B., de 15 anos, começou a se prostituir já na infância para garantir o sustento da família. “Meus pais não arranjavam emprego, e alguém tinha que arrumar dinheiro para podermos comer”, conta. Com o incentivo dos pais, começou a ter relações sexuais em troca de dinheiro e, por mais extraordinário que pareça, o próprio pai atuava como uma espécie de “cafetão”. Era dele o papel de apresentar os clientes para a filha: “Meu pai me apresentou aos amigos dele, a maioria com mais de 40 anos, que se interessavam por mim e me levavam para suas casas para podermos transar”.
Essa é a realidade de muitas meninas no Brasil. Levantamento da Fundação Mineira de Educação e Cultura (Fumec) revela que 1,5 milhões de mulheres e homens vivem da prostituição. A pesquisa detalha que 28% das mulheres optaram pela escolha após ficarem desempregadas e 55% necessitavam do dinheiro para ajudar no sustento da família. Ainda de acordo com a Fumec, quase 70% das “profissionais do sexo”, como são conhecidas, possuem um baixo nível de escolaridade, ou seja, não têm uma profissionalização; 45,6% têm o primeiro grau de estudos e 24,3% não concluíram o ensino médio.
As pesquisas comprovam que a maioria desses jovens possui uma má estrutura familiar e recebe grande influência de pessoas próximas. Esse é o caso de T., de 16 anos, que recebeu o incentivo de uma amiga para sair de casa. Sem ter como se manter, começou a fazer programas. Ela conta que, quanto mais novas são as meninas, mais clientes aparecem e, conforme a idade vai aumentando, por exemplo, 20 anos, a procura diminui bruscamente. “Passei por muitos homens. Eles preferem e se sentem mais atraídos pelas mais novas”, explica.
Muitas prostitutas possuem algum tipo de “empresário”. São eles que as orientam a escolher os “melhores” clientes e que tratam dos valores dos programas que elas farão. Além disso, ficam com boa parte do dinheiro que conseguem por meio do trabalho delas. Nesses casos, mesmo que as prostituas queiram parar de trabalhar com eles ou tenham vontade de sair do ramo, os cafetões, além de ameaçar contar para as famílias que desconhecem as atividades das filhas, também ameaçam as meninas de morte.
Joselaine Almeida, que se classifica como ex-prostituta, começou o trabalho com 12 anos e seguiu por dez anos. Hoje, aos 40, conta que não recebia a atenção dos pais e começou a usar drogas muito cedo. Dois anos depois, completamente dependente do vício e sem ter como conseguir dinheiro para mantê-lo, decidiu começar a “se vender” em troca de drogas. “Cheguei a me relacionar com 15 homens em um dia, sem pausa”, conta Joselaine chorando. O vício, ela também largou.
Joselaine chegou a trabalhar em dois prostíbulos ao mesmo tempo, alternando os dias. “Eu sinto vergonha de falar isso. Era muito nova, então os homens me preferiam por conta disso. Com 22 anos, eu já tinha uma aparência mais acabada e, como estava cansada da vida que eu levava, resolvi eu mesma me internar em uma clínica de reabilitação”, conta Joselaine. Agora formada em pedagogia, trabalha na área. Joselaine também ocupa, hoje, o lugar de esposa e mãe, e sente alegria ao pensar em sua “volta por cima”. “Sinto orgulho de mim, por ter refeito a minha vida”, reflete.
Para a psicóloga Dulce Soares, de 50 anos, o processo de fazer as crianças esquecerem é lento, longo e depende de como elas se envolveram com a ação. Ela afirma que muitos pais que induzem as filhas a se prostituirem foram, eles próprios, vítimas de abuso, e acabam reproduzindo esse mesmo comportamento com os jovens.
“Dependendo da origem do abuso, é difícil de esquecer, ou melhor, aprender a lidar”, diz a psicóloga.
A psicóloga foi estagiária na ONG São Martinho de menores infratores, no bairro da Lapa no Rio de Janeiro, onde as meninas demoravam cerca de seis meses a dois anos para recuperarem a confiança nos adultos novamente. Por isso, o profissional habilitado a ajudar esses jovens deve ter em mente que é importante estabelecer um ambiente seguro e um vínculo, onde a fala é igual à ação, além de ter muita paciência.
“Quando forem agressivas, pense: eu preciso ajudar esse ser humano a voltar a ser criança”, aconselha a profissional para quem lida com meninas abusadas.
Muitas crianças chegam aos centros de reabilitação com um comportamento displicente, como se “não ligasse”, o que indica um trauma instalado. Algumas tratam desse assunto de forma natural e comum, principalmente na região Norte e Nordeste, onde a prostituição de crianças é ainda maior. O apoio da família é muito importante nesse momento. Às vezes, é até necessária uma terapia familiar, pois o sofrimento delas também espirra nos membros mais próximos.
No Brasil, prostituição não é considerada crime. O que é considerado fora da lei é a exploração sexual de crianças e adultos, quando há intenção de lucro às custas do outro, e aliciamento. Já existem leis que punem clientes que se relacionam com menores de idade, mas nada evita que a criança chegue à prostituição em primeiro lugar.
Reportagem de Katharine Alves e Priscylla Borges para a disciplina Jornalismo Investigativo da Universidade Veiga de Almeida (UVA)
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Eu quero ser prostituta