Cerveja gelada, picanha na brasa e música boa. Essa era a rotina do Bar da Reserva, localizado no Grajaú, Zona Norte do Rio. A casa, que abriu em meados de 2019, vinha se tornando um xodó dos moradores, enchendo diariamente, em especial nos dias de jogo, nos quais torcedores se uniam frente ao telão instalado no local.
Pouco depois de um ano de inauguração, o bar agora tinha um novo semblante, triste e solitário. Os gritos de gol não eram mais ouvidos, e a cerveja não era tão gelada. A churrasqueira, que funcionava de segunda a domingo, passava a ser ligada apenas aos fins de semana. O Bar perdeu mais de um terço de seu público, em decorrência dos imprevistos gerados pela pandemia do Coronavírus.

Foto: Leonardo Minardi
As mesas, agora vazias, passaram a ser costume não apenas no Bar da Reserva, mas em bares e restaurantes Rio afora. A famosa boêmia carioca, a cidade que nunca parava, parou, e com ela o setor de bares e restaurantes entrou em colapso, fazendo com que a cidade viva sua pior crise da história do setor.
O Bar da Reserva, comandado pela família Garbayo é um reflexo do setor, que vive dias sombrios. Eduardo Garbayo, de 28 anos, um dos proprietários, conta como foi essa quebra de padrão; “A gente vinha numa ascensão bem rápida, em poucos meses fomos de quatro para nove funcionários, reinvestindo o que ganhávamos, e aí veio o primeiro lockdown e do nada mudou tudo”.
Com o caixa vazio e as contas chegando, o dono do bar lembra que em determinado momento chegou a cogitar o fechamento definitivo; “Abrir um negócio no Brasil é muito difícil, e esse tempo todo fechado, com o alto custo de manter o bar, a pandemia continuando no mesmo nível, até hoje a gente fica com a dúvida se vai dar para continuar aberto ou não.”
Os pensamentos do proprietário do Bar da Reserva refletem a situação coletiva de todo o setor, que vê as contas ficarem no vermelho, em decorrência da queda de consumidores. Enquanto a crise se agrava, as dívidas aumentam, e o futuro fica cada vez mais incerto.
Os números da pior crise da história do Estado
A Diretora de Comunicação do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), Daniela Cajueiro, ratifica a gravidade do momento econômico do setor: “Esta com certeza é a crise mais grave da história do Estado. Só no Rio foram 23 mil empregos perdidos”. Até mesmos restaurares tradicionais da cidade, como o Hipódromo e Mosteiro, fecharam as portas.

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A coordenadora cita ainda que a previsão é de pelo menos 25% dos bares e restaurantes tenham fechado em definitivo, e conta que esse número não reflete a gravidade da situação: “É difícil afirmar em dados certos, porque a gente confere por CNPJ, e muita gente acaba deixando o CNPJ aberto ou usando para outro negócio. A tendência é que essa margem seja bem maior”.
Dados fornecidos pelo sindicato mostram que pelo menos 2.500 estabelecimentos fecharam. Mesmo com a abertura dos bares sem restrições de horários e o aumento da vacinação na cidade, a representante afirma que a situação tende a melhorar bem lentamente: “Deve melhorar um pouco, mas reverter tudo o que aconteceu é praticamente impossível”.
O principal bairro afetado foi o Centro da Cidade, onde cerca de 40% dos restaurantes encerraram suas atividades. Este número se deve principalmente às adaptações dos serviços em face da pandemia. O home office, prática que se tornou comum na quarentena, deixou o Centro do Rio vazio, e muitos dos seus restaurantes, especializados em self-service, ficaram desertos, não conseguindo se manter abertos.
Daniela cita sua própria experiência com o Centro da cidade: “Eu costumo ir pra lá três vezes por semana, e realmente tem ruas em que não há mais nenhum lugar aberto”. Este tipo de restaurante foi o mais impactado pela Pandemia e, de acordo com dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), dos 200 mil estabelecimentos deste tipo no país, 80 mil fecharam para sempre.
A busca por reinvenções em face da pandemia
Aqueles que conseguiram se manter abertos tiveram que encontrar alternativas, que vão desde a mudança de cardápio e horário de funcionamento, até a prática de novas formas de venda, como o uso de delivery, setor que teve um crescimento gigantesco, mesmo durante a crise econômica.
O proprietário do Bar da Reserva, Eduardo Garbayo, conta como foram essas mudanças: “A gente agora só trabalha com churrasco na brasa aos fins de semana, para economizar com o custo do churrasqueiro e do carvão, e tivemos que colocar delivery, porque o consumo local caiu bastante”. O dono conta ainda que, apesar desta alternativa, as vantagens são poucas: “Os aplicativos cobram uma taxa alta por entrega, então a gente ganha muito pouco se comparado ao consumo no bar. Acaba que não vale tanto”.
Pensando nisso, o SindRio, juntamente com parceria da Shopfood, desenvolveu o aplicativo Rio Delivery, que tem como principal objetivo ajudar os estabelecimentos a implementar este novo modelo de negócios, com um custo bem inferior ao cobrado por grandes aplicativos como iFood e Uber Eats. Apesar da iniciativa, a falta de verba para marketing fez com que o aplicativo fosse totalmente ofuscado pelos concorrentes privados.
Esta nova realidade impactou até mesmo quem não era do setor, como foi o caso de Daniel Gonçalves, de 27 anos. O jovem é instrutor de Krav Magá, mas com a suspensão das aulas ministradas, e uma moto guardada na garagem, decidiu ingressar como motoboy, e foi logo contratado por uma loja da Casa da Empada, famosa franquia de salgados do Estado.
O professor de luta conta como foi essa adaptação: “Nunca me imaginei trabalhando com entregas, mas depois que a academia fechou, eu tive essa oportunidade e hoje é assim que tiro meu sustento”. A alternativa encontrada pelo profissional é a mesma de diversos outros, fazendo com que só o iFood tenha cerca de 200 mil entregadores espalhados pelo Brasil.
O sistema de delivery serviu até mesmo para quem não conseguiu sobreviver à crise, como foi o caso do casal Roberto e Viviane Rodrigues, de 66 e 45 anos. Ambos são proprietários do restaurante Sertão Carioca, localizado no Centro de Tradições
Nordestinas, popularmente conhecido como Feira de São Cristóvão, na Zona Norte da cidade. Com as decorrências da Pandemia, Roberto e Viviane decidiram fechar o restaurante e focar em um novo negócio: quentinhas.

