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Helena Solberg releva que desconhecia ser a única mulher do Cinema Novo

“Em entrevista, diretora conta também que a visão interna do movimento era diferente do que as pessoas pensam hoje em dia”

 

“No momento que você está vivendo a história você não sabe que está fazendo história”. É assim que a cineasta, produtora, diretora e roteirista Helena Solberg, 80 anos, única mulher que dirigiu filmes durante o Cinema Novo, explica como tudo foi sendo concebido na época. Ela, que se destacou em meio a grandes nomes como Ruy Guerra, Glauber Rocha e Nelson Pereira, se definia como uma jovem que queria conhecer a si mesma e entender o mundo.

O movimento do Cinema Novo, do qual a diretora fez parte na terceira geração, não foi apenas mais um na história nacional, foi uma revolução no cinema brasileiro. Tudo foi resultado das construções individuais de jovens universitários da década de 1960, que passaram a produzir filmes que mudaram a maneira de se enxergar temas sociais.

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Helena construiu um importante legado para o cinema nacional com suas produções sempre críticas (Foto: David Meyer)

Mas quem pensa que todo o movimento foi arquitetado previamente, se engana. A diretora relata, inclusive, que “mal sabia que era a única mulher dentre estes cineastas” na época, e afirma ainda que todo o processo foi algo muito natural para todos: “Hoje em dia dizem ‘ah, o movimento do Cinema Novo’, mas o movimento era a vida da gente. Não havia esse ‘movimento’. Existe sempre esse equívoco. As pessoas acham isso”.

Com os grandes sucessos A Entrevista (1966) e Meio-dia (1969), Helena demonstrou que possui nítido interesse por temas tocantes como regras impostas pela sociedade e ditadura militar. Ambos os curtas, que abordam críticas à sistemas sociais, foram marcos do Cinema Novo e, também, as maiores referências quando se trata da cineasta. Esses documentários fizeram parte, inclusive, da Retrospectiva Helena Solberg, exibida nos CCBBs de todo o país desde o começo de 2018.

A Entrevista (1966)

Quando eu fiz ‘A Entrevista’ as pessoas não queriam ser filmadas porque achavam que o assunto era considerado polêmico. Então eu acabei usando uma trilha sonora, uma entrevista gravada, e eu tinha que criar uma imagem. Mas isso acabou sendo a melhor coisa que aconteceu porque eu acho que o filme ficou mais interessante com essa imagem, que é uma noiva sendo preparada para o casamento, como num grande ritual que a sociedade espera dela, dessa mulher dessa certa classe social, de classe média alta. Então essas entrevistas vão como que desconstruindo, revelando contradições e ambiguidades e confusões sobre essas pessoas.

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Para gravar lá, ia eu com o gravador [de som] na mão entrevistar as moças e essa é a história desse filme. Ele levou muito tempo para ser feito porque depois que eu fiz esses entrevistas, fui fazer uma análise delas, as transcrevi, para pode editar, porque eram muitas. Acho que eram, no mínimo, umas 50 e o filme tem só 20 minutos. Então eu precisava de 20 minutos de trilha sonora. Tudo que fiz era realmente uma pesquisa sobre minha formação [classe média alta e criada sob rígidas regras sociais].

Meio-Dia (1966)

Eu digo que é meu filme anarquista. É um filme de 10 minutos mas é uma metáfora sobre o que estávamos vivendo no momento, que era uma censura e ditadura. Eu uso a música do Caetano Veloso “É proibido proibir” e crio uma imagem de crianças que se revoltam dentro de uma escola e destroem essa escola. Era mais ou menos um desejo recôndito de explodir com tudo à tua volta. Esse filme não foi divulgado na época, ficou durante muito tempo guardado e foi pouquíssimo tempo atrás que as pessoas viram ele pela primeira vez. 

O diferencial destes filmes foi justamente se distanciar dos modelos que eram amplamente explorados até então: comédias (chanchadas) e filmes no estilo “Hollywoodiano”. Diante disso o Cinema Novo se mostra uma etapa revolucionária na forma de se pensar os temas a serem abordados nas grandes telas. Dessa vez os roteiros ‘pobres’ de conteúdo e sem aprofundamento deram espaço a textos com propostas mais sérias e de cunho político-social.

