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Histórico e monumental, “Salão de Baile” evidencia a cultura ballroom no Rio de Janeiro

Longa-metragem documental traça a história e adaptação da cultura ballroom para o Rio de Janeiro

Existe uma linha de pensamento que é compartilhada por todos os personagens que integram o documentário “Salão de Baile”, onde, em todos os depoimentos, o cerne de seus relatos é a busca por identidade como pessoa LGBTQIAPN+ que se encontrou na cena ballroom do Rio de Janeiro. Um dos personagens diz que ballroom “é como um soro”. Outro diz que o ballroom “deu sentido à minha existência”. Outra diz que o apoio da cena e das houses, a salvou de ter que recorrer à prostituição. Os relatos se tornam o fio condutor da narrativa do filme, que se centra no ball “No Outro Lado da Ponte”, organizado para celebrar os principais coletivos fluminenses. A partir da festa, se desenvolvem ramificações que resultam em relatos emocionantes de membros da comunidade.

O documentário acaba tendo uma abordagem um tanto didática quando explica termos do ballroom, como os diferentes estilos de Voguing e performance. Esses termos, quando apresentados, são relacionados ao íntimo dos personagens que os performam no baile. Um dos exemplos é Legendary Imperatriz, que explica ter se identificado com o “old way” após entender a história do estilo, originado como afronta ao militarismo, que se comunica diretamente com sua vivência como moradora do Complexo da Maré. 

Três jurades se encarregam de avaliar as competições e cada categoria. (Foto: Divulgação/Festival do Rio)

Em diversos momentos, o longa se prontifica a reforçar que as origens da cultura ballroom não só vem de pessoas trans e travestis, como se é popularmente disseminado, mas que também vem de pessoas pretas. Esse destaque racial é essencial para a manutenção histórica da cultura e para que se entenda a busca por pertencimento e acolhimento nos bailes. Em uma das cenas, se critica as “Madonnas por aí”, como identificam pessoas que se apropriam da cena e do Vogue para benefício e capitalização própria sem o devido respeito ao histórico do movimento. Nesse momento, quem interpreta Madonna é uma pessoa preta, entregando um discurso divertido mas pertinente. Também se reforça como o ballroom é uma competição, sinalizando a romantização desses eventos por consequência de produções como a série “Pose”. Em certo momento do filme, há uma briga física entre duas convidadas.

O projeto é o primeiro longa-metragem documental sobre a cena ballroom no Rio de Janeiro, e vem sendo exibido em festivais de cinema pelo mundo, como na Dinamarca, Croácia, Reino Unido e Estados Unidos, até chegar no Brasil. Participaram do filme os coletivos House of Alafia, House of Blyndex, House of Bushidö, House of Cabal, The Royal Pioneer Kiki House of Cazul, Casa de Cosmos, Casa de Dandara, Casa dy Fokatruá, House of Império, Casa de Laffond, House of Mamba Negra e House of Raabe, além dos 007, como são chamadas as pessoas que não fazem parte de nenhuma casa. 

As queens performam na categoria “batekoo”, adaptada para a cultura brasileira. (Foto: Divulgação/Festival do Rio)

O título “Salão de Baile” é tradução literal do termo ballroom, cunhado nos Estados Unidos nos anos 1970. É impossível não referenciar o documentário “Paris Is Burning” — tanto que o próprio filme o menciona diversas vezes (em um momento, até é dito “Rio is burning”) — quando falamos de produções sobre a cultura queer, e “Paris Is Burning” é um documentário histórico por ter apresentado as origens dessa cultura naquele cenário. E é por isso que “Salão de Baile” se torna histórico na mesma medida. Além de apresentar o surgimento da cena no Rio de Janeiro, a delicadeza na narrativa permeia por todo o longa com o abrasileiramento de termos, uso de gírias e recursos culturais próprios, e explora a adaptação, a recepção e a aceitação da cultura ballroom em outro país, tanto na performance como nas categorias, como a adaptação do “batekoo” por exemplo.

A sensibilidade na direção e nas entrevistas é mérito dos diretores Vitã e Juru, que além do cuidado na apuração e constituição de um elenco diverso, são responsáveis pela transmissão de relatos de resistência e vivacidade da potência das noites queers e balls no Rio de Janeiro. Histórico e monumental, “Salão de Baile” é uma experiência essencial para todos os membros da comunidade.

Confira o trailer de “Salão de Baile”, que integra o circuito da 26ª edição do Festival do Rio:

Foto de capa: Divulgação/Festival do Rio

Crítica de João Agner, com edição de texto de Mariana Motta

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