Quase quinze anos após a morte de Amy Winehouse, já era de se esperar que, cedo ou tarde, uma cinebiografia sobre sua vida e carreira fosse realizada. Isso, levando em conta a quantidade de filmes deste estilo feita nos últimos anos, principalmente voltados para músicos, como “Bohemian Rhapsody” de Freddie Mercury, “Rocketman” com Elton John e “I Wanna Dance With Somebody” de Whitney Houston. Filmes desse tipo, que ganharam maior quantidade após a biopic do vocalista do Queen, costumam ser recebidos como uma homenagem ao artista em questão, em especial se for póstuma. Com “Back to Black”, cinebiografia de Amy Winehouse dirigida por Sam Taylor-Johnson que chega aos cinemas nesta semana, isso não seria tão diferente.
O filme passa de forma linear e episódica pela vida da artista, desde o final da sua adolescência. Percorre brevemente a criação do seu primeiro disco, “Frank”, chega contundente ao vício em drogas e álcool da artista, e culmina em sua morte aos 27 anos. Tudo isso acontece da forma mais repentina possível, com lapsos de anos que duram minutos. Apesar de ser um filme, e já ser esperado do formato certas limitações em duas horas de duração, nada é interligado pela história da artista, pelo seu amor a música, ou por suas composições.
Amy é interpretada pela atriz britânica Marisa Abela, sendo este o seu primeiro papel de destaque no cinema. Ela performa todos os maneirismos de Winehouse, como o gingado urbano de Londres, o jeito de andar e a postura que todos conhecem de forma exagerada. Há uma tentativa de apresentar o virtuosismo da personalidade da cantora e sua forma de se apresentar e se comunicar, principalmente. É algo quase impossível que Marisa, infelizmente, não entrega totalmente. A aparência de Abela foi algo que deixou os fãs da artista com o pé atrás para o filme. As únicas semelhanças são a maquiagem e o cabelo de colmeia — que lembram um cosplay.

O que mais aparece na história de Winehouse contada por Sam Taylor-Johnson, junto do roteirista Matt Greenhalgh, é seu relacionamento com Blake Fielder-Civil, interpretado por Jack O’Connell. Algo justificável, pois havia uma dependência emocional significativa deste que foi o primeiro grande amor da cantora, e por ter sido um envolvimento conturbado e regado à bebida, drogas e agressões físicas. O namoro, que Fielder rompeu com a artista inicialmente em 2005, influenciou o disco que dá nome ao filme, “Back to Black”. O casal volta após o lançamento do álbum, em 2007, e se casa.

Outro responsável pela falta de amparo na vida de Amy foi o pai da artista, Mitch, aqui interpretado por Eddie Marsan. O lado aproveitador e explorador da degradação da filha, apresentados no documentário vencedor do Oscar “Amy” (2016), de Asaf Kapadia, ficaram de fora do longa de Taylor-Johnson. Aparentemente, isso tem a ver com o aval dado pelo próprio Mitch para a produção do filme. Episódios como a filmagem de um documentário aprovado pelo pai enquanto a filha estava em uma clinica de reabilitação isolada, e sua atitude de forçar Amy a subir no palco em uma de suas últimas apresentações, não existem na cinebiografia.

Além disso, o papel nocivo da mídia na invasão da privacidade de Amy é algo quase nulo no filme. A exposição midiática da vida de Winehouse é algo criticado e condenado até hoje, principalmente quando se observa em retrospecto a cultura voraz de paparazzi. Todo o impacto significativo de Amy na música pop e na cultura popular dos anos 2000, no filme, se torna insignificante. Os recordes e vendas de seu segundo álbum, que conta com hits como “You Know I’m No Good”, “Back to Black”, “Love Is a Losing Game” e, em especial, “Rehab”, são apenas números e recriações de apresentações ao vivo em festivais e premiações.
“Back to Black” pode funcionar como um resumão para iniciantes que não conhecem a fundo a trajetória de uma da artista. Amy era uma das figuras menos convencionais das últimas décadas, uma artista de Soul e Jazz com visual Punk, cheia de tatuagens e cabelo de colmeia, influenciada pelas Shangri-Las. No longa, essa personalidade é tratada com receio e sem nenhuma quebra de barreiras e tabus, que ela própria viveu.

A narrativa do filme é folhetinesca e pretensiosa, com uma “passada de pano gigante” para o pai de Winehouse. As canções da artista são apenas artifícios para uma narrativa que atropela qualquer tipo de nuance dos acontecimentos marcantes de uma breve carreira. O som diferente e único, influenciado pelo Jazz é irrelevante para a história contada no filme — o que é contraditório, pois Taylor-Johnson opta por abrir o longa com uma frase de Winehouse desejando ser lembrada por sua voz.
Quem for assistir, saberá somente que é sobre “a cantora de Rehab”, que faleceu aos 27 anos. “Back to Black” não é um drama familiar sobre perder um filho para o alcoolismo, e não é um melodrama sobre um relacionamento tóxico, apesar de ser o que mais aparece no filme. Muito menos, é sobre a tragédia da vida de uma das cantoras mais populares do mundo, naquele momento. É, meramente, a cinebiografia superficial que já se esperava.
Foto de capa: Reprodução/Focus Features
Resenha de Vinicius Corrêa, com edição de texto de Gabriel Folena
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