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Por que há menos shows internacionais no Rio?

Agência UVA apresenta relatos sobre a escassez de shows internacionais no Rio de Janeiro, e a dominância de festivais e shows em São Paulo

É do imaginário do morador de São Paulo que, todo dia, há um show em sua capital. Seja de uma mega atração internacional em um estádio com todos os assentos esgotados, ou grandes festivais como o Lollapalooza, e festivais médios e nichados, como Balaclava Fest e Popload, até casas menores como Cine Jóia e SESCs espalhados pela cidade. Mas e o Rio de Janeiro? Os cariocas possuem paisagens naturais impecáveis, locais para turismo indiscutíveis, mas é percebido uma ausência do Rio na rota de shows de turnês recentes de artistas internacionais, desde cantores e bandas consolidados do mainstream e, principalmente, grupos e artistas mais segmentados. 

Um dos mais recentes, de bandas grandes, foi o Linkin Park, que tinha confirmado uma apresentação, ainda em 2024, em terras cariocas para novembro, mas voltou atrás com a confirmação apenas dos locais São Paulo, Brasília e Curitiba, excluindo Rio e Porto Alegre. Outro exemplo disso foi a ausência da cidade maravilhosa na rota da turnê de reunião do Oasis, com apenas duas datas no estádio MorumBis, na Zona Oeste de São Paulo. Além disso, há a enorme presença de festivais, algo que falta no Rio de Janeiro, com o único festival grande com atrações internacionais sendo o Rock in Rio. Apesar de ainda existirem eventos menores que reunem vários artistas para os cariocas, como Queremos!, Rock the Mountain e Novas Frequências, que ainda resistem, o que impede do Rio ter o seu Primavera Sound, ou um C6 Fest e um Popload?

Gabriel Benevides, fã de música indie e forte frequentador de eventos e festivais em São Paulo, vê a Queremos! como uma possibilidade para eventos desse porte. O jovem já assistiu nomes internacionais como Cut Copy, Devendra Banhart, Animal Collective, Spoon e The National graças a produtora. Mas, ainda assim, não é com a mesma frequência que na capital paulista, em uma opinião que vai além da demanda, e sim de como o público carioca consome música.

“O público carioca falta inovação, principalmente para artistas mais underground e alternativos, tanto nacionais quanto gringos. Por isso, as produções de eventos assim acham que não vale a pena ter shows aqui. Já assisti vários shows pelo Queremos! Festival, Popload e Balaclava aqui no Rio. Mas mesmo assim, isso não acontece com frequência. Vários amigos paulistas acham que o Rio de Janeiro é o túmulo da música, e eu concordo em partes”, relata o fã.

Gabriel Benevides na entrada do Autodromo de Interlagos, aonde aconteceu a última edição do Primavera Sound em 2023. (Foto: Instagram)

Para Pedro Seiler, sócio-fundador da Queremos!, com 15 anos e mais de 500 shows no Brasil, diz que há muito mais oportunidades do que demandas em si. “A Queremos! surgiu num cenário diferente de hoje, não havia Lollapalooza Brasil e nem Rock in Rio. As casas de show estavam fechando, poucos shows de médio e pequeno porte passando pelo Brasil e menos ainda no Rio de Janeiro. A Queremos! foi criada com a união e engajamento de fãs”, conta Seiler à Agência UVA.“A realidade do Rio é diferente da de SP, em termos de tamanho de população, poder aquisitivo e marcas”, disse o fundador da Queremos!.

Show de Arnaldo Antunes durante o Queremos! Festival 2025, no Circo Voador em abril. (Foto: Reprodução/Instagram)

Além da música alternativa, há também a falta de possibilidade para shows de K-Pop, que sempre terá São Paulo como local prioritário por sua maior distribuição de tribos e por uma quantidade de público possível maior. Segundo o fã do pop coreano Davi Bittencourt, o Rio vem engatinhando para shows de grupos como Stray Kids, que realizou um show no Estádio Nilton Santos, no último dia 1° de Abril. “Para mim, há sim demanda suficiente, e até imagino que aos poucos vão começando a ir um pouco mais para o Rio, mas o foco sempre será São Paulo. Infelizmente, é mais arriscado para o artista que não é mainstream trazer o show para o Rio”, afirma o jovem estudante.

