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Tesão e tênis caminham lado a lado em “Rivais”

Novo longa de Luca Guadagnino traz três tenistas em relacionamento conturbado e transitando por diferentes fases da vida

Em entrevista durante uma das premieres de “Rivais” (originalmente “Challengers”), um dos longas mais aguardados do ano, o roteirista Justin Kurtizkes diz que “uma verdade sobre triângulos amorosos é que todos são, em sua natureza, queer, ainda mais quando todas as pontas do triângulo se tocam”. Ele se estende dizendo que tênis é um esporte naturalmente erótico, e, por ser um combate de pessoas do mesmo gênero, acaba encontrando também um teor homoerótico. Nesse panorama, temos os dois melhores amigos e tenistas Art Donaldson (Mike Faist) e Patrick Zweig (Josh O’Connor), ora parceiros ora adversários na quadra, se aproximando da veterana premiada Tashi Duncan (Zendaya) na adolescência. Na vida adulta, a amizade desaparece, mas os dois se reencontram para uma partida decisiva. 

Agora, Art e Patrick se enfrentam como rivais dentro da quadra, e são inimigos fora dela. Treze anos antes, os dois eram melhores amigos. Ambos conheceram Tashi no mesmo lugar, uma festa de patrocínio, encontro esse que se torna um momento descontraído no quarto dos dois meninos, e que termina com os três em amassos. No fim das contas, é com Patrick que Tashi namora, mas é com Art que ela se casa. No meio tempo, uma lesão compromete toda a carreira da tenista, que acaba se tornando treinadora de seu marido. “Rivais” tem como palco essa partida de tênis entre os ex-amigos, que sofre múltiplos cortes para retornar ao passado do trio protagonista. A cada retorno de flashback para o presente, com mais informações e desenvolvimento, a tensão aumenta. O filme cresce em uma constante rumo ao fim épico na partida, exigindo a atenção do espectador para as nuances e o subtexto. 

O trio rapidamente desenvolve uma relação de muito desejo, que se torna confusa conforme se conhecem melhor. (Foto: Reprodução/YouTube)

Tesão e tênis a parte, o ponto que acaba sendo mais interessante em todo o filme são as relações interpessoais entre as pontas do triângulo. No longa, tênis não é apenas um esporte e sim um “relacionamento”, como dito pela personagem de Zendaya, mas também é, puramente, um jogo psicológico. Essa dinâmica fica mais explícita com o andar do filme, conforme se aprofunda a trajetória dos personagens. Os relacionamentos nesse trio são regidos a partir de uma incessante dinâmica de poder, um jogo de interesses traduzido no desejo intrínseco que os personagens sentem um pelo outro, além de um eterno ressentimento pela vida que cada um poderia ter tido.

Tashi, que é amada por um homem que não respeita e casada com um homem que não tolera, trocaria o marido e a filha pelo retorno da carreira; Art, traído pelos mais próximos, tem uma esposa que não o ama mas o inveja, e que é desejada por seu amigo; Patrick não tem a mesma afeição pelo esporte que seu amigo e sua amante, o que deixa turvo o entendimento de por quem ele é apaixonado, e torna-o um empecilho no casamento dos dois. Nenhum deles é inocente, sempre motivados pelos próprios interesses, e o fardo dessa contradição é entregue ao público na forma de mudanças repentinas e frequentes de “torcida” pelos personagens no decorrer do enredo.

É mérito de Luca Guadagnino (“Me Chame Pelo Seu Nome”, “Suspiria”), diretor do longa, encontrar sexualidade e erotismo na prática do tênis. Ele os traduz com sofisticação nas entrelinhas de qualquer interação entre os protagonistas. Mesmo não se tratando de um esporte de contato, a construção de tensão, desejo, ódio e todo o maquinário sexual do filme, assimilado com os flashbacks, torna disruptivo o distanciamento entre Art e Patrick durante a partida. Os mais familiarizados com o trabalho do diretor já tem uma noção do que esperar, mas seu trabalho atinge um nível elevado neste projeto. É delicado, malicioso, excitante e potente.

O âmbito técnico do filme também se mostra excelente pela cinematografía inventiva e original de Sayombhu Mukdeeprom, parceiro de longa data de Guadagnino. A trilha sonora eletrizante da dupla Trent Reznor e Atticus Ross, membros da banda de rock Nine Inch Nails, não fica para trás. Os músicos trazem uma abordagem inspirada no techno europeu e raves para compor o filme de forma energética, e elevam a tensão assim como em sua última colaboração com Luca para a trilha de “Até Os Ossos” (2022). 

Todos os personagens são perfeitamente elencados, mas Josh O’Connor (“God’s Own Country”, “The Crown”) se revela como o grande destaque do filme, sendo presenteado com um personagem que explora todas as suas multitudes como ator. Patrick é sexy, calculista, preciso com suas ações e consciente de tudo que faz, para o bem e para o mal. Sua atuação  ainda se eleva na parceria com o talentoso Mike Faist (“West Side Story”), se destacando como um atacante inteligente e sorrateiro que envelhece submisso. Já Zendaya (“Duna”, “Euphoria”) entrega uma atuação mais madura, adequada para sua primeira personagem adulta. Ela incorpora o tom vilanesco sutil de Tashi, embora seja um pouco ofuscada pelos colegas. Mesmo assim, a química dos três é hipnótica. 

(Foto: Reprodução/YouTube)

“Rivais” excede as expectativas com uma montagem coesa, jogo de câmeras deslumbrante e enredo delicioso. Apresentando um trio de anti-heróis ambíguos e contraditórios, características que os tornam viscerais e reais, o filme se destaca pela abordagem da dinâmica entre poder e sexo, centrada no gramado verde-claro de uma quadra de tênis, que rege todo o subconsciente dos personagens. Em seu quinto longa, Luca Guadagnino continua trazendo para as telas formatos de relacionamentos baseados em uma humanidade falha, reflexo da sociedade que assiste seus filmes—nunca inteiramente certos, nunca inteiramente errados, mas inteiramente humanos. 

Confira o trailer de “Rivais”, já disponível nos cinemas:

Foto de capa: Divulgação/Warner Bros.

Crítica de João Agner, com edição de texto de Gabriel Folena

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