Por Cíntia Almeida, Leonardo Minardi, Marcella Nascimento e Marina Figorelli
A mídia independente recebe essa denominação por romper com os grandes conglomerados midiáticos tradicionais e por não estar vinculada estritamente a anunciantes e grupos políticos. Em tempos recentes, fatores como a explosão das redes sociais e a politização da grande mídia contribuíram para que o jornalismo tradicional perdesse credibilidade aos olhos do público, e abriu um leque de oportunidades para o jornalismo independente.
Com o advento tecnológico e a modernização da internet, profissionais de comunicação puderam começar a construir seu próprio trabalho de forma mais simples, usando recursos comuns do dia a dia. Assim, o poder de noticiar, antes dominado apenas por grandes conglomerados, foi democratizado.
Para o avanço do jornalismo independente, essa democratização tecnológica é ponto chave. A grande mídia, que antes enviava equipes com diversas pessoas dentre repórteres e cinegrafistas, além de equipamentos caros e volumosos, agora coexiste com jornalistas que, somente com um smarthphone, são capazes de realizar todo o trabalho individualmente.
Com a internet, qualquer profissional consegue utiliza-la para divulgar seu trabalho, seja em formato textual, no caso de blogs; sonoro, no caso de podcasts; ou visual, em canais no YouTube, por exemplo. Desta forma, se criou o jornalismo independente como conhecemos, em sua maioria fomentado por pequenas equipes — ou até mesmo por apenas uma pessoa.
O crescimento da mídia independente
É indiscutível que os jornais independentes tem aumentado no país. Isso muito se deve à falta de oportunidade nos veículos tradicionais, ocasionada pela redução de contratação e frequência de demissões nas redações, influenciadas pela crise econômica enfrentada pelo país já há alguns anos. Desde 2012, mais de 2 mil jornalistas foram demitidos, e entre 2012 e 2018 ocorreu o maior número de cortes em redações de jornais impressos: cerca de 40%. Lucas Rosendo, Repórter e Comentarista da Antena Esportiva, rádio independente, corrobora o pensamento. “Na minha visão, o crescimento e popularização do jornalismo independente se dá pela falta de oportunidade, e em alguns casos pela independência financeira e possibilidade de falar sobre qualquer assunto sem que tenha alguém em cima, cobrando”, afirma.
Por publicarem, majoritariamente, conteúdos que a mídia tradicional não cobre, o braço independente tem ganhado, de fato, cada vez mais visibilidade no cenário jornalístico. Além disso, a facilidade de propagação do conteúdo online pode catapultar publicações a um público considerável.
Quem entende o momento digital contemporâneo justamente como uma oportunidade para formação de novos tipos de jornalistas e profissionais da Comunicação é Carina Seles, pesquisadora e professora universitária:
“Acompanho e realizo mentoria com alunos que desenvolvem podcasts, sites de notícias, canais no YouTube e newsletters, por exemplo, que crescem a cada dia. Isso é realizado com conhecimento, um celular e acesso à Internet”, observa a docente.

Como mostra o gráfico, o jornalismo independente cresceu consideravelmente a partir de 2010, fazendo um paralelo com a onda de demissões das grandes redações em 2012. De acordo com o Catarse (Plataforma de financiamento coletivo), o número de assinantes cresceu entre 2017 e 2018, refletindo o interesse por projetos independentes e a confiança de consumidores — e leitores — nos mesmos.
O Redator Everton Lima, de 27 anos, consome ambas as mídias tradicional e independente, e aponta suas críticas ao jornalismo tradicional: “Acho um modelo ainda engessado, que nem sempre sabe se comunicar com as diferentes faixas da população. Acredito que os veículos impressos e sites dão muito valor às colunas de opinião, quando deveriam valorizar as reportagens”, reflete Everton.
O jornalismo independente muitas vezes vem acompanhado de um trabalho investigativo e, assim, publica vazamentos com certa recorrência. O maior caso recente é o The Intercept Brasil, um jornal independente norte-americano que teve redação instalada no Brasil em 2016, e seu vazamento de mensagens comprometedoras do então juiz Sérgio Moro com procuradores, influenciando o julgamento do Ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
A crise de credibilidade da grande mídia
Se tratando do Brasil, os fatores políticos, como o papel da grande mídia em momentos cruciais da história foram fundamentais, a exemplo da ditadura militar: anos após a redemocratização, a Globo, maior conglomerado de mídia do país, se desculpou ao vivo pelo apoio ao regime que marca um momento obscuro na história nacional.
O caso não se resume a um jornal apenas. As redes SBT e Record também se mostraram omissos durante os escândalos de corrupção do Governo Lula, e posteriormente, nas manifestações de junho de 2013, houve uma revolta ainda maior contra a mídia tradicional no Brasil — ponto este fundamental para entender também a ascensão do jornalismo independente.
