Por Giovane Fazello
Durante o auge da pandemia, entre 2020 e 2022, vendedores ambulantes viveram uma grande crise em suas vidas, recorrendo apenas ao auxílio emergencial e a certos serviços prestados. Com o relaxamento das medidas de restrição e o retorno das atividades presenciais, as expectativas são de que as vendas voltem a ser como antes, mas o atual custo de vida é um grande empecilho tanto para as vendas quanto para a compra de necessidades básicas.
A população vem sofrendo com a inflação no preço dos produtos nos supermercados, e para poder fazer as compras do mês, deixa de consumir outros produtos. É o que relata Wander Duarte Salvador, de 46 anos. “Muito por conta do custo de vida caro, minha clientela está parando de comprar meus produtos”, diz Wander.
O vendedor trabalha há mais de 20 anos carregando seus produtos em duas bolsas, uma com seus lanches e outra com dois galões com cinco litros de refresco, indo de loja em loja no Norte Shopping. Wander mora com sua esposa e seus dois filhos na Zona Norte do Rio e hoje está precisando recorrer a outros serviços para completar o salário do mês, como o de higienização automotiva.
Durante a pandemia, Wander esteve totalmente sem perspectiva, ficando sem trabalhar por dois meses, vivendo apenas de seis parcelas de auxílio emergencial, e dependendo de sua mulher, que é funcionária pública. Após esse período, o vendedor decidiu fazer deliverys de massas pelo WhatsApp. Porém, parou após cinco meses, voltando aos shoppings, pois com o delivery não ganhava nem 50% do que recebia antes. “Hoje, minha única visão de futuro é sobreviver com dignididade”.
É o caso também de Jackson de Jesus, de 47 anos, vendedor, dono do Pão de Queijo Universitário, localizado em frente ao campus Tijuca da Universidade Veiga de Almeida. Pelo fato de a maior parte de sua clientela ser de estudantes, Jackson sofreu fortemente durante a pandemia, tendo uma queda de lucro para 5%, se comparado ao seu ganho antes da pandemia, quando estava em seu auge.

(Foto: Giovane Fazello)
Hoje, o vendedor, que mora em Bonsucesso, está voltando aos poucos para sua realidade com sua esposa e seus dois filhos, mas relata que as pessoas não andam comprando como antes.
“A melhor economia é não gastar”, diz Jackson, entendendo o momento de crise no país com o elevado custo de vida.
Jackson começou a trabalhar como ambulante em 2017, junto de sua esposa, vendendo pães de queijo, e durante o auge da pandemia, sua família vivia apenas utilizando um dinheiro guardado na poupança que tinham e com o auxílio emergencial que ele e sua esposa receberam durante quatro meses. Quando as parcelas acabaram, Jackson voltou a sua rotina, indo até a Tijuca às 5h da manhã, tentando vender para quem ainda trabalhava presencialmente no bairro.
A mesma dificuldade neste momento de crise é enfrentada por vendedores ambulantes de transporte público, que sofrem absurdos que passam despercebidos. É o que relata um vendedor que trabalha no trem, que prefere permanecer em anonimato, pois tem medo do que pode sofrer entre os próprios ambulantes.
Ele relata que seus próprios “companheiros de trabalho” não se apoiam e vivem uma grande disputa entre si. “Um verdadeiro inferno, cheio de violência e agressões”. O vendedor, que trabalha há quatro anos no meio, já testemunhou agressão com arma branca e empurrões para o vão do trem.

(Foto: Giovane Fazello)
O vendedor, que tem filhos em casa e mora com sua mãe, diz que vai trabalhar sem saber se vai poder voltar para casa. Atualmente, ele consegue ganhar somente 100 reais por dia com as vendas no trem, tendo que comprar remédios controlados para ansiedade e comida para os filhos.
Antes da pandemia, ele relata que conseguia 1.000 reais por semana, mas durante o período mais intenso da doença, teve que trabalhar na feira com seu pai, tendo uma queda para apenas 20 reais por dia. Com o futuro incerto, o vendedor almeja terminar o Ensino Médio e fazer cursos de especialização.