Para José Siciliano, designer gráfico de 23 anos, e forte frequentador de shows, há menos locais ativos para shows no Rio de Janeiro. Recentemente, ele foi para Curitiba para assistir o sideshow de Olivia Rodrigo na Pedreira Paulo Leminski, atração que ficou de fora do Rio por conta do contrato de exclusividade do Sudeste para o Lollapalooza Brasil. “No Rio de Janeiro, os artistas vinham para a Apoteose ou a Rio Arena, na Barra da Tijuca. Há locais de shows, como o Parque Olímpico, que são super subutilizadas nos últimos tempos”.

José no Estádio Couto Pereira, em Curitiba, aguardando o show de Olivia Rodrigo, que aconteceu em março de 2025. (Foto: José Siciliano)

Em sua percepção, José não acredita que shows, mesmo que de mega artistas, funcionam em estádios no Rio de Janeiro. “Teve o show da Shakira, que lotou o Estádio MorumBis em São Paulo, mas que penou de encher o Engenhão”. A apresentação da cantora colombiana vendeu 35 mil ingressos, pouco mais da metade da capacidade do Estádio Nilton Santos. “Isso não necessariamente é um fracasso, mas não precisava ser lá”, relata o jovem.

De acordo com o Censo do IBGE de 2024, o Rio de Janeiro possui quase sete milhões de pessoas, com densidade demográfica de 5.174,60hab/km². Já São Paulo, possui quase o dobro disso: 11.8 milhões de pessoas e 7.528,26hab/km² de densidade demográfica. Essa proporção foi ressaltada por Lucio Ribeiro, fundador do site de jornalismo musical Popload, assim como o festival, que também traz shows para outras cidades brasileiras como o Rio de Janeiro. Apesar do Rio ser um cartão postal, ele não possui a diversidade de público de São Paulo, com frequentadores específicos de casas de shows e pessoas que querem descobrir novas bandas e artistas. Enquanto São Paulo, a maioria das pessoas trabalham e tem o atrativo noturno de sair para festas e shows, no Rio há mais atrativos naturais e visuais além disso.

“O Rio é um pouco complexo. Ele tem um porte de cidade gigantesca, mas não é tão gigante assim. É sempre uma aventura realizar um show aí. Muitos artistas e bandas querem fazer primeiro shows no Rio de Janeiro, por ser o Rio de Janeiro. Alguns shows da Popload Gig (selo de shows avulsos realizados pela Popload) sempre iam mal por não ter necessariamente o público de São Paulo. No Rio tem o negócio de grandes turmas, e não é todo mundo que engaja de verdade”, afirma o produtor e jornalista.

Outro jovem que frequenta a capital paulista para shows e festivais é Rodrigo Barroso, estagiário de T.I. que, recentemente, foi ao Lollapalooza Brasil 2025 para assistir Olivia Rodrigo. Para ele, São Paulo, por se tratar de um polo industrial gigantesco, favorece essa maior oportunidade de shows e eventos desse porte. Barroso também sente falta, em terras cariocas, de apresentações desse estilo, assim como peças teatrais como Wicked, com temporadas recentes somente em São Paulo.

Rodrigo Barroso, e sua namorada Rodrigo Bretas no The Town 2023, em São Paulo. (Foto: Rodrigo Barroso)

Para Lucio, apesar da desorganização em “turmas”, a cena cultural carioca é vista com otimismo. “Fui no Itinerâncias Rebels (festival realizado pela casa de shows Audio Rebel, em Botafogo) recentemente, na Fundição Progresso e Audio Rebel, e foi ótimo. Pelo que percebo, a cena está se ajeitando conforme as coisas vão acontecendo. Estou bem otimista, mesmo vindo de um olhar estrangeiro, de São Paulo, mas vejo que está bem legal”.

Mesmo sendo dois estados da mesma região brasileira e próximos geograficamente, a estrutura da cidade faz com que os públicos demonstrem comportamentos diferentes. No Rio, há muito mais atrativos naturais e paisagens turísticas, como o Cristo Redentor, o Morro Dois Irmãos, o Alto da Boa Vista, além das maravilhosas praias. Muito disso, anula a vontade de ir a shows da maioria dos cariocas, o que segmenta os fãs declarados de músicas e apresentações ao vivo. Embora há muitos fãs de arte, no geral, no Rio de Janeiro, isso provoca uma migração recorrente para Sampa, pela cultura diferenciada e mais ligada a vida noturna da capital paulista.

Foto de capa: Queremos!/Instagram

Reportagem de Vinicius Corrêa, com edição de texto de João Agner e Gabriel Ribeiro

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