Enquanto a grande mídia era crucificada, o jornalismo como um todo perdia credibilidade aos olhos do público, possibilitando a expansão do braço independente. De acordo com dados levantados e apurados para essa reportagem, a partir de 2010 o número de jornais independentes aumentou mais de 100%. Além disso, vale ressaltar também a correlação entre o jornalismo independente e as fakes news.
Nos últimos anos, o crescente número de fake news contribuiu para a perda de credibilidade do jornalismo, a exemplo das eleições de 2018. E muito disso se dá por conta dos métodos dos brasileiros de consumirem informação, considerando que é a população que mais usa o WhatsApp para se informar no mundo.
Desde o boom das redes sociais, surgiu a transmissão exacerbada de informações e, entre elas, muitas são falsas. Assim, o termo fake news se popularizou, trazendo à tona a necessidade da notícia dada não por qualquer um, mas por quem tem o conhecimento técnico e a dedicação de apuração e checagem.
Neste sentido, a perda de credibilidade da grande mídia somada a necessidade da busca pela notícia bem apurada, trouxe ao jornalismo independente um grau de importância significativo. Isto é comprovado quando observamos os números do jornalismo independente no Brasil, em particular os principais temas abordados especificamente pelos veículos. A maioria dos portais independentes têm cunho informativo, seja local ou nacional.

O gráfico acima representa bem esta função principal do jornalismo independente no Brasil. Cerca de 60% dos jornais contabilizados têm caráter noticioso e factual, bem equiparado à cobertura da grande mídia, porém cativando maior confiabilidade no público.
Essa credibilidade é observada pela estudante Isabela Carvalho, de 21 anos. A jovem prefere o consumo de jornais independentes e explica o motivo: “A minha crítica ao jornalismo tradicional é a lógica comercial. Ele se pauta pelos empresários, e ao meu ver acaba realizando omissões”, afirma Isabela.
Outra característica fundamental da mídia independente é a quebra dos padrões tradicionais exercidos pela imprensa hegemônica. Temas como jornalismo feminista, racial e ambiental mostram a busca crescente pela diversidade. A estudante Isabela cita ainda que essa ausência do papel social no jornalismo tradicional também resulta na perda de credibilidade.
“Não se dá visibilidade a movimentos sociais e não há diversidade, e isso pra mim é muito importante”, aponta a estudante.
Além do caráter informativo, o jornalismo independente no Brasil também cobre amplamente o universo cultural. Cerca de 13% dos jornais apurados tratam da editoria. Enquanto isso, o jornalismo político compreende 7% do gráfico, se tornando o terceiro tema de maior relevância no ranking das editorias dor jornais independentes apurados.
De acordo com a Pesquisadora em Comunicação e Jornalista, Cecília Seabra, algumas das mídias independentes brasileiras possuem um recorte na cobertura. Exemplificados pela docente estão os projetos Colabora que possui um recorte de meio ambiente, o Cajueiro com um recorte regional, e a Ponte cobrindo direitos humanos. Assim, cada veículo se aprofunda em um segmento setorizado, o que permite que temas que não seriam contemplados pela grande mídia sejam abordados com atenção dedicada.
“Isso é muito legal, porque ao mesmo tempo que dá luz e dá publicidade – no sentido de tornar público – a temas que a gente não vai ver na pauta da mídia tradicional, acaba também tendo ali pessoas muito especializadas no que fazem. Isso é importante, porque a sociedade é tão diversa que a mídia tradicional nunca vai ser suficientemente capilarizada pra poder dar conta dessa diversidade de cobertura de interesses dos públicos”, analisa Seabra.
Isso ocorre dada a necessidade do jornalismo tradicional de apresentar uma cobertura ampla sobre os acontecimentos do país e mundo — influenciado, também, pelos vieses de grupos midiáticos e patrocinadores. Hoje, os maiores veículos jornalísticos do Brasil respondem diretamente a grandes conglomerados.
A Pesquisadora Cecília Seabra observa as particularidades do jornalismo tradicional:
“O jornalismo tradicional é produto de uma empresa jornalística com uma lógica comercial privada que rege os interesses dessa empresa jornalística. Teoricamente, o jornalismo deveria ser desvinculado do ambiente comercial, mas ambos estão atrelados e, por isso, um poda o outro”, completa Cecília.

Ressaltando a segmentação especializada também observada pela pesquisadora, 40% dos portais independentes contabilizados para a reportagem, isto é, quase a metade deles, são de temas específicos, divididos em diversas categorias. A “capilarização de coberturas”, como posto por Seabra, segue como uma das principais características que diferencia os veículos independentes dos grandes veículos jornalísticos tradicionais.
