Da sala de aula Sociedade

Pobreza menstrual: colocando em evidência a desigualdade social e a misoginia

Relatório feito pela UNICEF afirma que das 60 milhões de pessoas que menstruam no país, cerca de 15 milhões não tem acesso a produtos de higiene menstrual

A expressão “pobreza menstrual” é definida como a falta de recursos para manter a higiene íntima, saneamento básico e infraestrutura adequada para uma dignidade menstrual. Desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU), a inclui como um problema de saúde pública e dos direitos humanos. Essa problemática afeta muitas mulheres, principalmente as de baixa renda.

De acordo com um relatório feito pela UNICEF publicado em julho de 2023, das 60 milhões de pessoas que menstruam no Brasil, cerca de 15 milhões, não têm acesso a produtos de higiene menstrual. A pobreza menstrual é silenciada em diversos países, e o Brasil é um deles.

Maria Campos, 38 anos, é uma mulher em situação de rua que vive próxima à Central do Brasil, no Centro do Rio. Ela conta que seus pais morreram quando tinha uns 15 anos em um acidente de carro. Logo quando aconteceu, foi morar com a avó, mas ela se foi um ano depois por um AVC, e Maria ficou sem ter para onde ir. Chegou a ficar de favor na casa de amigos, só que não queria incomodar, e foi parar no terminal. Hoje, vendendo latinhas para conseguir se alimentar, Maria conta os desafios de ser uma mulher que menstrua e mora na rua.

“Sempre passo um sufoco nos meus períodos menstruais, não tenho dinheiro para absorventes. Às vezes, vejo alguma mulher e peço, mas nem sempre me dão ou nem fazem questão de me olhar. A gente que mora na rua é visto como invisível. Eu coloco o que tiver no momento para controlar, já usei pano que achei no lixo e papel higiênico dos bares quando me deixam entrar. As vezes coloco o que achar primeiro na frente, até folhas de árvore já usei. Infelizmente essa é a minha realidade”, relata Maria.

Para Simone dos Santos, 43 anos, também mulher em situação de rua na Baixada Fluminense, é difícil até mesmo tomar banho, pois não é todo bar que permite o uso de seus banheiros de graça. Segundo ela, a solução muitas vezes é colocar qualquer pano que encontra para segurar a menstruação.

“A gente lida com muitas situações ruins, sabe? Nem sempre nos deixam tomar banho nos bares de graça, eu já fiquei meses sem. Geralmente não tenho dinheiro para me alimentar, como pode sobrar para comprar absorvente? Coloco pano que acho por ai. É sempre a única opção, minha filha”, conta Simone.

Apesar dos avanços, a menstruação ainda é vista como um tabu, justamente pela falta de informação e misoginia. É importante frisar, que não estamos falando só de mulheres em vulnerabilidade social, mas das que estão privadas de liberdade também. Essa sempre foi uma questão a ser levantada, e por anos, invalidada.

No entanto, 2023 está sendo um ano de avanço. A Deputada Renata Abreu (Podemos-SP) foi responsável pelo Projeto de Lei 59/23, que obriga penitenciárias femininas a oferecerem às presas produtos de higiene pessoal, e fraldas infantis para mães acompanhadas dos filhos nos primeiros momentos de vida. A Câmara dos Deputados aprovou também em 2023, o Projeto de Lei 4968/19, que prevê a distribuição de absorventes em escolas para meninas em vulnerabilidade social. A autora é a deputada Marília Arraes (PT-PE), com outros 34 parlamentares.

Recentemente, foi movida outra ação implementada a fim de combater essa problemática. De acordo com o Ministério da Saúde, o Presidente da República, Luiz Inácio da Silva, assinou um decreto permitindo a distribuição gratuita de itens de higiene para mulheres, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse projeto pretende contemplar cerca de 8 milhões de pessoas, com um orçamento de R$ 418 milhões.

Em algumas regiões, uma mulher quando está menstruada, é vista como impura ou suja. O vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2019, “Absorvendo o Tabu”, retrata justamente essa realidade, principalmente pelo constrangimento das mulheres em falarem sobre. Existe muita desinformação sendo perpetuada por meio de gerações de homens, que não sabem o básico sobre um assunto da fisiologia feminina. Essa problemática não vem só de regiões em vulnerabilidade social que não tem recursos para terem acesso à informação, mas sim, de uma geração que passa horas no celular.

