Por Mariana Motta
A Fuvest, responsável pelo vestibular para ingresso na USP, anunciou a lista de leituras obrigatórias da prova a partir do ano de 2026 até 2028. A nova seleção destaca exclusivamente mulheres autoras e tem como objetivo principal valorizar o papel delas na literatura. Entre as escritoras brasileiras e estrangeiras que compõem a lista, estão Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Djaimilia Pereira de Almeida, Julia Lopes de Almeida, Lygia Fagundes Telles, Narcisa Amália, Nísia Floresta, Paulina Chiziane, Rachel de Queiroz e Sophia de Mello Breyner Andresen.
Os avanços na sociedade brasileira em relação às questões de gênero nos últimos anos tornam ainda mais relevante o resgate de tais obras, principalmente os textos do século XIX e da primeira metade do século XX, desconhecidos pelo público brasileiro. Segundo Dayana Mendes, professora de Literatura e Língua Portuguesa, mestre em Estudos Literários e doutoranda em Ciência da Literatura na UFRJ, esse é um momento de mudança e de dar espaço para figuras invisibilizadas.
“Isso mostra uma mudança nas discussões dentro do ambiente acadêmico. Hoje temos muitas pesquisas sobre questões de gêneros, permitindo que os alunos tenham contato com muitas escritoras que infelizmente no decorrer do séculos foram apagadas”, afirma Dayana.
A estudante de pré vestibular, Stella Cypriano, deseja cursar Letras na USP e ficou realizada ao saber da nova lista. Por ter o costume de ler clássicos produzidos por mulheres, viu a oportunidade como um incentivo à escrita feminina.
“Por muitos anos as autoras mulheres foram – e ainda são – inferiorizadas, agora passa a existir um incentivo à valorização dessas mulheres por todos que irão prestar vestibular,” comenta a jovem.
É comum que autores escrevam sobre a realidade em que eles estão inseridos, e as escritoras mulheres não fogem disso. Na obra de Júlia Lopes de Almeida, “Memórias de Marta”, existe uma relação importante entre a personagem principal e a mãe. Entretanto, o debate vai além da questão da maternidade, é uma obra que reflete a realidade de miséria e de pobreza dos cortiços do Rio de Janeiro no século IX. Para Victória Ramos, vestibulanda de Medicina, a classe em que alguma autora se insere também modifica muito a escrita. “Os temas abordados são completamente diferentes, muitas vezes trazendo uma nova visão de mundo para quem lê”, afirma a estudante.

Apesar da repercussão, o processo de inserir figuras femininas nas provas das universidades é feito há algum tempo. Em 2018, a Unicamp divulgou a lista de livros obrigatórios para o vestibular de 2020, incluindo leituras que foram colocadas à margem do cenário comercial tradicional. Uma das obras que chamou a atenção da comunidade acadêmica foi “A falência”, de Júlia Lopes de Almeida. Embora os vestibulares do sudeste tenham mais espaço na mídia, universidades de outras regiões do país também estavam adotando livros e contemplando autoras femininas. É o caso da Universidade do Rio Grande do Sul, que escolheu para 2019, “Úrsula” da Maria Firmino dos Reis, uma escritora do século IX que foi apagada ao longo da história.


Resgatar o que foi escrito por mulheres, valoriza o seu papel na sociedade e proporciona uma pluralidade de visões diferentes daquelas apresentadas pelos homens. A escrita tornou-se uma ferramenta que possibilitou às mulheres encontrarem sua voz, sendo a busca por espaço na literatura uma espécie de declaração de independência, demonstrando ao mundo que também tinham o poder de escrever. Para Dayana, os alunos passam a se interessar mais por obras de autores clássicos justamente devido à obrigatoriedade de leitura para as provas, sendo a oportunidade perfeita de dar projeção a vozes antes ignoradas e silenciadas.
“Quando líamos obras de leitura obrigatória que continham apenas homens, era um momento de entrar em contato com a literatura clássica nacional e internacional. Então, por que agora, quando temos só autoras mulheres, não estaríamos contemplando a literatura também? A gente cresce na diversidade, e a literatura é um caminho para diversidade”, finaliza Dayana.
Foto de capa: Amazon/Reprodução
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Reportagem realizada por Mariana Motta para a disciplina de Jornalismo Independente, ministrada pela professora Daniela Oliveira

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