A regionalização do Jornalismo Independente no Brasil
Assim como a mídia tradicional, a mídia independente também se concentra na região Sudeste, com foco em São Paulo e Rio de Janeiro, o que gera o chamado “deserto de notícia” (localidades que possuem 2 ou menos veículos, principalmente nas regiões Norte e Nordeste). O gráfico a seguir representa a distribuição dos veículos jornalísticos de acordo com o Atlas da Notícia:

Enquanto a Região Sudeste corresponde a aproximadamente 40% de todo o conteúdo jornalístico nacional, regiões como Norte e Centro-Oeste combinadas equivalem a cerca de 20% apenas. Estes dados revelam que o produto jornalístico tradicional está mal distribuído, se mantendo apenas em regiões consideradas centrais. No que tange ao jornalismo independente, ao considerar os dados obtidos, observa-se uma proporcionalidade melhor, conforme o mapa a seguir:

O gráfico acima ilustra bem essa maior distribuição. Apesar do Sudeste ainda compreender a maior parte, com 27% dos portais, as demais regiões se aproximam. A região norte, uma das que possuem mais desertos de notícias no país quando observados veículos tradicionais, compreende 18% dos portais independentes, com 33% destes apenas no estado do Amazonas (focados em denúncias ambientais e jornalismo local).
Já a região Centro-Oeste corresponde a apenas 15% do total, sendo a região que menos possui portais independentes. Ainda, 80% dos jornais localizados no Centro-Oeste são de Brasília, capital política do Brasil — o que pode reafirmar a relevância do jornalismo político para a mídia independente.
O jornalismo independente na pandemia
É importante observar como o papel do jornalismo independente é diferente daquele prestado pela mídia tradicional. Enquanto esta última foca nas questões sanitárias envolvendo o vírus, fazendo o acompanhamento do número de casos, de mortes e da vacinação, a mídia alternativa funciona como uma rede de denúncias.
Jornalismo investigativo acerca das mais diversas denúncias é comum no jornalismo independente, e no momento pandêmico foram constantes. A exemplo temos o jornalismo feminista, com diversos portais que focam em acompanhar o trabalho de autoridades e especialistas na violência contra a mulher. Enquanto a mídia tradicional criou um consórcio para apurar e discutir os dados da COVID-19, a mídia independente criou uma parceria, entre os jornais Amazônia Real, #Colabora, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Portal Catarinas, AzMina e Ponte Jornalismo com foco na violência doméstica durante o período de isolamento.
Outro ponto crucial da diferença de abordagem das mídias durante a pandemia é quando tratamos de jornalismo político. Neste sentido a grande mídia prioriza as informações vindas do Governo, em principal o Governo Federal. A mídia independente, por sua vez, trabalha mais relacionada com governos estaduais e municipais, por ter um foco especializado.
Além disto, as denúncias do jornalismo independente podem ser observadas massivamente nas questões políticas. Durante maio de 2021, houveram diversas manifestações em relação ao trabalho feito pelo Governo. Muitos se mostraram contrários às decisões do poder público, principalmente o federal, nesse período pandêmico, pedindo o impeachment do presidente com o slogan “Vida, pão, vacina e educação” como fundo. As críticas foram sobre a demora do governo pela compra de vacinas, a quantidade de mortes no país e o aumento do preço dos alimentos, culminando no retorno do Brasil ao mapa da fome.
Só em São Paulo, 80 mil pessoas se reuniram aos gritos de “Fora Bolsonaro”, que foram diminuídos na cobertura do jornalismo tradicional. Dentre os maiores jornais impressos do país, apenas a Folha de São Paulo deu matéria de capa para as manifestações, enquanto os demais focaram em outros assuntos. É importante ressaltar que os editoriais da mídia tradicional têm como instrução evitar noticiar qualquer aglomeração de pessoas, devido ao contágio do coronavírus. Portanto, este, poderia ser um dos motivos da baixa repercussão das manifestações, mas, apesar deste fator, o jornalismo não pode se abster da informação.
Já portais de mídia independente fizeram coberturas e divulgações constantes das manifestações, sobrepondo os motivos dos atos às questões sanitárias referentes à aglomeração gerada. É importante observar o cunho político dos jornais, uma vez que a maioria da mídia independente no país possui vieses políticos opositores aos ideais do governo.
A exemplo, tem-se as manifestações pró-governo, ocorridas em diversas cidades do país, que vieram à luz do jornalismo independente apenas sob críticas. Esta dualidade política observada na mídia é constantemente vista durante a pandemia. Devido ao grau de comercialização da grande mídia, é comum que ela se atente mais a dados técnicos ou assuntos gerais, omitindo o caráter crítico, mais observado em portais independentes.
