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Ceratocone: entenda por que coçar os olhos pode ser perigoso para a visão

Doença ocular atinge cerca de 150 mil pessoas no Brasil e pode demandar transplante de córnea se não for diagnosticada nos estágios iniciais e receber o devido tratamento médico.

Após realizar um exame de vista para entrar na autoescola, em março deste ano, e perceber que não enxergava bem com o olho direito, a estudante de jornalismo Mayara Tavares, 22, decidiu ir a um oftalmologista especialista. O diagnóstico: ceratocone. O médico constatou que, por enquanto, ela poderia apenas usar óculos, porém, recomendou que jovem realizasse consultas semestrais para continuar investigando a questão, além de usar colírios lubrificantes e não coçar os olhos, hábito que a universitária mantinha devido a alergias — pessoas com problemas crônicos como rinite, sinusite e outras doenças alérgicas podem desenvolver a condição, pois é comum para quem é portador delas coçar os olhos com frequência; cuidar dessas enfermidades é fundamental para prevenir o avanço do distúrbio ocular.

Além do uso dos lubrificantes, Mayara também adotou o habito de usar os óculos regularmente desde que descobriu a doença. (Foto: Arquivo Pessoal)

Pouco conhecido pelo público geral, o ceratocone é uma doença que atinge a córnea, um tecido que faz parte da estrutura do olho e possui várias camadas. Qualquer alteração na transparência ou em sua curvatura pode comprometer a visão, pois é ela que controla a entrada de luz e é responsável por proteger o olho. A principal consequência é o surgimento do astigmatismo, condição que deixa a visão embaçada. Segundo dados do Ministério da Saúde, a doença atinge cerca de 150 mil pessoas por ano no Brasil, normalmente entre indivíduos de 10 a 25 anos.

O principal fator externo que corrobora para o desenvolvimento dessa condição é o ato de coçar os olhos, a ação causa um enfraquecimento na córnea e a mudança em seu formato, a deixando mais fina e irregular. A doença é considerada multifatorial, o que significa que é influenciada por fatores externos mas também por questões genéticas. Além disso, o ceratocone é uma doença progressiva, que possui vários níveis, e, dependendo deles, há diversos procedimentos para seu tratamento. Mesmo havendo cirurgias refrativas, ou seja, que corrigem o astigmatismo e a miopia, não é uma indicação para quem tem ceratocone, pois o laser usado nesses procedimentos pode enfraquecer mais a córnea. O paciente com a condição terá de conviver com óculos ou lentes de contato.

A condição tem esse nome pois o formato da córnea fica parecido com um cone. (Foto: Governo Federal)

E junho foi o mês de conscientização do ceratocone, o chamado Junho Violeta, idealizado pelo doutor Renato Ambrósio Jr. há 6 anos a fim de chamar a atenção para o problema e trazer informação para pacientes e familiares. Ele é referência no estudo e no tratamento da doença, possui mais de 250 publicações científicas e já foi presidente da Sociedade Brasileira de Administração em Oftalmologia. De acordo com o médico, é importante que, após o diagnóstico, a pessoa com ceratocone adquira mais informação sobre a condição, pois a falta de conhecimento pode gerar muito mais sofrimento do que a doença em si.

“O primeiro passo para o tratamento de sucesso é entender o que se pode, precisa e deve fazer. Entender sobre a doença, sobre as opções e necessidades que a gente tem para cada caso, que deve ser estudado de forma individualizada, fazendo a avaliação com o médico oftalmologista”, explica Renato Ambrósio Jr.

Esse compartilhamento de informações é uma ação que vem sendo realizada pela influenciadora digital e empresária Gabriela Cecon, que conviveu com o ceratocone por 20 anos. Mesmo a doença não sendo o conteúdo principal de suas contas no Instagram e no TikTok — que possuem cerca de 13 mil e 39 mil seguidores, respectivamente —, ela passou a falar sobre suas experiências, ajudando milhares de pessoas que se assustaram e têm dúvidas sobre o diagnóstico. Depois de anos passando por complicações, Gabi fez o transplante de córnea nos dois olhos, último estágio possível do tratamento. Segundo o doutor Renato, esse procedimento é o que mais tem chance de sucesso entre as cirurgias de transplantes, mas a melhor opção é sempre a avaliação precoce, a fim de realizar intervenções menos invasivas para tratar o ceratocone.

