No último sábado (6), aconteceu a cerimônia de coroação do Rei Charles III, na Abadia de Westminster, em Londres. A celebração reuniu diversos chefes de estado e uma multidão de súditos. Aos 73 anos, ele se tornou o monarca mais velho da história britânica a ser coroado. O que não se sabe é se, com as atuais mudanças, a família real seguirá o exemplo do rei e terá uma longa vida depois de séculos de grande relevância e influência.
Com o objetivo de entender como a família real britânica se manteve no poder por todo esse tempo, a Agência UVA conversou com a professora de História, Saionara Ladeira, que tem Mestrado em História Social e Política, e com a jornalista Amanda Kassis, cuja pesquisa de conclusão de curso versou sobre a série “The Crown”. As especialistas falaram sobre as transformações que a monarquia inglesa vivenciou e como a família real se adaptou a elas para se manter no poder. Confira abaixo:
O início da monarquia britânica acontece antes mesmo da formação da Inglaterra como um estado soberano, existindo desde o século IX. Com as revoluções do século XVIII, cerca de dez grandes reinados deixaram de existir na Europa.
Saionara, lembra que, na verdade, a família real britânica foi a primeira monarquia absolutista a ser destituída, em 1640, durante a Revolução Inglesa. De acordo com ela, Guilherme de Orange, fundador da dinastia Stuart, retornou com o regime tendo o apoio do Parlamento e restringindo o poder do monarca. Por isso, a realeza não é atingida pelas revoluções que ocorreram no século XVIII e XIX, pois já não era mais governada politicamente pelo rei.
“A monarquia britânica é parlamentar. A família real tem direito a participar do parlamento e realiza, inclusive, a abertura anual do mesmo, mas isso não dá a ela significado político mandatório. O rei reina, tem funções com o Estado, mas não tem direito a participação política”, explica a professora.
A família real hoje é mais um símbolo de tradição da sociedade britânica. Muito se deve à falecida Rainha Elizabeth II, que ao longo dos seus 70 anos no poder, teve que se adaptar a diversos cenários, desde de guerras, crises econômicas e modernizações. Vale lembrar que o casamento de Elizabeth II provocou a maior transmissão de rádio da história e a sua coroação foi a primeira a ser transmitida ao vivo. Mais recentemente, ela também teve perfis oficiais criados nas redes sociais e chegou a participar de um filme da franquia de James Bond, em 2012, o que contribuiu para que a família real fosse se adaptando, de maneira resistente, às transformações.
Com o tempo, o interesse do público e dos tabloides transcendeu o das agendas políticas dos membros da família e estes veículos quiseram, cada vez mais, mergulhar nas intimidades, nas fofocas e escândalos da realeza. Para a jornalista Amanda, isso foi usado como estratégia de imagem da monarquia: expor as suas vidas pessoais. Mas a tática trouxe consequências, fazendo com que fossem grandes alvos do assédio da imprensa, como afirma a jornalista:
“A Coroa percebeu que o seu esplendor poderia ser uma estratégia publicitária para se manterem relevantes. Eles começaram a expor parte de suas vidas pessoais, mas é preciso encontrar um equilíbrio de ambos os lados. Já que, por exemplo, no caso do casamento do príncipe Harry com a duquesa e ex-atriz Meghan Markle, o assédio da imprensa foi tanto que vários veículos acabaram sendo processados pela Lei de Proteção de Dados (2018) da União Europeia, e eventualmente o casal deixou a vida pública para viver nos EUA” diz ela.
A monarquia sempre encantou à todos com a sua luxuosidade, poder e tradição, despertando o interesse do público. A historiadora Saionara completa dizendo “A monarquia sempre teve o lugar de celebridade. Mesmo o conceito de celebridade sendo atual e temporal, pode-se enxergar essa visão única e especial que a monarquia cria ao seu redor”, diz.
Segundo ela, toda essa popularização da realeza britânica impacta a economia do Reino Unido, atraindo muitos visitantes para o país. Principalmente em eventos como a coroação do último sábado (6). Apesar de ser um assunto conflitante, sabendo os gastos gerados pela família real, esse pode ser um dos motivos da longevidade da Coroa, pois ela movimenta bilhões de libras. Como salienta Amanda:
“A popularização da família Real como figuras públicas, quase como artistas, atraiu a curiosidade das pessoas do mundo todo. Há aqueles que viajam milhares de quilômetros apenas para visitar seus enormes e pomposos palácios, ver as joias da Coroa e os artefatos históricos em exibição, o que causa um impacto econômico bilionário para o Reino Unido. Para se ter uma ideia, em 2017, a família gerou 1.7 bilhões de libras esterlinas (R$10.6 bilhões na cotação atual) para a economia do Reino Unido. Isso é uma soma do dinheiro de turismo, dos negócios da família, arte e outras formas também”, diz a jornalista.