Foto: Leonardo Minardi
Enquanto Viviane passa o dia na cozinha, Roberto cuida das compras e das entregas. A alternativa encontrada busca suprir a perda da renda do casal, em face do fechamento momentâneo do restaurante. Roberto conta como foi a mudança: “Lá na feira a gente funcionava só aos fins de semana, e agora é de segunda a segunda, sem descanso”. Além disso, o faturamento mudou bastante, de acordo com a clientela: “Aqui a gente faz quentinhas para os vizinhos e comerciantes próximos, mas são poucas, cerca de 20 por dia só.”.
A cozinha pequena do casal é um dos principais problemas do escalonamento do negócio, como conta Viviane: “A cozinha aqui é estreita, então não cabe muita coisa. Por isso eu não consigo fazer muito mais do que a gente já vende.”. A nova rotina também teve impacto direto na vida emocional do casal. Os dois citam que trabalhar todo o dia junto em casa é cansativo e estressante.
A falta de iniciativas do governo e a dúvida para o futuro
Um dos principais agravamentos da crise foi a falta de iniciativa por parte do governo. Dentre as atiudes tomadas, o governo criou a Medida Provisória nº 1.046/2021, que permite a flexibilização das jornadas de trabalhos no setor. A medida prevê funções como bando de horas, adiantamento de férias, e suspensão do contrato pago pelo governo, todas com o objetivo de evitar demissões em massa.
A MP foi bastante criticada, tanto por sua demora, quanto por sua duração. No caso da suspensão de contratos, por exemplo, o pagamento do governo durou apenas três meses, em face de uma grande de mais de um ano. A pequena janela de tempo resultou num impacto alto de demissões e fechamentos de bares e restaurantes.
Enquanto isso, o SindRio tentou buscar por alternativas, focadas em concessões de impostos pagos pelos estabelecimentos. Daniela Cajueiro, coordenadora de comunicação do SindRio, conta que houve a tentativa da redução ou cessão de impostos como ICMS, PIS, COFINS, entre outros. A ideia era diminuir os custos de funcionamento para manter empregos e restaurantes abertos, entretanto não houve sucesso na negociação.
Enquanto a maioria dos restaurantes se mantém aberta, sem garantias de duração, empresários e empregados ficam à mercê da vacinação em massa e da retomada do consumo. O casal Roberto e Viviane, que ainda não conseguiu reabrir seu restaurante, espera que o futuro mude: “A gente torce muito para a Pandemia acabar, para abrirmos o restaurante de novo e fazer o que sempre fizemos, que é dar aos clientes comida gostosa e de qualidade”.
Leonardo Minardi – 3º período
Parabéns, Leonardo!!! Bjs!