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Nem gorda, nem magra: mulheres midsize na sociedade contemporânea

Termo surgiu através da comediante norte americana, Amy Schummer, faz sucesso nas redes sociais e estimula questionamentos entre mulheres

Por Gabriella Lourenço

A canção “Scars To Your Beautiful” de autoria da cantora Alessia Cara, conta as cicatrizes na beleza de uma mulher. Na primeira estrofe da obra, a autora aborda sobre a idolatria de uma imagem e a reza para ser esculpida por um escultor. Nessa concepção, é evidente a existência de narrativas não representativas para certos grupos de mulheres em nossa sociedade, principalmente as consideradas de tamanho médio no âmbito da moda, ocorrendo a queda da autoestima e comparação com corpos considerados “padrão”.

No universo da moda, existe uma luta feminina constante para a criação de peças para todos os tipos de corpos e para reescrever discursos consolidados de magreza ao longo do tempo. Atualmente, um termo abraça determinadas mulheres e faz, finalmente, se sentirem representadas: o midsize. 

A expressão surgiu pela primeira vez pelo comentário feito pela protagonista e comediante de “Life e Beth”, Amy Schummer, em 2016. A atriz criou esse conceito após não se sentir representada pela norma “padrão” e por ser incluída na lista de mulheres plus size da Revista Glamour Internacional, mesmo vestindo peças de roupas entre 40 e 42. Além disso, Amy desenvolveu esse manifesto ao perceber na hora de comprar roupas, a dificuldade de encontrar numerações em lojas de tamanhos convencionais e plus size.

Artista e comediante Amy Schummer, criadora do termo “Midsize”
(Foto: Divulgação)

Para a idealizadora da loja YaYo, criadora de peças e mulher midsize, Marina de Oliveira, o termo traz uma questão de pertencimento e de existência para mulheres que enfrentam situações semelhantes, encontrando um lugar, não só de fala, mas de entendimento da existência do meio-termo, não sendo obrigadas a se enquadrarem nas categorias de “gorda” ou “magra”.

“O movimento midsize trouxe uma questão de pertencimento. Quando começei a ter mais experiências de vida e ganhar peso, pude perceber a dificuldade de encontrar roupas. As lojas convencionais não consideram as pessoas de tamanho médio em seus catálogos, não existindo roupas com caimento bom para esse tipo de corpo. O movimento trouxe essa sensação, de que existe um grupo de mulheres iguais a mim, tendo o direito de explorar um novo nicho”, comenta Marina. 

Publicação feita pela idealizadora da loja YaYo, falando sobre o desenvolvimento de uma calça para todos os tipos de corpos (Foto: Marina de Olvieira/Instagram)


A palavra já faz sucesso no universo feminino e reverbera no mercado da moda, ao abordar a liberdade de escolha das mulheres em relação aos padrões corporais. Ela permite o encaixe ou não em tais padrões, além de promover uma melhor aceitação do próprio corpo.

“O mais difícil é se aceitar, devido aos padrões estéticos impostos diariamente. Porém, podemos enxergar até pelas redes sociais influenciadoras comentando sobre o tema, o que ajuda a mulher midsize aceitar seu corpo e saber que nunca esteve sozinha”, expõe a administradora e adepta do termo, Rafaella Marmelo. 

Mulheres consideradas nem gordas nem magras têm dificuldade em encontrar roupas que lhe caem bem. Foto: Rachel Salles/Unsplash

O posicionamento das lojas diante da expressão

Outro aspecto relevante da expressão é a percepção em relação à estética das vestimentas no corpo. Observa-se o encontro de certas numerações de roupas em algumas lojas de fast fashion, porém, é notório que determinadas peças são projetadas e moldadas para vestir mulheres magras.

A falta de padronização também é um obstáculo na hora das compras, especialmente de maneira online. Apesar de ser um tema antigo, o debate sobre modelagem sempre está à tona na sociedade, e é um dos principais motivos dos problemas enfrentados pelas clientes midsize. Alguns estabelecimentos na hora de vender suas roupas usam tamanhos diferentes, não correspondendo com a estatura real.

“O maior desafio é encontrar lojas que atendam mulheres midsize. Quando encontramos as roupas, elas são sem graça e não possuem ergonomia. A mulher midsize vive em um limbo, sendo considerada magra demais para o plus size e gorda demais para o padrão magro. Ficamos nesse meio-termo, onde não temos espaço nas lojas. O termo ajuda a entender que não estamos sozinhas, não há nada de errado com nossos corpos, não precisamos emagrecer ou engordar para caber nessas lojas”, argumenta a idealizadora da loja Yayo.

