Da sala de aula

Guerra nos estádios: a violência no futebol

Casos reincidentes de brigas geram medo e afastam torcedores cariocas dos estádios

por Wilson Maia

Era dia 5 de fevereiro de 2017. Pedro Scudieri, torcedor do Fluminense, retornava para casa após assistir ao jogo Fluminense x Portuguesa em Xerém, quando foi surpreendido e agredido violentamente com golpes de barra de ferro por membros da Torcida Força Jovem do Vasco. Pedro precisou passar por diversas cirurgias e tem graves sequelas até hoje.

Esse é um caso emblemático, que retrata como o ambiente futebolístico se tornou perigoso. Além da violência cotidiana do Rio de Janeiro, o torcedor que frequenta estádios convive com outro medo: sofrer algo por vestir a camisa do seu time. Uma pesquisa realizada em 2019 pela empresa Novas Arenas comprovou esse cenário ao entrevistar 1.687 cariocas e ter a insegurança como o motivo mais citado entre os torcedores para não ir ao estádio de futebol.

Pedro Scudi  no hospital, durante a recuperação após agressão (Foto: Reprodução)

Os casos de violência entre torcidas no Rio de Janeiro são comuns. Atualmente, os quatro grandes times do Rio têm torcidas organizadas suspensas de frequentarem estádios, Fúria Jovem, do Botafogo; Raça Rubro-Negra e Torcida Jovem, do Flamengo; Young Flu, do Fluminense; e Força Jovem, do Vasco. Cada uma está suspensa por motivos diferentes, que vão de brigas até homicídio.

As torcidas organizadas surgiram na cidade carioca por volta dos anos 40, visando engrandecer o espetáculo do esporte que se tornava cada vez mais popular no país. De início, elas contribuíram na inibição dos desentendimentos entre torcedores que aconteciam nas arquibancadas, mas, com o passar dos anos, cresceram de forma exponencial e cada vez se tinha menos controle sobre elas. Com o aumento da violência nos estádios, surgiu a necessidade de treinar policiais de forma especializada, para atuarem em situações de conflitos nesse ambiente, nascendo assim o Grupamento Especial de Policiamento de Estádios (GEPE), o atual Batalhão Especializado em Policiamento em Estádios (BEPE).

Policiais do BEPE que trabalharam no jogo entre Vasco e Cruzeiro, no Estádio do Maracanã, dia 12/06, falam sobre como é a experiência de atuar em uma partida.  “A gente faz de tudo para o jogo correr bem, para o torcedor poder curtir a partida em paz, mas o tumulto as vezes é inevitável. É muito comum a situação de brigas dentro da própria torcida. O que a gente faz é tentar realizar nosso trabalho, e o nosso sentimento é de sempre torcer para o time da casa, pois assim a torcida que está em maioria dá uma segurada nos ânimos”, conta um policial, que não quis se identificar. Além do BEPE, a Guarda Municipal do Rio de Janeiro também atua nos entornos dos estádios em dias de jogos, realizando ações preventivas de patrulhamento e ordenamento urbano.

Policiais do BEPE no Maracanã durante um dia de jogo
(Foto: Wilson Maia)
 

“Nosso trabalho é voltado para o controle de trânsito e ordenamento urbano durante a partida. O BEPE existe para ter o contato com o torcedor, mas a gente aqui da Guarda Municipal também passa por algumas situações com as torcidas. A maior dificuldade é o contato com as organizadas, há muita situação de briga entre eles, é bem trabalhoso, sempre muito tenso, principalmente nos jogos de maior apelo”, conta um guarda municipal, que prefere não se identificar.

Quando o assunto é violência no âmbito futebolístico, as torcidas organizadas estão no centro de intensos debates. Enquanto muitos são favoráveis, outros são contra a existência dessas torcidas. Ao mesmo tempo em que contribuem para os tradicionais espetáculos e fazem parte da cultura brasileira, elas carregam históricos de confusões.

Esse ano alguns casos repercutiram na mídia, como um conflito após um jogo entre Flamengo e Botafogo em fevereiro, pelo campeonato estadual, no qual torcedores dos dois times brigaram na Zona Sul do Rio de Janeiro. Um torcedor acabou preso e dois saíram feridos. Além disso, foram apreendidos no local pedaços de madeira e ferro. Outro caso que repercutiu em 2022 aconteceu em um dia de clássico entre Fluminense e Botafogo, quando mais de 170 torcedores de organizadas de ambos os times foram detidos pela Polícia Militar. Junto com eles os policiais apreenderam cocaína, granada caseira, balaclava, rojões, protetores bucais de lutadores e um soco inglês.

Representantes de torcidas organizadas suspensas em reunião com o governo do Rio
(Foto: Marino Azevedo / Governo Rio)

Para compreender um pouco mais da complexidade das torcidas organizadas, Junior Almeida, de 32 anos, ex membro da torcida Young Flu, explica: “Fiz parte da Young na década passada. É muito errado resumir as organizadas à violência. Eu fazia parte do núcleo de festa, ajudava a organizar o material da torcida, limpava bandeiras, entre outras coisas. Mas é tudo muito complicado mesmo. Já presenciei uma grande briga entre a Young e a Força Jovem. E saí de lá por medo, por mais que eu não fosse da “linha de frente”, uma hora ou outra podia acontecer algo comigo”.

Esses conflitos todos acabam afastando algumas pessoas do estádio. Luis Felipe, de 23 anos,  é torcedor do Vasco e relata seu medo. “Eu ia em praticamente todos os jogos do Vasco em São Januário, mas em 2019 eu presenciei uma briga. Foi uma situação bem tensa, quase fui atingido no meio da confusão, fiquei um pouco traumatizado, agora não vou mais com essa frequência, tenho um pouco de medo ainda”.

Luis Felipe em São Januário em dia de jogo do Vasco
(*Foto: Acervo Pessoal)
 

O fato é que medidas precisam ser tomadas. É urgente a busca por soluções que deem fim a esse cenário caótico. O estádio de futebol, que teve papel importantíssimo na formação da identidade do cidadão carioca, não pode ser um lugar de medo, somente um lugar de festa e lazer. Paz nos estádios.

Reportagem realizada por Wilson Maia para a disciplina Apuração, Pesquisa e Checagem, ministrada pela professora Maristela Fittipaldi

Agência UVA é a agência experimental integrada de notícias do Curso de Jornalismo da Universidade Veiga de Almeida. Sua redação funciona na Rua Ibituruna 108, bloco B, sala 401, no campus Tijuca da UVA. Sua missão é contribuir para a formação de jornalistas com postura crítica, senso ético e consciente de sua responsabilidade social na defesa da liberdade de expressão.

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