Maio de 68: 50 anos de história

Samba-enredo também é arte de resistência

Nem só de Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento a música de resistência durante a Ditadura Militar no Brasil foi composta. Sambas-enredo também encontraram uma saída à censura e mostraram, por meio de suas letras, a vontade de liberdade para poder fazer seu carnaval.

Em 1967, o Salgueiro entrava na Avenida ao som do enredo “A História da Liberdade no Brasil“. A letra do samba conta todos períodos em que o povo brasileiro clamou por liberdade até a Proclamação da República. Em uma sútil referência ao movimento que estava sendo vivido no país, a Escola driblou o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) que monitorava todos os ensaios.

Já em 1969, o primeiro carnaval depois do Ato Inconstitucional nº5, Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manuel Ferreira criaram o samba “Heróis da Liberdade” para o Império Serrano. Os compositores foram obrigados a mudar o último verso que seria “É a revolução em sua legítima razão” para “É a evolução em sua legítima razão”. A letra foi baseada na Inconfidência Mineira, na Independência da República e na Abolição da Escravidão. Como nesses momentos, o período era de clemência à liberdade, na qual a letra fazia referência: “Ao longe soldados e tambores/ Alunos e professores/ Acompanhados de clarim/ Cantavam assim/ Já raiou a liberdade/ A liberdade já raiou/ Essa brisa que a juventude afaga/ Essa chama/ Que o ódio não apaga pelo universo/ É a evolução em sua legítima razão”.

Anos depois, em 1980, a Unidos de Vila Isabel desfilou o enredo “Sonho de um sonho”. O compositor Martinho da Vila se inspirou em Carlos Drummond de Andrade e também pedia por liberdade. “Um sorriso sem fúria entre o réu e o juiz/A clemência e a ternura por amor da clausura/A prisão sem tortura, inocência feliz/Ai meu Deus/Falso sonho que eu sonhava”. O verso “a prisão sem tortura” passou pela censura e é considerada umas das manifestações mais impactantes contra o Governo Militar. Porém, três anos depois, a Escola teve como presidente o Capitão Guimarães, acusado de participação em procedimentos de torturas contra presos políticos.

Apesar de ter algumas músicas de resistência, a maior parte dos samba-enredo durante os anos de chumbo se dividiram em letras requintadas e com temas africanos. A especialista em samba-enredo, Carla Vizeu, explica que até a década de 70, os sambas-enredo tinham as letras longas e a forma era diferente da conhecida hoje em dia. “Tinham bem pouco refrões, às vezes um refrão só para a música inteira e tinham temas bastante históricos. Era mais comum você ter temas históricos abordados de uma maneira rebuscada nas letras”.

As letras mudaram, assim como a forma de apresentação visual das escolas. Nos anos de 1970, a entrada do carnavalesco como figura mais forte se consolidou e transformou a composição visual dos desfiles e, consequentemente, do samba-enredo. Durante esse período, os temas começaram a tratar da ancestralidade africana.

Em contrapartida, algumas escolas impulsionaram e acabaram fortalecendo a Ditadura com suas letras. Em 1974, a Beija-Flor cantou o “progresso ditatorial” por meio do samba Grande Decênio:

“Nas asas do progresso constante/ Onde tanta riqueza se encerra/ Lembrando PIS e Pasep/ E também o Funrural/ Que ampara o homem do campo/ Com segurança total/ O comércio e a indústria/ Fortalecem nosso capital/ Que no setor da economia/ Alcançou projeção mundial/ E lembraremos também/ O Mobral, sua função/ Que para tantos brasileiros/ Abriu as portas da educação”

Mais discretamente, a Estação Primeira de Mangueira utilizou versos que exaltavam as belezas naturais brasileiras para destacar o período que o Brasil estava vivendo nos anos 70. “Oh, lugar! / Oh, lugar! / Tudo que se planta dá / Terra igual essa não há/ Isso é Brasil!”.

Os foliões perceberam que as quadras das escolas de samba poderiam, de alguma forma, suprir a necessidade de diversão, naquele momento (Marco Antônio de Assis)

Com a reabertura política nos anos 1980 e a volta da democracia, os sambas começaram a ter letras mais picantes como “tem bumbum de fora pra chuchu” da Caprichosos de Pilares de 1985. O viés que a censura passa a romper é em relação ao tema da picardia, as letras ficam mais leves e mais críticas, com um humor crítico.

Essa “sombra” que resguardava o período por dentro dos barracões fizeram com que a época passasse despercebida por diversos componentes de escolas de samba. Como Alcy Pinho Toledo, representante da Velha Guarda da Unidos de Vila Isabel, de 64 anos, não se lembra de repressões diretamente nas quadras e ensaios de desfiles das escolas as quais frequentava. “Eu nunca sofri uma repressão, nem vivenciei nada do tipo. Não fiquei sabendo de nenhum caso de agressão ou sumiço de algum membro da nossa escola. Se aconteceu, foi algo muito bem escondido, o que duvido que tenha sido”, comenta Toledo.

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Marco Antônio de Assis, um dos mais antigos componentes da Azul e Branco de Noel (Foto: Diego Pedroso)

Já o colega de Velha Guarda da Vila, Marco Antônio de Assis, de 63 anos, acredita na possibilidade de uma evolução nas escolas de samba no período de ditadura militar. Ele afirma que a tirania beneficiou as escolas, que, por sua vez, não tinham motivos para “atacar” o governo. “Os foliões perceberam que as quadras das escolas de samba poderiam, de alguma forma, suprir a necessidade de diversão, naquele momento. Antigamente, a prefeitura do Rio de Janeiro convidava celebridades para virem ao carnaval Carioca, o que também era uma atração para foliões e não foliões. Além disso, o dinheiro investido no carnaval já era alto naquela época, assim como nos dias de hoje”, diz Assis. No vídeo, Assis comenta mais sobre a época da Ditadura nos barracões de escolas de samba.

Reportagem de Diego Pedroso e Luana Santos  para a disciplina Oficina Multimídia em Jornalismo

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