Por João Agner
Eu ouvi Jesus me chamar. Ele se apresentou para mim na forma de um homem da minha altura, que me entregava um pedaço de brownie no meio dos corpos quase colados no segundo andar de um bar que eu e minha amiga descobrimos na mesma noite. Só fui atingido meia hora depois, numa esquina próxima, me despedindo entre risos descontrolados. Essa noite se tratava de uma Sexta Feira Santa, um feriado cristão, o que parece um pouco incabível e talvez ofensivo, mas não poderia ter sido mais sagrado. Depois de uma sucessão de eventos que, para alguém da nossa idade, parecem abençoados — encontrar um novo bar favorito, que vem acompanhado de um novo drink favorito (que envolve fireball e canela), beijar pessoas que desejava acidamente, e ainda ficar um pouco alto — minha jornada com a igreja recomeçou.
Depois desse dia, eu e minha melhor amiga, pessoas nada religiosas, decidimos ir até a igreja e agradecer. É claro que começou como uma piada — agradecer pelas profanidades executadas num feriado bíblico — mas sustentamos a ideia. Eu cresci no catolicismo, fiz catequese na escola e costumava rezar todas as noites antes de dormir com minha família até recentemente. Minha casa sempre foi decorada com leves adereços cristãos, mas meus pais são tranquilos e respeitosos em relação a crenças — exceto a vez que chamei o Papa de “cuzão” depois de dizer que homossexualidade é pecado e tive que ouvir um longo discurso da minha mãe sobre como ele cresceu em uma realidade diferente da minha, como se isso fosse justificativa de algo. O ponto é que mesmo exposto a tanta religião, eu cresci desconfiado de tudo aquilo. Eu simplesmente não conseguia acreditar.
Eu faço parte de uma geração que custa a acreditar em algo. Talvez o termo seja “céticos”. Em meio a tantos negacionistas, terra-planistas e fanáticos, ainda tem uma parcela que não consegue ser devoto de nada. Eu me lembro de ver cartazes daquele filme “Deus Não Está Morto” quando criança e me perguntar como alguém teria dúvidas de que Jesus, Deus e todas essas figuras são reais. E cá estou hoje, sem conseguir me apoiar a crença alguma. Mesmo assim, fui à igreja agradecer.
Ali, na minha intimidade com Cristo e tudo mais, de joelhos, olhos fechados e mãos cruzadas, não sabia o que dizer. Sei todas as rezas de cor pelo meu tempo da catequese, mas não buscava por Deus há anos. A última vez que estive numa igreja — que não fosse uma missa de sétimo dia — foi quando criança, e também não era algo que partia de mim. Mas naquele dia, eu estava ali porque quis, porque senti que devia. Foi como se tivéssemos trocado uma ideia, eu e qualquer força que estivesse tentando chamar novamente, e fui embora. Isso não durou muito mais que cinco minutos.
Saindo da igreja com a dívida paga, eu e minha amiga fizemos outro combinado, que não vem ao caso (envolve a Pabllo Vittar), e caso se realizasse, voltaríamos para a igreja nova para agradecer. Dito e feito; algumas semanas depois, voltamos, dessa vez separados, cada um por si. Ir à igreja quando criança, ainda me descobrindo, sempre me incomodou. Nunca me senti confortável entre os bancos e as senhoras de idade — por mais que eu seja rendido à estética (tenho um adesivo de Maria colado no meu isqueiro rosa e um colar de cruz. Carrego Jesus no peito, mas não no coração) e alguns mitos e personagens bíblicos, mas tudo para fins poéticos, é claro. Esse desconforto sempre foi impeditivo, e não sei o que aconteceu no meio do caminho, mas hoje em dia acho graça.
Toda minha vida tive dificuldades de ser crente — não no sentido de evangelismo, mas de crer no que quer que seja. Eu sentia (por vezes ainda sinto) inveja de quem acredita, quem consegue acreditar. Invejo católicos, invejo judeus, invejo umbandistas, invejo quem acredita em alienígenas, acho que até invejo terra-planistas (quem me dera acreditar tanto em algo que permito que isso me idiotize). Odeio não acreditar em nada, mas não consigo. Nem sei se acredito nas estrelas que vejo; uma vez me ensinaram a diferenciar estrelas de satélites, mas não consegui acompanhar o pensamento. Volta e meia penso em todos os desejos e pedidos que devo ter feito erroneamente para uma construção de aço orbitando por cima de mim, mas tão distante que o enxergava como algo celestial. Também não quis pesquisar a diferença e incorporar nesse texto; prefiro preservar a ingenuidade.
Eu não sei porque sou como sou. Não sou o tipo de pessoa que deixou de acreditar em Deus porque alguém morreu ou passou por alguma tragédia ou a vida foi cruel demais comigo em certo ponto, mesmo que, de fato, tenha sido. O ceticismo me incomoda, é uma das características que mais detesto em mim, mas não consigo ser diferente. Meus pais até insistiram, mas fui mais forte que eles. Desistiram.
Ainda assim, não é como se eu não sentisse uma presença sobrenatural. Sei que não estou sozinho, mas não sei o que é. Prefiro me dizer que é Deus, até porque é o que mais me faz sentido, mesmo que não totalmente (percebe como é confuso?). Eu sinto Deus no chão da sala de estar do meu melhor amigo, umas dez cabeças que conheço desde criança sentados em roda no meio de uma partida de um jogo de cartas. Eu sinto Deus quando fumo o tabaco perfeito. Eu sinto Deus debaixo das luzes que piscam sem parar, a música explodindo nas caixas de som com todos em volta de mim estão ali pelo mesmo propósito. Eu sinto Deus no primeiro gole de caipirinha da noite, esperando a qualidade da bebida ditar o tom da noite. Eu sinto Deus no êxtase de todas as coisas que me fazem sentir o gosto de existência. Deus são meus amigos. Deus é minha música favorita. Deus é um cara que beija bem. Deus é um conto do Caio Fernando Abreu. Deus é minha mãe. Então tudo bem, nisso eu acredito.
Foto de capa: Pinterest
Crônica de João Agner, com edição de texto de Vinicius Corrêa
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