Comportamento Crônica

Morrer de rancor e continuar vivendo

A estreia da escritora Larissa Martins marca o luto pela morte de sua expectativa romântica.

Por Larissa Martins

Eu tenho vivido o luto de “alguma coisa” há 52 dias. “Alguma coisa”, pois o que houve nunca teve nome, apenas uma promessa de um futuro relacionamento. “Estou ficando só com você, sua boba” para mim, uma pessoa que leva tudo muito a sério, foi o suficiente para me fazer crer em uma felicidade iminente. Se eu me esforçasse mais e tivesse mais paciência, isso iria se realizar, porém não aconteceu. 

O que me incomoda não é a desistência do outro, mas a negação de que algo iria se concretizar. “Desculpa se te passei essa impressão, mas nunca me imaginei em um relacionamento sério, nem casual com você, eu só queria ver onde isso ia dar” vindo de uma pessoa que eu nem queria no início foi um tiro no meu ego. Confesso que gostava da admiração que recebia, e me apeguei a declarações como “somos um casal tão fofo” e “eu sempre gostei de você, mas não tinha coragem para admitir”. 

Se sentir descartável é ruim, mas é pior se sentir trocada. O garoto que estava “deprimido demais para entrar em um relacionamento” foi capaz de se envolver em um duas semanas após o término, ou até menos, não tenho certeza. A raiva que senti – e sinto – me consome como um veneno, atrapalha meu desempenho profissional e perturba a minha paz. 

A sensação de mal-estar é vaga, mas a cura é precisa: sair mais, conhecer novas pessoas, evitá-lo o máximo possível. Esta última faço com maestria, exceto por quando eu o vejo, e sinto meu coração acelerar e as minhas mãos a suarem frio – clássica reação de um ataque de ansiedade. Reconheço a respiração ofegante e meu primeiro instinto é fugir. Minha mente – sempre tão lógica e racional – sabe que ele não pode me fazer mal, mas meu corpo reage de outra forma. 

Não sei se é possível morrer de rancor. Só no mês passado morri e renasci duas vezes, o que faz parte de ser mulher. Quero evitar isso também. Eu, que me achava tão sábia por não entrar em discussões que não levam a nada, fico na espera de alguma coisa. Um pedido de desculpas, talvez. O reconhecimento de que ele errou e eu não mereço isso, mas sei que isso não vai acontecer, ele não sente remorso por ser assim.  

Quero desentalar tudo o que está preso na minha garganta, quero explodir e depois catar os caquinhos, pegar o que restou e transformar em uma coisa nova. Qual é o objetivo de gritar se não tem ninguém pra te ouvir? 

Eu, que sempre fui tão cautelosa e desconfiada, não consegui prever que estaria passando por isso. Fui enganada, iludida e manipulada por um mentiroso, que não se importa em como me sinto. A “princesinha alto-astral” se tornou uma pessoa angustiada. 

Minha amiga disse que o tempo cura todas as feridas, mas o tempo está passando e ainda me sinto mal. Portanto, aproveito a oportunidade de escrever essa crônica, em uma tentativa de exorcizar os meus demônios. 

Para você, que disse ler todos os meus textos, este é sobre você.

Foto de capa: Freepik

Crônica por Larissa Martins, com edição de texto de João Agner.

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10 comentários em “Morrer de rancor e continuar vivendo

  1. Avatar de Larissy

    que coragem que garra te admiro tanto!!

  2. Avatar de Nathalia Andrade
    Nathalia Andrade

    por um mundo com menos homens!!! e ao mesmo tempo QUE TEXTO conseguiu descrever o que (com certeza) todas nós mulheres já passamos pelo menos uma vez na vida, muito sucesso lari!! ❤️🚀

  3. Avatar de Lucia Martins Lopes
    Lucia Martins Lopes

    Fala pro seu analista, fala pra Deus, para o seu cachorro e para o mundo também, pois se não falar, o corpo fala!

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