Nem só de criatividade vive o cinema: as dificuldades na produção

Tendo em vista de todo o contexto, Helena conta que a inspiração para os filmes que ela dirigiu veio justamente da inquietação que ela sentia diante dos modelos seguidos pela sociedade, tanto com relação ao cinema brasileiro, quanto com relação a padrões de conduta.

E a partir daí fala sobre o que a levou a produzir os filmes nessa época: “Nós [cineastas brasileiros] tínhamos uma  tendência, como sempre, de imitar o cinema europeu e eu acho que no Cinema Novo as câmeras se viraram para nós mesmos. Talvez faltasse um pouco essa coisa de virar a câmera para você mesmo, porque foi o que eu fiz instintivamente e não porque tinha a ideia de que eu queria fazer uma coisa diferente”.

Além de enfrentar todos esses conflitos, Helena travava diariamente diversas outras batalhas na busca pela produção de seus filmes, e uma delas, talvez a mais importante, é o patrocínio: “Como financiar o curta?”. E mesmo pertencendo à classe média alta, o custo para a produção de filmes no Brasil daquela época fugia de sua realidade econômica.

Em vista disso, a cineasta contou com o auxílio de algumas fontes, e uma delas foi Glauber Rocha, também diretor, participante do movimento. “Para A Entrevista eu conversei com o Glauber Rocha, que era meu amigo, e expliquei para ele qual era minha ideia, o que eu queria fazer e ele achou que a ideia era super interessante, disse que eu devia fazer e foi quem me deu uma entrada na CAIC, a Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica, que me deu um patrocínio, uma pequena ajuda e aí eu pude fazer o filme”.

O Mário Carneiro, diretor de fotografia, que foi o fotógrafo do filme “A Entrevista”, quem me ajudou a conseguir um gravador que era o Nagra, o único que tinha no Brasil, trazido por um cineasta sueco para cá. Um gravador era um objeto de desejo de todo mundo, todos queriam ter acesso a ele. E eu tive o luxo de poder ter e com isso eu mesma fiz o som. Eu ia, entrevistava as pessoas carregando esse gravador, que pesava muito, aliás.

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Helena Solberg e ao lado dela, o fotógrafo Mário Carneiro (Foto: David Meyer)

Representatividade e merecimento: Helena Solberg fala sobre conquistas

Sendo a única mulher entre tantos homens cineastas do Cinema Novo, a diretora que ousou em seus temas, comenta sobre a representatividade da mulher dentro da indústria cinematográfica: “Hoje existem muito mais mulheres como cineastas e eu acho que isto tende a crescer, ainda mais agora que existe uma volta ao movimento feminista muito forte, que eu acho que vai ajudar as mulheres a entrarem em diferentes profissões e fazerem coisas que antigamente não se pensava. Eu falo isso do ponto de vista social, porque a maioria da classe trabalhadora sempre esteve na frente do trabalho”.

Recentemente os CCBBs de todo o Brasil exibiram a Retrospectiva Helena Solberg, que foi uma mostra sobre a vida da diretora de cinema. Nela foram apresentados vários de seus filmes em rodas de conversa  e debates que tratavam das questões estéticas e políticas de sua produção. “Ela foi importante para mim porque recuperou muitos dos filmes e estou agora com meu arquivo em excelente forma porque esses filmes se deterioram com o tempo. A retrospectiva para mim foi um momento de autorreconhecimento, de ver fases diferentes da minha vida”.

E se, como dito pela diretora, a história é construída enquanto os seus protagonistas não fazem ideia do projeto no qual estão fazendo parte, então Helena Solberg só descobriu depois de muito tempo que foi mocinha e vilã neste movimento uma vez que abriu espaços para novos modos de pensar e em paralelo criticava o sistema [social e político].

O Cinema Novo, assim definido por ela, mudou a maneira de se pensar os temas a serem abordados no cinema nacional. Foi, também, um importante momento de autorreflexão: “Em alguns filmes do Cinema Novo foram feitas uma análise de nós mesmos, da classe social. Porque senão você estava sempre olhando para o outro, querendo salvar o oprimido e você sem fazer uma reflexão sobre os seus problemas, quem era você e qual era o seu lugar de fala”.


 Gabriella Motilia 

Reportagem realizada para a disciplina de Oficina Multimídia

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