por Isabelle Valente
Em uma sociedade patriarcal, marcada por ideais machistas e estereótipos sociais, ser mulher é desafiador. Ao serem criticadas e desvalorizadas no campo profissional, muitas representantes do sexo feminino encontram no empreendedorismo o caminho para o empoderamento e a independência. Segundo dados da Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor 2020 (GEM), em parceria com o Sebrae, o Brasil é o sétimo país com o maior número de mulheres empreendedoras no mundo. Dos 52 milhões de empreendedores no país, elas somam 30 milhões. Quanto aos microempreendedores individuais (MEI), representam 48% do total. Esses dados significam o crescimento da participação da mulher na sociedade e um grande passo para o fim de sua submissão ao marido.
O modelo da família patriarcal, principal base no desenvolvimento social do Brasil, colocou o homem no centro, detentor de todo poder, considerado superior em relação a outros gêneros e orientações sociais. Nesse sentido, cabia à mulher ser submissa ao seu marido, obedecer, cuidar das tarefas domésticas e da família. Ao passar do tempo, a sociedade evoluiu, mas os estereótipos permaneceram. Dessa forma, a figura feminina precisou lidar com olhares julgadores em todos os âmbitos de suas vidas, principalmente, no mercado de trabalho. Devido ao gênero, representantes do sexo feminino são desvalorizadas, desprezadas e consideradas incapazes de realizar determinadas atribuições. A elas são destinadas funções consideradas mais fáceis, vagas em cargos secundários e salários inferiores aos dos homens.
Entretanto, um setor passou a ser dominado majoritariamente pela presença feminina: o empreendedorismo. Em meio a tantos julgamentos severos e à necessidade de provar sua qualificação para a sociedade, trabalhar de forma autônoma foi a saída para muitas encontrarem independência financeira, flexibilidade com a jornada doméstica (exercida em grande parte pelo sexo feminino) e o caminho para lutar pela igualdade de gênero e seus direitos. O empreendedorismo feminino compreende os negócios que são comandados e idealizados por uma ou mais mulheres e requer coragem, determinação, inovação e resiliência para lidar com os obstáculos do mundo empreendedor.
Determinação é a característica de Lorena Alves, que hoje, aos 26 anos, sobrevive do seu empreendimento. Aos 15 anos, no interior de Minas Gerais, morava com sua família e, para ajudar nas despesas do lar, precisou começar a trabalhar. No salão de beleza próximo a sua casa, passou a ser ajudante da cabeleireira, escovando cabelos e aprendendo um pouco sobre como fazer unhas.

(Foto Acervo pessoal)

(Foto Acervo pessoal)
Ao mudar-se para o Rio de Janeiro, trabalhou como faxineira para custear um curso de aperfeiçoamento de manicure e conseguiu um emprego no salão de beleza. “Fiquei trabalhando como faxineira e manicure, conseguia uma pequena renda extra, mas não consegui atingir meu objetivo”. Seu desejo era ser sua própria chefe, ser independente e conseguir viver de forma estável trabalhando como manicure, por isso, após um tempo, tomou coragem para dar início ao seu negócio. Com a ajuda de seu companheiro, Betinho, foi sendo construído, tijolo por tijolo, o salão de beleza que seria seu por completo. “Me senti insegura no início, mas, aos poucos, por meio da indicação boca a boca, as clientes foram chegando”.
Hoje, Lorena atende de terça a sábado, no salão que está quase finalizado, e pretende alternar suas funções entre manicure e cabeleireira. Atualmente, além de empreendedora é mãe de Sofia, de 3 anos, e ao refletir sobre o início do seu empreendedorismo por necessidade, ela cita uma vantagem de ser autônoma: a flexibilidade no dia a dia. Isso porque, diariamente, ela precisa dar conta do seu trabalho e, simultaneamente, cuidar de sua filha, já que seu companheiro trabalha fora. Ela ressalta também a independência financeira alcançada por meio do seu empreendimento, que contribuiu para se tornar uma mulher resiliente e empoderada em todos os campos de sua vida.
Resiliência é o que resume a história de Cris Nery, 33 anos, nascida e criada em São Gonçalo, município do Rio de Janeiro, que atuou formalmente por um tempo e, posteriormente, passou a trabalhar junto ao seu pai, até que precisou romper o vínculo. A partir disso, Cris precisava encontrar uma nova forma de se sustentar, até que conheceu o mundo do empreendedorismo e, depois de muito pensar no que vender, seguiu o conselho de sua mãe e deu início ao seu próprio negócio, o SaborFit. Cris e Marcia, sua mãe, começavam a trilhar o caminho da autonomia, por meio da venda de marmita fitness.
Logo no começo, o primeiro desafio: as pessoas do seu bairro não eram o público-alvo das marmitas, por isso, as vendas não fluíam. Sendo assim, a mãe cozinhava e a filha se deslocava de São Gonçalo a Copacabana, diariamente, para vender aquilo que seria sua fonte de sustento. “Não podemos acreditar que o primeiro desafio significa o fim da linha. Eu chegava nas lojas, sempre muito tímida, e oferecia. Aos poucos, fui criando laços com clientes e conseguindo vender”.
Depois de um tempo se deslocando para a Zona Sul, a empreendedora decidiu tomar uma atitude corajosa e, ao mesmo tempo, arriscada: mudou-se para Copacabana junto com sua mãe, a fim de ficar próximo ao seu mercado consumidor e economizar o tempo perdido durante seu deslocamento. E assim o SaborFti foi consolidado, a ponto de a quantidade de marmitas não caber no único freezer que havia. Foi, então, que Cris buscou ajuda e, ao contar sua história a Sônia Hess, vice-presidente do Grupo Mulheres do Brasil, tornou-se inspiração na criação do projeto Fundo Dona de Mim. “O networking e a comunicação nos levam a conhecer novas pessoas e novos pensamentos”, diz Cris.
O Fundo Dona de Mim é um projeto do Grupo Mulheres do Brasil e foi desenvolvido com o objetivo de ajudar Microempreendedoras Individuais impactadas pela crise econômica provocada pela pandemia da Covid-19, por meio do empréstimo de R$ 3.000,00. No caso de Cris, a ajuda financeira contribuiu para a compra de um novo freezer para o seu negócio.
“Vale super a pena apostar no empreendedorismo. Muitas chaves viram na cabeça, me trouxe muito amadurecimento, é um propósito de vida. Há cinco anos eu moro em Copacabana e, às vezes, eu penso como seria se eu tivesse começado isso cinco anos antes. Não é sobre dinheiro. Fico feliz em saber que a minha história serve como inspiração para muitas pessoas”, destaca Cris Nery.