(Foto: Giovane Fazello)
Para explicar a crise econômica e o que a população passou durante a pandemia, a professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maria Malta, diz que durante esse período as pessoas começaram a ter um gasto que não tinham antes, como a compra de máscaras e remédios: “Quem recebe um salário-mínimo sente no bolso esse novo tipo de comportamento”.
A professora de 47 anos conta que, por conta da pandemia, o Brasil passou por uma grande desvalorização cambial, fazendo com que a precificação das necessidades básicas fosse a valores altíssimos. E o salário-mínimo não acompanhou essa alta nos preços, se mantendo estável desde sempre, com a média de 1.000 reais.
“O trabalhador vive na ponta do lápis e na beira da corda bamba”, diz Maria sobre a situação econômica atual da população.
Com a defasagem no salário mínimo, a conta não fecha. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) mostra qual seria o valor ideal do salário-mínimo de acordo com a situação atual da economia no país. O cálculo do DIEESE é baseado em como seria o salário-mínimo para sustentar uma família de quatro pessoas, considerando gastos com moradia, transporte, alimentação, saúde, educação, vestuário, higiene, lazer e previdência, ou seja, necessidades básicas para qualquer pessoa.

(Tabela/DIEESE)
Maria Malta explica que o salário-mínimo deveria acompanhar a alta precificação das necessidades básicas, amenizando o custo de vida da população. “Mas infelizmente o preço é flexível para cima”, diz a professora sobre a dificuldade da diminuição do preço de produtos
Para reverter esta situação, a professora de Economia diz que deve haver uma política macroeconômica de maior intervenção, com um planejamento de redução da taxa de juros, o que, assim, irá diminuir a dívida pública e, ao mesmo tempo, aumentar o consumo.
Programas da Prefeitura do Rio
Com a economia nessa condição, grande parte da população sofreu financeiramente. Com toda urgência, durante a pandemia, a prefeitura do Rio de Janeiro apresentou quatro programas emergenciais para ajudar as pessoas que mais foram impactadas pela crise pandêmica. Em 2021, foram três: o Auxílio Empresa Carioca, o Crédito Carioca e o Auxílio Carioca. Todos eles juntos tiveram um custo total de mais de doze milhões de reais, ajudando na renda dos grupos mais necessitados, além de dar kits médicos e ajudar na educação financeira, como é o caso do Crédito Carioca, de acordo com Marcel Grillo Balassiano, subsecretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação na SMDEIS.
O subsecretário diz que a criação dos auxílios não é uma solução para os problemas das pessoas mais necessitadas economicamente: “O próprio nome diz, ele é emergencial, não é uma solução. Ele é uma medida paliativa para o momento crítico, feito para pessoas mais pobres terem o que comer. A única solução, de fato, foi a vacina, para que a vida voltasse ao normal.”
Já no início de 2022, foi implementado o Auxílio Ambulante Carnaval de Rua, pois, por mais um ano, não haveria Carnaval, dessa vez por conta da variante Ômicron. Portanto, com os ambulantes sendo alguns dos trabalhadores mais afetados pela falta do evento, a prefeitura do Rio criou em parceria com a Rio Tour, o auxílio, tendo a Dream Factory como produtora.

(Foto: Slide/SMDEIS)
No último carnaval, em 2020, 9.262 ambulantes foram licenciados, segundo o Carnaval de Dados, em publicação feita pela SMDEIS/FJG. Em 2022, a meta era que esses mesmos 9 mil ambulantes recebessem a parcela única de 500 reais, mas pela falta de informação por conta da fraca campanha criada em torno do programa, apenas 5 mil ambulantes se inscreveram e receberam a parcela. O único programa mantido até hoje pela prefeitura do Rio é o Crédito Carioca, criado em apoio ao micro e pequeno empreendedor.
Para saber mais sobre o programa, acesse: https://www.creditocarioca.com.br
Reportagem realizada por Giovane Fazello para a disciplina Apuração, Pesquisa e Checagem, ministrada pela professora Maristela Fittipaldi
Excelente matéria.