Mulher comentando sobre a desinformação de seu namorado. Reprodução: Twitter

Tabu até na palavra “menstruação”
A palavra “menstruação” quase não é usada pelos mais velhos, existem diversos codinomes para se referirem a ela. Justamente por terem sido criados como se esse momento na vida das mulheres fosse errado. Gerações anteriores sofreram ainda mais com isso, pelo medo e vergonha.

Quem comenta sobre o assunto é Célia Maria, de 78 anos. Célia vem de uma família que via a menstruação como algo errado e sujo. Quando menstruou pela primeira vez, ficou com vergonha de contar para a mãe, achou que a bateria. A mãe acabou descobrindo em um determinado momento, mas não explicou para Célia como lidar com a menstruação, apenas dava retalhos de panos que sobravam das roupas que ela costurava. Na época, Célia teve que passar por isso sem o apoio maternal, e conta que só usou absorvente anos mais tarde, quando já tinha a vida construída e se sustentava.

“Eu fiz questão de mudar essa narrativa com minhas filhas e netas. Sempre deixei claro que era normal, que era uma coisa boa e significava que elas estavam crescendo de forma saudável. Graças a Deus, para elas, nunca faltou nada. Sempre pude as manter com dignidade menstrual”, diz ela.

Hellora Nascimento, é responsável pela ONG “Nós Por Elas”, que está no ar desde 2022, com ajuda de voluntários e doadores, combatendo a pobreza menstrual. A criadora do projeto conta que a ideia da ONG se deu por uma experiência que ela teve ao realizar uma doação de alimentos para moradores em situação de rua. Hellora perguntou para uma garota de cerca de 13 anos se ela já havia faltado à escola pela falta de um absorvente, e a resposta foi sim. Depois disso, a idealizadora do projeto criou o sonho de acabar com esse problema.

“Nosso intuito é combater a pobreza menstrual. Damos ferramentas para que as jovens voluntárias se tornem líderes, e façam ações de arrecadação e kits de absorventes, para atender as comunidades vulneráveis”, conta Hellora.

Fundadora da ONG com o primeiro banner do projeto. Reprodução: Instagram

Além das entregas de itens de higiene, a ONG também compartilha diariamente informações sobre a saúde íntima feminina em suas redes sociais e site. “Nós Por Elas” ajuda diversas mulheres por vários Estados pelo Brasil. Qualquer ajuda é fundamental, além da opção de entregar doações em pontos físicos, a colaboração também pode ser feita através do Pix: nosporelasong@gmail.com

É primordial não somente pôr essa pauta em evidência, mas também, colaborar com quem luta todos os dias pelas mulheres. Pensando nisso, segue a baixo uma lista com alguns outros projetos que se mantém com doações.

Projeto Absorver – @_projetoabsorver
Fluxo Sem Tabu – @fluxosemtabu
Absorvente Das Manas – @absorventedasmanas
Arrecadando Com Amor – @arrecadandocomamor
ELZAs – @elzas.br
Ativismo Menstrual – @ativismomenstrual
GAS (Elas Também Sangram) – @gas.ets
Projeto Sem Pobreza Menstrual – @sempobrezamenstrual
ONG Absorvendo Amor – @absorvendoamor

Reportagem realizada por Luma Garcia para a disciplina de Jornalismo Independente, ministrada pela professora Daniela Oliveira.

LEIA TAMBÉM: Senado autoriza texto que antevê a distribuição de absorventes gratuitos para mulheres
LEIA TAMBÉM: Nem gorda, nem magra: mulheres midsize na sociedade contemporânea

Agência UVA é a agência experimental integrada de notícias do Curso de Jornalismo da Universidade Veiga de Almeida. Sua redação funciona na Rua Ibituruna 108, bloco B, sala 401, no campus Tijuca da UVA. Sua missão é contribuir para a formação de jornalistas com postura crítica, senso ético e consciente de sua responsabilidade social na defesa da liberdade de expressão.

2 comentários em “Pobreza menstrual: colocando em evidência a desigualdade social e a misoginia