A pandemia de Covid-19 representou muito mais do que uma crise sanitária global. Ela também instaurou uma profunda transformação na rotina de milhões de estudantes brasileiros, especialmente no ensino médio, implicando uma série de consequências até os dias atuais. Quando as escolas fecharam as portas em março de 2020, o que parecia ser uma medida temporária virou um longo período de ensino remoto, improvisado e desigual.
De um dia para o outro, adolescentes que viviam um momento que envolve bastante a parte emocional e social viram-se isolados em casa. Assim, tiveram de enfrentar incertezas, falta de estrutura para estudar e um ambiente digital que nem sempre era acessível ou eficaz. As consequências desse hiato educacional ainda estão sendo mensuradas, mas já é evidente que os danos vão além das notas: envolvem também a autoestima, a motivação e a capacidade de se relacionar com o mundo a sua volta. O ensino médio, que deveria ser uma fase de descobertas e preparação para o futuro, tornou-se, para muitos, um tempo de perdas de aprendizado, vínculos e perspectivas.

(Foto: Divulgação/Governo do Pará)
Segundo o professor de História e Sociologia, Erick Carvalho, o ensino remoto prejudicou sobretudo o aspecto social da aprendizagem dificultando a interação entre os alunos. Além disso, ele destaca a dificuldade em acompanhar o real desenvolvimento dos estudantes, já que muitas avaliações eram feitas pelos pais ou copiadas da internet.
“O ensino remoto comprometeu a troca entre os alunos e dificultou acompanhar o real aprendizado, já que muitas atividades eram feitas pelos pais ou copiadas da internet. Foi um desafio criar um ambiente em que eles se sentissem parte de um grupo e reconhecessem os colegas como parte do processo de aprendizagem”, conta o professor.
A escola desempenha um papel crucial na socialização dos adolescentes. Com o isolamento social, muitos estudantes enfrentaram sentimentos de solidão e ansiedade. A ausência do convívio diário com colegas e professores comprometeu o desenvolvimento de habilidades socioemocionais essenciais, impactando o bem-estar psicológico dos jovens.
A partir disso, o docente explica que por conta desses fatores os alunos mais novos perderam importantes referências dos colegas mais velhos e tiveram dificuldades de concentração e criatividade, agravadas pelo uso excessivo da internet durante as aulas. Como resultado, as notas caíram e foi preciso rever os critérios de avaliação.
“Os mais novos perderam o referencial dos mais velhos e tiveram dificuldade de concentração e criatividade. As notas caíram e tivemos que rever os critérios de avaliação por falta de atenção dos alunos”, relata o educador.
Pesquisas apontam uma redução significativa no desempenho dos alunos do ensino médio durante a pandemia. Segundo dados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) de 2021, houve uma queda no número de estudantes que atingiram níveis satisfatórios de aprendizado em Língua Portuguesa e Matemática. Esse impacto foi ainda mais evidente nas escolas públicas e em áreas com infraestrutura educacional precária.
Em entrevista para a Agência UVA, o estudante de História, Breno Cockles admite que deixou de aprender muitos conteúdos durante o ensino remoto, principalmente devido ao formato das atividades, que traziam perguntas diretas e pouco incentivo à argumentação.
“Deixei de aprender muita coisa, principalmente porque as atividades vinham com perguntas diretas, sem espaço para argumentar”, comenta o universitário.
Em relação a isso, um desafio para Erick Carvalho na volta às aulas foi que muitos alunos do ensino médio apresentaram comportamentos imaturos, ainda presos a hábitos do fundamental, por exemplo. Ele observa retrocessos no desenvolvimento social de estudantes autistas e destaca que a principal dificuldade certamente foi fazer os jovens se reconhecerem como mais maduros e responsáveis.
“No retorno, muitos alunos ainda agiam como se estivessem no fundamental. Houve regressão no desenvolvimento social, especialmente entre autistas, e dificuldade em assumir responsabilidades da idade”, fala o professor.
Ao refletir sobre o mesmo tópico apesar de ter uma perspectiva diferente, a estudante de Biomedicina, Karina Gomes, relata que na época do ensino remoto, a escola poderia ter investido mais em atividades que ajudassem os estudantes a visualizar a transição para a vida adulta. Ela acredita que eventos voltados para apresentar a dinâmica da graduação e as exigências do mercado de trabalho sejam fundamentais para orientar quem está prestes a concluir o ensino médio.
“Faltaram atividades que preparassem a gente para o que vem depois da escola. Seria importante ter eventos explicando como funciona a faculdade e o que o mercado de trabalho espera da gente”, expõe a universitária.
Para enfrentar os efeitos da pandemia na educação, é essencial investir na recuperação do aprendizado e no apoio emocional aos estudantes. Medidas como reforço escolar, capacitação de professores e melhoria na infraestrutura tecnológica são fundamentais, mas também é importante criar ações que evitem a evasão escolar. Superar esses desafios exige a colaboração de toda a sociedade para garantir o desenvolvimento integral dos estudantes.
Foto de capa: Rovena Rosa/Agência Brasil
Reportagem de Rafael Zoéga, com edição de texto de Gustavo Pinheiro
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