O Gualín do TTK, ou língua do Catete, foi criado por moradores do bairro do Catete, na zona sul do Rio de Janeiro, na década de 1960, com o intuito de driblar a repressão da ditadura militar. A fim de se comunicar de uma forma que os militares não entendessem, os moradores mudavam a ordem das sílabas das palavras, ou seja, falavam as frases de trás para frente. Com praticantes até hoje, o Gualin do TTK é considerado a segunda língua da cidade do Rio de Janeiro.
De acordo com o especialista em Linguística e pesquisador Felipe Vital (foto abaixo), o TTK surgiu como um ato de resistência dos habitantes do triângulo conhecido como KGL (Catete, Glória e Lapa).
“A inversão da ordem de leituras das palavras bases do português (catete > tetecá) possibilitava que o conteúdo da mensagem fosse criptografado. Esta característica do Gualín propiciou que grupos tidos como subversivos pudessem driblar a repressão, servindo como um dos eixos da resistência”, explica o Doutorando em Teoria Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Com o afrouxamento da ditadura na década de 80, o movimento do hip-hop e do skate adotaram o Gualín como forma de pertencimento e representatividade dos frequentadores do KGL. Segundo o especialista, o Gualín constituiu-se como força motriz da criação da identidade KGL, a partir de movimentos sociais que ocupavam as ruas do Catete, Glória e Lapa.
“De um ponto de vista propriamente linguístico, a Gualin mostra como falantes de uma língua, em suas distintas manifestações sociais e culturais, mostram a riqueza da própria língua, que varia e se modifica também para representar estas manifestações, uma vez que elas estão sempre a serviço de necessidades comunicativas de algum grupo social”, destaca o pesquisador.
Gualín e a música
Atualmente nomes como Filipe Ret, Marcelo D2 com seu filho, o também rapper Sain, BK’ e Akira Presidente carregam as tradições do Gualín nas suas escritas e referências.
Felipe Vital classifica esse movimento como o que permitiu que a língua se expandisse para além de seus limites regionais. Para ele, a internet também foi um dos fatores que contribuíram para o estilo ser cada vez mais pela população.
“Com a aceitação popular que o rap começou a ter, penetrando em camadas sociais mais altas, e com a influência da internet na vida das pessoas e nas formas como se relacionam com o mundo, essas figuras levaram o Gualín para além dos limites territoriais destes bairros adjacentes”, aponta o Doutorando.
O rapper Filipe Ret, além de usar o Gualín nos seus sons, também produziu e atuou como diretor criativo do documentário “Tributo ao TTK”, lançado em 2021 pela Amazon Music. O registro mostra como o bairro do Catete, que já foi residência oficial da presidência da República, tornou-se o berço da cultura urbana carioca de hip-hop, skate e pichação, e explica como os rappers citados se aproximaram do Gualín.
Descrever o Gualín como um ato de resistência à repressão durante a ditadura militar também simboliza a herança deixada para a identidade do triangulo KGL. Ao final, a língua é um patrimônio cultural e se confunde com a historia da comunidade e dos moradores.
O pesquisador e especialista em linguística Felipe Vital pode ser encontrado em seu Instagram.
Foto de capa: Yiannis Vacondios/Wikimedia Commons
Reportagem Jorge Barbosa, com edição de texto de Anne Rocha e Daniela Oliveira
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