missão os EUA inauguram um novo programa espacial?
VS: A experiência de lançar uma missão tripulada novamente a partir do solo americano fornece poderosas motivações e perspectivas para futuros projetos como a viagem a Marte, sem depender do apoio de potências estrangeiras, como está acontecendo desde 2011, através da parceria NASA-ROSCOSMOS. Além de conseguir independência logística da gigante aeroespacial russa, a NASA quer testar neste quesito as vantagens de uma economia de mercado, submetendo a parte operacional de suas missões a este regime de competência, que hoje calha bem com os objetivos de SpaceX, e que pode incentivar novos desenvolvimentos em indústrias já consagradas como Boeing ou a própria aeroespacial russa.
Agência UVA: Qual a importância do lançamento tripulado da SpaceX em parceria com a NASA?
VS: Os lançamentos tripulados são, dentro do espectro de objetivos dos programas aeroespaciais, metas políticas de alguma maneira. As missões tripuladas não são imprescindíveis para se ter uma indústria aeroespacial, mas têm impacto. Ter levado dois astronautas à Estação Espacial Internacional (ISS) em um voo perfeito (e com um retorno bem sucedido, esperamos) reacende o interesse público para apoiar a destinação de grandes orçamentos para objetivos como enviar missões tripuladas à Lua, no caso de potências emergentes como China e Índia, e no caso dos EUA e da Rússia, o planejamento da montagem de uma base de apoio no satélite natural, mirando a primeira missão tripulada a Marte.
Agência UVA: A entrada do setor privado vai impulsionar o programa de viagens espaciais?
VS: Mais do que um novo programa aeroespacial, a entrada da SpaceX gerará novas dinâmicas neste campo que cada vez mais avança com a mesma lógica do mercado de transportes marítimos ou aéreos. Fortalecer o imaginário de colonização “da Lua e além”, como se afirma no site oficial da SpaceX, parece mais tangível com dispositivos projetados como o Starship (programa em desenvolvimento para levar o homem a Marte). Portanto, pode se esperar que a década de 2020 será uma época promissora para a tecnologia astronáutica.
Agência UVA: A partir desse feito, pode-se esperar uma nova corrida espacial entre as grandes potências, como na década de 1960? Ou a globalização favorece mais a parceria entre as agências espaciais?
VS: Este lançamento por parte de uma empresa privada gera paradoxos: de uma parte, nunca antes a possibilidade de fazer uma área comercial bem estruturada das viagens espaciais tinha sido tão realista. Por outro lado, o livre jogo de companhias privadas e as públicas já consolidadas e emergentes leva a pensar que é urgente criar e aplicar legislações rigorosas e bem articuladas sobre o uso das diferentes faixas orbitais terrestres, o controle da quantidade de dispositivos satelitais em operação e suas consequências, o manejo do lixo tecnológico e outros aspectos.
Por exemplo: durante os últimos meses gerou perplexidade e admiração a colocação em órbita de conjuntos de satélites da classe Spacelink, da SpaceX, destinados a fornecer internet em regiões distantes; contudo, seu impacto na poluição luminosa tem gerado intensos debates na comunidade científica da Astronomia, que precisa de céus despoluídos para suas pesquisas. Concluindo, desta vez a concorrência vai ser menos acirrada entre “nações” ou “blocos econômicos” e mais submetida a escrutínios por parte de diferentes atores sociais: a comunidade científica de áreas como a Física e a Astronomia, as comunidades que trabalham em políticas ambientais e legislações espaciais, a movimentação sociocultural no contexto das redes sociais, que aplaudirá ou questionará a relevância destas empreitadas, considerando outras prioridades, entre outros aspectos.
Agência UVA: Qual é a sua expectativa sobre as viagens turísticas ao espaço?
VS: Além de gerar um clima de concorrência para atividades “cotidianas” como o abastecimento de mantimentos da ISS ou a colocação de satélites com propósitos diversos, a expectativa de ter cada vez mais gente e mais dispositivos indo e vindo entre as diversas camadas atmosféricas e o solo é uma oportunidade para discutir essas pautas sobre o “uso do céu”, e sobre os impactos destas tecnologias no desenvolvimento socioeconômico. Bilionários, produtores e atores de cinema e produtoras de mídias de amplo alcance serão os potenciais clientes desta oferta de turismo espacial nos próximos anos. Seguramente as viagens espaciais não serão uma realidade viável para o cidadão comum em um longo prazo. Menos destacados no mainstream deste assunto, mas não menos importantes, são itens como a equidade do desenvolvimento da maioria das sociedades.
Agência UVA: Na sua avaliação, este é o momento adequado para uma nova corrida espacial?
VS: A pretensão de SpaceX de favorecer regiões distantes e menos desenvolvidas com internet satelital se choca com a realidade constatada durante a emergência do novo coronavírus: milhões de pessoas que hoje não têm acesso permanente a serviços essenciais como o fornecimento de água potável, muito menos têm computadores para usufruir de oportunidades como uma internet supostamente ao alcance de todos. As iniquidades expressivas e coexistentes entre as pautas do desenvolvimento tecnológico devem nos levar a questionar se não está na hora de fazer um grande esforço coletivo como sociedades para exigir atitudes mais comprometidas por parte de governos e de grandes conglomerados tecnológicos, pois enquanto a humanidade avança na corrida para estudar a habitabilidade em outros planetas, a qualidade de vida de milhões de pessoas na Terra deveria ser cada vez mais digna, em forma condizente com as metas de desenvolvimento sustentável da ONU para 2030.
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Francisco V Santos – 7º período – Colaborador Agência UVA
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