(Foto Acervo pessoal)
Além de ser um caminho para a independência financeira, o empoderamento e a liberdade, o empreendedorismo também contribui para que muitas mulheres encontrem seu talento. Assim ocorreu na vida de Mariana Aragão. Depois de formada em Relações Públicas, abandonou o emprego e decidiu aprofundar seus estudos em moda, tornando-se uma consultora de imagem. “Depois de fazer muitos cursos, me senti preparada e comecei atendendo amigas, mães de amigas minhas e o Instagram foi crescendo”.
No entanto, em março de 2020, com a pandemia do Coronavírus, precisou interromper seus atendimentos e dedicar-se somente à criação de conteúdos para o Instagram, pois a coloração pessoal só pode ser realizada presencialmente. Após um de seus posts “viralizar”, viu o número de clientes aumentar e seu empreendimento se consolidar.
Embora muitas pessoas tenham a visão equivocada de que o empreendedor sempre lucra e vive de uma forma glamurosa, Mariana compartilha alguns obstáculos que surgiram ao começar a empreender: “São muitas dificuldades que você nem imagina que vão surgir, porque você tem que aprender a fazer tudo. Eu era produtora de conteúdo, fazia o atendimento do cliente, editava vídeo, fazia a parte financeira, planejamento estratégico, coisas que eu nunca tinha feito antes, então você precisa desenvolver mil novas habilidades”.
Ao exercer sua profissão de consultora de imagem, ela monta um planejamento com o estilo, tipo físico, formato de rosto e cartela de cor de cada cliente. Assim, seu trabalho influencia diretamente na autoestima das mulheres, contribuindo para que se tornem mais fortes e seguras. “Eu realmente fico muito feliz e realizada quando vejo que tive um impacto positivo na vida dela. É muito gratificante empoderar essas mulheres e fazer com que elas vejam que são maravilhosas”.

(Foto Acervo pessoal)

(Foto Acervo pessoal)
Lorena, Cris e Mariana fazem parte de uma geração focada no caminho à equidade entre homens e mulheres. O estudo realizado com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), o número de mulheres à frente de um negócio fechou o quarto trimestre de 2021 em 10 milhões.
Durval Meirelles, professor de gestão da Universidade Veiga de Almeida e pesquisador na área de empreendedorismo, acredita que, hoje, diferentemente do passado, a mulher consegue exercer diferentes papéis e desempenha funções importantes na sociedade. “Hoje, ela tem um outro papel na sociedade e vai ser assim cada vez mais. A mulher vai preencher algumas lacunas em que o homem vem decaindo em participação”.

(Foto Acervo pessoal)
As empreendedoras tendem a começar negócio em segmentos com os quais têm maior familiaridade como, por exemplo, alimentação, moda, beleza, estética e saúde humana. Por isso, o aumento da participação da figura feminina está relacionada também ao crescimento da demanda desses setores, afirma o professor. “Por exemplo, toda área da saúde tem crescido muito e a telemedicina também tem contribuído”, lembra o professor.
Entretanto, como ressalta Durval, embora haja maior presença da figura feminina nesses setores, elas também estão avançando para repartições que, antes, não contavam com a presença da mulher. “O mercado digital, de moda, beleza, artesanato, saúde e bem-estar são áreas que predominam a participação feminina. Toda essa revolução feminina contribui para que a mulher consiga espaço não só no mercado de trabalho, mas também empreendendo nas áreas especificas e em outras como, por exemplo, engenharia e tecnologia da informação”. Nesta perspectiva, a tendência é o aumento das mulheres em ambientes que, antes, eram ocupados somente pela figura masculina.
Reportagem realizada por Isabelle Valente para a disciplina Apuração, Pesquisa e Checagem, ministrada pela professora Maristela Fittipaldi
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