Ela menciona ainda o fato de que as roupas utilizadas pelos membros da família se esgotam rapidamente nas lojas e são muito reproduzidas por outras marcas, como foi o caso do anel de noivado e o vestido de casamento da então duquesa de Cambridge, e hoje princesa de Gales, Kate Middleton (foto abaixo).
Os interesses pela vida dos membros da família real são tantos que começaram a ser produzidos documentários, biografias e, atualmente, diversas produções ficcionais como séries e filmes tendo o grupo como inspiração. A série “The Crown”, original Netflix, é um dos exemplos atuais, que acabou se tornando um fenômeno global. A trama retrata a vida da Rainha Elizabeth II desde do seu casamento. A produção se tornou material de estudo do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Amanda.
“Sobre ‘The Crown’, é interessante destacar uma pesquisa feita pelo jornal britânico, ‘The Sunday Times’, com membros da audiência da série, em 2020, que revelou que um terço dos entrevistados mudaram o seu pensamento sobre a família Real de forma positiva após assistirem a obra”, destaca ela.
A jornalista alerta sobre esses tipos de produções midiáticas que mergulham no íntimo dos monarcas e humanizam essas figuras. Apesar de se basearem em acontecimentos históricos, os produtores e roteiristas têm liberdade artísticas e as produções podem não retratar o que realmente aconteceu.

Segundo ela, essas criações terão um papel fundamental na formação da memória social que vai ser herdada sobre os acontecimentos históricos e a vida dos personagens, com tantas produções audiovisuais geradas ao longo dos últimos anos. Parte dessa memória social que temos hoje são os escândalos, do agora Rei Charles III, e será um desafio para o novo monarca contornar a sua baixa popularidade para manter o poder da família. A professora de História aponta quais serão esses desafios:
“Os desafios de Charles são muitos. Ele carrega duas heranças extremamente negativas. Uma criada por si mesmo, a má reputação, a trágica morte da princesa Diana, os escândalos políticos e matrimoniais, o segundo casamento e agora as revelações do filho Harry. A outra é o fato de que Elizabeth governou por muitos anos, assumiu uma postura sólida e extremamente firme em toda sua trajetória política, mas não conseguiu transmitir ao filho esse poder e essa visão social. Charles assume uma monarquia pós a Era Elizabeth, o que dificulta a separação e a comparação entre os dois”, revela.
A Rainha Elizabeth II foi a figura mais popular e respeitada da família real nos séculos XX e XXI. Sempre colocou a Coroa em primeiro plano, manteve uma postura neutra e foi assim que passou por diversas crises no mundo e garantiu a continuidade de seu poder. Agora resta saber se o novo monarca e suas relações públicas vão conseguir contornar todos esses desafios e garantir que a sucessão ocorra. Amanda tem uma visão pessimista quanto a isso.
“Para aqueles que apoiam a permanência da realeza britânica, devem torcer para que o novo soberano consiga navegar as crises até que seu sucessor, o príncipe William de Gales e sua esposa, a princesa, Kate Middleton, ascendam ao poder. Não é infundado pensar que esta pode ser a última coroação da história da família britânica, caso o monarca afunde a sua popularidade” afirma ela.
Já a professora preferiu ser um pouco mais cautelosa para prever o futuro do trono. “Não posso responder com segurança, se a monarquia está próxima do seu fim. Já ocorreram inúmeras crises monárquicas, mas todas acabaram sendo muito bem superaras. Teremos que aguardar o sentido e os caminhos do novo governo”, diz.
Charles enfrentará um desafio completamente novo, diferente de sua mãe que cresceu acompanhando grandes transformações ao longo do tempo. Ele terá que se adaptar de forma mais rápida às novas evoluções tecnológicas e driblar seus casos polêmicos com a mídia em nome da longevidade do trono. Com o apoio de seu filho Willian, príncipe de Gales, que mantém a sua popularidade e dá esperanças à monarquia inglesa, ele tem chances de fazer com que as futuras gerações do Reino Unido cresçam sobre a presença da família real mais conhecida pelo mundo.
Foto de capa: Reprodução/Twitter
Reportagem de Nathalia Bittencourt, com edição de texto de Gabriel Ribeiro e de Daniela Oliveira
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vc mesmo que escreveu? top
Excelente texto… conteúdo abrangente e de fácil compreensão 👏👏!
Parabéns excelente texto. Ficou top. João Maciel.
Mto boa reportagem.
Aguardemos novos tempos para a monarquia.
Um belo resumo da monarquia, me mostrou uma visão diferente que eu imaginava. Não via os escândalos narrados pelas mídias como algo que afetasse a monarquia a ponto de extinguir. Estarei atenta aos fatos para que supere os escândalos e possa ainda atravessar por muitos anos a monarquia.
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