O financiamento do jornalismo independente
O financiamento no jornalismo independente é um dos fatores mais importantes de sua composição, pois sem ele não é possível que os veículos se mantenham ativos e produzam reportagens, já que essas demandam muitos recursos, além da contratação de jornalistas e colaboradores. Após análise dos jornais independentes coletados, constatou-se que 57% dos veículos utilizam anúncios e publicidade como forma de financiamento principal.
Existem muitas divergências entre o jornalismo tradicional e o independente, uma das principais sendo o método de financiamento. Bruno Fonseca, Jornalista de dados da Agência Pública, ressalta que o divisor de águas entre o modelo de financiamento do jornalismo independente e o tradicional é que as mídias independentes não dependem somente de anúncios publicitários, Google Ads e clicks para se manterem. Todos esses modelos de financiamentos citados acima consistem em propagandas pagas, nas quais o anunciante, ou seja, o veículo, paga para as plataformas como o Google e Facebook para serem divulgados.
“A falta de uma estrutura maior faz com que seja importante ter estratégias sólidas de captação de recursos para conseguir desenvolver pautas mais robustas, sobretudo as que envolvem viagens e grandes apurações”, aponta Bruno.
Já para a fundadora da Revista Capital Econômico, Kelly Couto, as dificuldades desse modelo jornalístico são o alto custo operacional e a falta de apoio e investimentos para impulsionar o setor. “Produzir uma informação de qualidade tem um custo caro. É preciso ter, além de muita infraestrutura, uma equipe disciplinada, empreendedora e com visão de mercado e de mundo. Combinar tudo isso para se posicionar no mercado tem um preço. Por isso, no início, o custo operacional foi a maior dificuldade para tornar o negócio autossustentável”, completa Kelly.
Muitos veículos começam a desenvolver seus trabalhos e, devido à falta de investimento, precisam paralisá-los. Segundo o levantamento de dados desenvolvido para essa reportagem, apesar de crescente o número de novos veículos, 18% dos jornais apurados encerraram suas atividades no decorrer dos últimos anos. Porém, esse fator não desestimulou a criação de novos meios de comunicação independentes.
A fundadora da Revista conta que foi necessário investir seu próprio capital para ser possível empreender no jornalismo independente. “Eu já sabia o potencial do meu negócio e o quanto ele iria e ainda vai se valorizar no mercado, principalmente depois que alcancei o mercado internacional. Mas lembro que é fundamental, antes de começar todo e qualquer negócio, não tentar abraçar o mercado todo de uma vez só, porque você pode queimar sua reserva financeira, não atingir aos resultados significativos e se frustrar”, ressaltou Kelly.

Entre outras dificuldades apresentadas por kelly, figuram a falta de um preparo acadêmico voltado para a área do jornalismo independente, a desvinculação do modelo tradicional de trabalho e a escolha da editoria que o veículo irá se especializar. Por isso, ela deixa uma dica para os estudantes que desejam ingressar na área:
“Primeiro, estude muito sobre o mercado. Não é uma tarefa fácil disputar atenção da audiência com veículos já posicionados. É preciso criar estratégias e parcerias certas para entrar na disputa. Em segundo lugar, o profissional que deseja mergulhar neste novo modelo em que caminha o mundo do jornalismo atual precisa esquecer a ideia fixa de mercado de trabalho, ou seja, ser um jornalista como colaborador. É imprescindível ter a mente de empreendedor, de dono do negócio”, aconselhou a CEO da Revista Capital Econômico.
Metodologia
Foram coletados os veículos independentes no Brasil através do Atlas da Notícia, do Mapa do Jornalismo Independente da Agência Pública e de um forms divulgado pelos responsáveis dessa reportagem.
Então, a partir dos nomes dos veículos coletados, realizamos uma pesquisa para levantar as seguintes informações sobre eles: se estavam ativos ou inativos, o ano que foram fundados e a editoria que atuam.
Reunimos e analisamos os dados manualmente a fim de realizar a reportagem, no período de 28 de maio de 2021 a 11 de junho de 2021. Após observarmos os dados, decidimos quais seriam interessantes e relevantes para serem abordados, ditando assim o recorte da reportagem.
Dados disponíveis aqui.
Reportagem especial, análise de dados e visualização por Cíntia Almeida, Leonardo Minardi, Marcella Nascimento e Marina Figorelli, para a disciplina de Jornalismo de Dados (2021.1), ministrada pela professora Daniela Oliveira.
0 comentário em “Entenda por que o número de veículos independentes dobrou nos últimos dez anos”