Por Hunter
Posso te dar meu melhor, respeitar as métricas, falar rebuscada, me prender numa caixa; largar gastronomia e procurar um emprego sério, que ainda assim, não serei a neta preferida. “Posso fazer jornalismo, então”. “Agora sim! Meu sonho é te ver na faculdade.”
Te ouvi ontem dizendo baixinho que se tivesse um filho homem faria um restaurante. Rasguei meu diploma. Te faço uma ceia, enorme com tudo que você ama, você me chama no canto, e eu com os olhos brilhando esperando por seus elogios, me deparo com pontos a melhorar. Nunca nada está bom.
Sou a caçula em todas as famílias que frequento, em algumas sou até a escondida. Não há domingos paternos, preguiçosos; me sobra o intervalo entre as aulas que ele dá. Não sei onde ele mora, não conheço pessoas com meu sangue, só de fala. Elas realmente existem? Ou melhor, eu realmente existo? Você foi o primeiro homem que me manteve em sigilo. Todos os outros que vieram depois, em encontros em quatro paredes, foram partes menores. Pra mim, amor sempre foi isso.
E na terceira família, enrolo acaçá, crio filhos, vou de mala e cuia pra não voltar tão cedo, e a sensação que tenho é que sempre estou fazendo o errado na hora errada, querendo aprovação de pessoas erradas. Sei que estamos sempre aprendendo e que sempre tem pontos a melhorar, mas sinto que são mantidos em segredos, exceto nas rodas de fofoca; lá, estou nua. Todos sabem dos meus podres. Ninguém entende o que eu sinto.
Nos poucos lugares que sou veterana, estou em último lugar. Dizendo que não preciso de ninguém, que sou tão independente quanto o ventre que me pariu, mas um sorriso, um aceno com a cabeça, um “eu me orgulho de você” seria uma massa corrida nas rachaduras do meu pulso, do meu peito e da história. Eu estou cansada de correr, com o útero em hemorragia e uma cabeça em constante explosão.
Acho que não tem outra saída, com 22 talvez eu me acostume. Passe a levar casaco, esperar na sombra esfria. Fazer o que eu quiser de uma vez por todas, já que ninguém liga. Chegar nas ceias de natal com as mãos abanando, seguir sendo a última a saber, romper os Akai Itos que enrolaram no meu pescoço e sair do último, para o penúltimo, até que eu não precise mais de aprovação.
Foto de capa: Divulgação/HBO
Crônica de Hunter, com edição de texto de João Agner
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