A criadora de conteúdo recebeu o diagnóstico aos 17 anos, após perceber que não enxergava o quadro durante as aulas de música que fazia na época. Passou a usar lentes de contato rígidas, mas não conseguiu se adaptar bem. Ainda, ela já tentou diversos tratamentos que deram errado — um deles, uma lente escleral gelatinosa, causou hidropsia, ou seja, entrada de líquido na córnea, o que afetou mais sua visão. Apenas em 2020, no início da pandemia, a influencer entrou na fila do transplante de córnea. A lesão causada pela hidropsia dificultou também a cirurgia do olho esquerdo, que precisou ser refeita duas vezes.

Atualmente, aos 37 anos, Gabi tem as duas córneas transplantadas — a do olho direito foi feita um ano depois da primeira operação sem muitos problemas. Ela ainda usa óculos, pois o transplante não afeta a miopia, que poderá ser corrigida em breve. A influenciadora atesta a melhora em sua qualidade de vida, porém afirma que é possível conviver bem com o ceratocone. “Meu caso é raro. Eu também tive muita resistência de aceitar vários procedimentos, fiquei com medo, mas quando enfrentei isso e decidi aderir aos tratamentos, lentes e etc, minha vida melhorou muito”.

“Eu poderia ter feito o transplante há muitos anos, e não fiz por conta desse pavor que tinha na minha cabeça. Hoje, depois de ter vivido dificuldades no processo, me arrependo de não ter feito antes. Minha vida melhorou muito, e olha que estou apenas com um olho recuperado”, a influenciadora explica.

Quem também lida com a condição é a dona de casa Marilandy Carvalho, 53, que usa, há mais de 10 anos, as lentes de contato gelatinosas juntamente com outro tipo de lente, as rígidas — que tem a função de estabilizar o formato das córneas —, além de utilizar óculos de grau. Ela descobriu a doença ao fazer um exame para o Detran a fim de renovar sua habilitação e se assustou com o diagnóstico ao saber que uma das possibilidades de remediação é o transplante de córnea. Mas, após aderir aos tratamentos, Marilandy convive com o ceratocone sem grandes problemas.

Diferente de Gabi, ela se adaptou à condição e ao tratamento, alcançando resultados satisfatórios em sua visão desde então, sem necessidade de qualquer intervenção cirúrgica. Marilandy, ainda, revela que, somente depois de começar a tratar a doença, ela notou o quanto enxergava mal. “Quando coloquei a lente de contato, não sabia que minha visão era tão ruim. Eu nunca percebi que não enxergava uma formiga, um fio de cabelo no chão, o piso que estava sujo. Com a lente, passei a enxergar 100%”, ela declara.

Mesmo não havendo cura, o ceratocone tem mais de um tipo de tratamento e raramente leva à cegueira. O transplante de córnea é indicado apenas em último caso, diferente de 20 anos atrás, quando a cirurgia era a única opção. Além das lentes de contato, que melhoram o astigmatismo, procedimentos cirúrgicos modernos como o Anel de Ferrara e o Crosslinking são alternativas possíveis para estabilizar a visão do paciente. Quanto mais cedo se descobre a doença, mais fácil é tratar a condição, podendo ser resolvida com óculos de grau e lubrificação dos olhos . Por isso, é recomendado realizar visitas regulares ao oftalmologista — ao menos, uma vez por ano — para avaliar a qualidade da visão.

Reportagem por Karla Maia, com edição de texto de Daniel Deroza

Foto de capa: Pexels

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11 comentários em “Ceratocone: entenda por que coçar os olhos pode ser perigoso para a visão

  1. Avatar de Karen Nicolay
    Karen Nicolay

    amo a jornalista que escreveu essa matéria!!
    vou passar a tomar cuidado com esses hábitos
    obrigada por realmente tirar um tempo e escrever sobre algo tão importante 🙂

  2. Avatar de kaylaine

    matéria incrível e importantíssima!

  3. Avatar de Carlos

    Ótima reportagem!

  4. Avatar de Glaucemar Da Silva Maia
    Glaucemar Da Silva Maia

    Excelente matéria!!!
    Muito esclarecedor

  5. Avatar de Julie

    Eu não tinha conhecimento sobre! Obrigada por compartilhar! Ótima matéria!!

  6. Avatar de evaxdani

    Realmente é de suma importância a divulgação e conscientização sobre a doença. Infelizmente ela é pouco discutida. Parabéns pela reportagem!

  7. Avatar de renatoambrosiojr
    renatoambrosiojr

    Parabéns pela matéria. Obrigado pela colaboração na Campanha “Violet June”.

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