Alguns tipos de corpos considerados “midsize”e ideias de estilos
(Foto: Pinterest/Internet)

Consequentemente, novas lojas alternativas surgem com o objetivo de representar, contribuir e fortalecer a ideia da moda para todos. Tendo como foco principal destacar que as pessoas não devem enfrentar obstáculos ao vestir suas roupas; ao contrário, as peças devem ser pensadas e planejadas para atender a todos os tipos de estrutura física, inserindo mulheres reais no ambiente da moda.

Para a gerente de projetos da marca Lela Brandão. Co, Gabriella Torres, a criação de marcas com esse viés aflora nas mulheres afeto, cuidado e desejo pelos seus próprios corpos. Ela ainda destaca a importância de enxergar as pessoas e oferecer modelagens que se adaptem a todos os corpos, garantindo conforto.

“Não consideramos a roupa como o item mais importante, mas sim as pessoas que a vestem. Priorizamos garantir conforto, confiança e adaptabilidade para todos. Nossa produção não é baseada em medidas de mercado, mas sim em mulheres reais com corpos diversos. Elas são nossas modelos de prova e colaboram conosco na construção de uma grade inclusiva. Queremos que nossas clientes vejam em nós uma marca que as enxerga como indivíduos, não apenas números. Nosso foco está em atender suas necessidades e desafios diários”, diz Gabriella.

A marca que não compactua com lutas para entrar no padrão ou com roupas que limitem movimentos, possui mais 106 mil seguidores no Instagram e busca à revolução do conforto para os clientes. “A visão da Lela, como mulher midsize, sobre como as roupas a limitavam, foi o ponto de partida para criação da marca. Não fazia sentido criar uma marca que limitasse qualquer corpo que não fosse o padrão ou o considerado ideal pela sociedade. Ela criou uma marca para todos”, conclui a gerente de projetos.


A empresa Lela Brandão criou um vídeo mostrando dois corpos diferentes usando o mesmo look. Isso evidencia claramente que suas peças são produzidas para todas as estruturas corporais.
(Vídeo: Lela Brandão. Co/ Instagram)

Só mais rótulo, ou uma questão de pertencimento?
Embora o termo possa ser visto como “apenas mais um rótulo” e parecer negativo para algumas pessoas, a identificação e a busca por alusões faz parte do ser humano e da vida em sociedade. Isso leva à necessidade de encontrar um lugar onde se pertence a um grupo.

O objetivo do movimento, dizem marcas e usuárias, em coro, é não comparar uma dor com a outra ao discutir a aceitação do corpo. Mas sim abrir mais um diálogo para debater sobre a relevância do tema e atingir mais pessoas.

“Conhecer esse termo trouxe mais segurança. Consigo me apropriar mais, ter mais autoestima. E entendo que faço parte de um grupo de mulheres que passa pela mesma situação. Quando eu conheci a expressão me senti acolhida, foi um grande alívio”, afirma Marina de Oliveira.

Outra questão que caminha ao lado do midsize e precisa ser amplamente discutida é a pressão estética imposta pelas mídias. A situação leva inúmeras mulheres a não se identificarem com o padrão utópico de “corpo perfeito”, ocorrendo uma padronização estética e comportamental que causa baixa autoestima. A falta de identificação com os termos também gera vergonha na hora de se posicionar.

“Até na indústria cinematográfica falta representatividade. Essa cobrança não é só da moda, mas das revistas, novelas, filmes e séries. Falta representação, falta personagens com corpos reais. Precisamos nos sentir representadas, elevando nossa autoestima e bem-estar”, comenta a administradora Rafaella.

Qual é a solução para moda?
Uma das soluções para o mercado da moda é abandonar o pensamento das roupas como o objetivo final e primordial. O foco deve estar nas clientes, em compreender suas necessidades e como as peças irão impactá-las. Entender cada corpo com suas particularidades, tamanhos, formatos e modelagens, é essencial.

O propósito é oferecer opções diversas, indo além do padrão magro ou gordo ou do PP/P ou EGG/G1, é possibilitar que as mulheres façam suas escolhas. É a mudança de quebrar padrões, é permetir a apreciar suas próprias formas e a atratividade, livres do ciclo de magreza e beleza imposto pelo mercado e pela sociedade.

Foto de Capa: Rachel Salles/Unsplash

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Reportagem realizada por Gabriella Lourenço para a disciplina de Jornalismo Independente, ministrada pela professora Daniela Oliveira

Estudante de jornalismo, atualmente no sexto período, apaixonada por desvendar as várias facetas da informação e trazer à luz os temas que merecem ser debatidos de forma franca e honesta.

2 comentários em “Nem gorda, nem magra: mulheres midsize na sociedade contemporânea

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