Ciência Saúde

Entenda a demora na criação da vacina da dengue

Brasil enfrenta casos da doença viral há mais de 40 anos; entenda o porquê da demora na criação de um imunizante eficaz

Com tantas epidemias da doença viral da dengue há 40 anos no Brasil, o país enfrenta um desafio contínuo no combate ao vírus. O número de casos e mortes aumentam de forma preocupante nos últimos anos. Mesmo diante desse cenário alarmante, a busca por uma vacina eficaz e o caminho para a criação desses imunizantes trouxe diversos desafios. Para chegar na imunização dos cidadãos brasileiros, foi preciso percorrer um longo caminho. Existem diversas complexidades acerca da produção dessas vacinas e a demora delas. Confira as dificuldades enfrentadas e o porquê da demora explicadas e debatidas por infectologistas.

O COMEÇO

O vírus da dengue circula pelo Brasil há quatro décadas. A primeira epidemia da doença comprovada foi no ano de 1982 em Boa Vista, Roraima, de acordo com um estudo do Professor Alexandre da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Em um estudo da Fiocruz de Minas Gerais, os sorotipos que circulavam naquela época eram o DENV-1 e DENV-4. Em 1986, o sorotipo DENV-1 chega ao Rio de Janeiro e logo após, entre os anos 1990 e 2000, o DENV-2 e DENV-4 são também se espalham no estado.

A transmissão do vírus é adquirida pela picada do mosquito fêmea Aedes aegypti infectado.
Foto: Pexels

O AUMENTO DE CASOS

Em março de 2024, o número de casos confirmados ou suspeitos da dengue ultrapassou o total do ano anterior. Segundo o Ministério da Saúde, só nesse ano, o país registrou mais 1,68 milhões de ocorrências, sendo o número total do ano passado chegou a 1,58 milhões. O quadro de apenas em três meses ultrapassar o total de casos de um ano cria uma possibilidade para que 2024 seja o pior ano da doença. O professor Celso Ferreira Ramos Filho, do curso de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro titular da Academia Nacional de Medicina e coordenador da Câmara Técnica de Doenças Infecciosas e Infecções Hospitalares do CREMERJ, enfatiza que o crescimento de casos neste período anual poderiam ter sido evitados.

“A demoara se dá pela produção insuficiente da vacina pelo laboratório Takeda. Aliás, se não fosse o fato de que no segundo semestre de 2023, já era possível prever uma alta transmissão, com a incidência semanal começando a ocorrer antes do habitual”, explica o professor.

A CRIAÇÃO E A DEMORA DAS VACINAS 

A Takeda, empresa biofarmacêutica japonesa líder global, é a responsável pela criação da Qdenga, imunizante contra quatro sorotipos virais. O Brasil é o pioneiro no mundo a disponibilizar a vacinação de forma universal pelo do sistema público, o Sistema Único de Saúde (SUS).

Os resultados da eficácia da vacina correndo de 30 dias a 12 meses após a segunda injeção, segundo a bula divulgada pela Takeda
  Foto: Divulgação/Takeda

De acordo com o médico infectologista e epidemiologista Bruno Scarpelli, os quatro sorotipos da doença viral representam um desafio significativo para o desenvolvimento de imunizantes. A disponibilização dessas vacinas para a população requer um extenso período de estudos, principalmente para avaliar uma correta resposta ao sorotipo quatro no caso da Qdenga. E esse estudos para o desenvolvimento de vacinas são complexos devido à duração da pesquisa, à conformidade com as normas éticas e regulatórias e de qualidade internacionais, bem como à sazonalidade dos casos da doença viral da dengue.

“A existência de casos do sorotipo quatro foi baixa durante a execução dos estudos. Dessa maneira, avaliar uma resposta correta vacinal para este sorotipo é complicado, ou seja, é preciso de mais estudos para o DENV-4”, explica.

O professor Celso Ferreira Ramos Filho, da Faculdade de Medicina da UFRJ, destaca que, caso a pessoa passe por uma segunda infecção pelo vírus da dengue, pode acarretar complicações mais graves, em virtude de um processo conhecido como facilitação imunológica.

“Anticorpos em qualidade ou em quantidade suficiente para neutralizar um vírus podem ligar-se às partículas virais, facilitar a entrada na célula, e propiciar a sua multiplicação. Assim, uma vacina contra a dengue terá que imunizar inteiramente e por igual contra os quatro tipos”, explica o professor.

Segundo Organização Pan-Americana da Sáude, a infecção por um sorotipo distinto amplia a probabilidade de dengue severa e até mesmo de óbito
Foto: Pixabay

O Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, também explica sobre os riscos graves caso tenha um escape vacinal com um dos vírus não incluídos e se não houver uma eficácia adequada na vacina.

“É preciso uma vacina que contenha os quatro vírus com a eficácia alta e avaliar se não houve risco aumentado de doença grave em um paciente vacinado, para que eventualmente não evolua após anos da vacinação”, esclarece o Infectologista.

A DISTRIBUIÇÃO DA VACINA E A ESPERANÇA

A Qdenga é atenuada, o vírus se encontra ativo mas sem desenvolver a doença, e funciona com duas doses com intervalo de três meses entre elas. A partir dos 4 anos aos 60 anos de idade podem tomar a vacina, que é distribuída gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Pelo Instagram da Secretária Municipal de Sáude da Prefeitura do Rio de Janeiro é possivel acompanhar a vacinação da dengue por idades.

“A vacina é a melhor ferramenta que nós temos agora para reduzir o número de casos, principalmente as complicações e as mortes. O problema é que temos uma disponibilidade de vacinas muito pequena, então precisa aumentar a disponibilidade dela, na verdade, aumentar a capacidade de produção do laboratório que produz para que mais doses possam ser ofertados”, alerta Alberto Chebabo.

Com a pandemia da COVID-19 em 2020 fica clara a importância da imunização, e de fato, com a dengue se torna transcendência da proteção contra o vírus. Porém, a demora da distribuição do imunizante para a população pode colocar em risco a vida das pessoas, mas com mais vacinas sendo distribuidas pelo Sistema Unico de Saúde (SUS), há uma esperança que, gradualmente, os casos e mortes pelo vírus da dengue diminuia no Brasil.

Em breve, o Brasil irá ganhar sua própria vacina. Desenvolvida pelo Butantan, o imunizante de dose única, planeja proteger contra os quatro sorotipos do vírus da dengue. O imunizante espera a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Tem a previsão de distribuição, pelo SUS, no segundo semestre de 2024.

Foto de capa:  Divulgação/Takeda

Reportagem de Juliana Ramos com edição de texto de Victoria Muzi

LEIA TAMBÉM: Rio inicia vacinação contra a dengue para jovens de 10 a 14 anosRio inicia vacinação contra a dengue para jovens de 10 a 14 anos

LEIA TAMBÉM: Dengue: tire as principais dúvidas sobre a vacinação

3 comentários em “Entenda a demora na criação da vacina da dengue

  1. Avatar de Claudia

    Excelente matéria! Agora eu entendi a demora dessa vacina.

  2. Avatar de Andréa Ferreira
    Andréa Ferreira

    Como foi importante essa explicação, realmente não tinha noção. 

  3. Pingback: Secretaria de Saúde do Rio estende campanha de imunização contra a gripe | Agência UVA

Deixar mensagem para Claudia Cancelar resposta