Cinema Sociedade

Edição especial CineClube Dia da Mulher: Mulheres compartilhando suas vivências foi pauta principal do evento

No dia 8 de março, o Museu de Arte do Rio abriu espaço para uma edição especial do CineClube Zezé Motta em comemoração ao Dia da Mulher

O Museu de Arte do Rio de Janeiro deu espaço nessa sexta (8), para uma edição especial do CineClube Zezé Motta em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Com apoio do projeto de incentivo a cultura Passaporte Cultural, o evento exibiu curtas-metragens com entrada gratuita, seguido de uma roda de conversa com as diretoras.

O Passaporte Cultural trouxe a ONG Acemades, localizada na Vila da Penha, um projeto que promove passeios, esportes, conexões e até assistência psicológica para pessoas com mais de 60 anos. Edna Gomes, participante do projeto declarou que foi aberta para conhecer os assuntos melhor. Para ela, aprender e conhecer é sempre bom, idade não é a desculpa para não estar inteirado nos assuntos e enfatizou que “saber não ocupa lugar”.

Mulheres da ONG Acemades com a assistente do Passaporte Cultural, Marcella Cigana. (Foto: Agência UVA/Hunter)

O evento se iniciou com introdução de Taíla Borges, superintendente de audiovisual, que explicou mais a fundo o projeto CineClube, uma iniciativa que atua desde 2022 e recebeu esse nome para homenagear a atriz Zezé Motta e seus mais de 50 anos de carreira.

A primeira exibição foi o curta “Mulheres da Independência” de Kelly Siqueira, que retrata mulheres importantes para a independência do Brasil, mas que foram apagadas pela história. De forma poética e musical, o vídeo preservou a memória de mulheres como Maria Filipa, Maria Quitéria e Imperatriz Leopoldina, e suas respectivas lutas. Kelly ressalta que seu curta é muito performático, e a palavra é uma dádiva e um poder muito forte, mas sempre se expressou com o corpo.

Em sequência, o curta “Rainha”, de Sabrina Fidalgo, com sua estética em preto e branco, apresentou a história de Rita, uma mulher negra e de periferia que lutou por três anos para realizar um dos seus maiores sonhos: ser rainha de bateria da sua comunidade.

Além de abordar suas questões internas, como sua insegurança com seu próprio corpo, ela mostra o racismo, o abuso que sofreu com uma gangue de delinquentes e como teve de se manter de pé. Sobre a gangue, a diretora deixou aberta à interpretação, podendo se tratar de pessoas reais, ou de rostos para os medos e opressões de Rita.

Por fim, um curta mais leve, “O fundo dos nossos corações” de Letícia Leão, mostra de forma cômica e pelos olhos de uma criança, como os bebês nascem. A personagem Joana, filha de duas atrizes, se viu intrigada quando as outras crianças disseram que saíram da barriga de suas mães. Tendo duas mães, não sabia como poderia ter saído de duas. Leão trouxe representatividade LGBTQIAP+, sem tocar em pautas como homofobia, e tirando gargalhadas do público com a inocência das crianças.

A importância de contar suas histórias

Daniela Cruz, intermediadora do debate, ressaltou a importância dos recortes e de cada mulher contar sua própria história. “Em ‘Rainha’, não conto minha própria história, mas sempre conto minhas realidades em meus filmes”. Kelly Siqueira, disse também não contou sua história, mas sua motivação para seu curta foi quando viu Leopoldina sendo tratada como apenas a esposa de Dom Pedro.

“Isso me fez pensar. Ela trouxe livros, sabia tocar instrumentos, era uma mulher culta, mas sempre ridicularizada quando tentava demonstrar isso. Isso durante a pandemia me fez imaginar; será que ela tinha algo a contribuir? Ao estudar Leopoldina, conheci Maria Quitéria, Joana Angélica, e muitas outras mulheres”, conta a criadora.

Letícia conta que construiu sua narrativa em cima de afeto, cansada de violência., com duas mulheres se amando de forma natural e pública, sem questionamentos da sociedade. O curta tem referências a Maria Jacinta, escritora e diretora teatral brasileira e lamenta que como só é reconhecida num âmbito acadêmico.

Ao serem questionadas sobre a dificuldade de se trabalhar com homens, Sabrina disse que hoje, sente mais liberdade de escolha, mas ressalta problemas com pessoas que não conseguem respeitar o comando e a voz de uma mulher. A partir do curta exibido, ela decidiu trabalhar com equipes majoritariamente femininas, e notou essa fluidez no longa que está produzindo. Letícia concordou; seu curta também foi majoritariamente produzido por mulheres, e sentiu o diálogo melhor entre os integrantes do set.

“Quem está sendo representado está confortável, por isso é necessário que a gente fale. Vieram movimentos de pessoas de fora que não se sentiam representadas, estou surfando numa onda de quem veio antes. Ainda tem muito a ser feito, mas vejo esperança”, comenta Letícia. 

Kelly, desabafou sobre tomar uma posição de mãe do set todo, e sentir que a ideia do outro é colocada, mas as mulheres ainda são poucos ouvidas. Ainda ressaltou a diferença de opiniões no elenco, enquanto seus colegas de equipe se maravilhavam com a atitude Maria Quitéria, ao se vestir de homem pra lutar pelo seu país, ela sentia-se triste.

Opressão de gênero e a insegurança 

Segundo o Conselho Nacional da Saúde, a opressão de gênero pode gerar problemas emocionais, cognitivos e comportamentais, como baixa autoestima, insegurança, entre outros transtornos. A autossabotagem e a sensação de insuficiência foi um tópico que Daniela trouxe para o debate, então questionou as diretoras sobre quando deixaram isso pra trás e tiveram seu chamado “ponto de virada”.

Kelly respondeu que sua arte partiu da dança, foi sua forma de se expressar quando não podia falar em uma casa repleta de homens, mas seu ponto de partida foi se ver em pessoas que nunca pediam permissão, como mulheres rebeldes, e foi aí que começou a se perguntar: por que eles podem e eu não?

Já Sabrina cresceu em um lar de artistas e tomou isso como ponto de virada para seguir a carreira no audiovisual.

“Homens são alimentados para sair de casa e voar, mulheres não. Você tem que mover muitos mundos para realizar um filme, e você precisa ter certeza. Cinema é um lugar para pessoas com autoconfiança, por isso é tão dominado por homens”, explicou Sabrina.

O ponto de virada de Letícia foi participar de laboratórios que a acolheram muito bem. A diretora confidenciou que sempre brincou de cinema e com câmeras, e nunca viu isso como carreira, mas sua mãe sim. A diretora se emocionou ao dizer que a última fala de sua mãe, que faleceu quando ela tinha 14 anos, foi “filha, se quer ser artista, vá ser artista.” 

Os curtas “Rainha” e “Mulheres da Independência” estão disponíveis no YouTube, e “O fundo dos nossos corações” ganhou um edital para se tornar uma peça de teatro chamada “Tem Bastante Espaço Aqui”, inspirada no filme e que vai abordar outras formas de maternidade lésbica, sem data de estreia definida.

Foto de capa: Agência UVA/Hunter

Reportagem de Gyovanna Cabral, com edição de texto de João Agner

LEIA TAMBÉM: Museu de Arte do Rio promoverá CineClube com entrada franca no Dia Internacional da Mulher

LEIA TAMBÉM: Pobreza menstrual: colocando em evidência a desigualdade social e a misoginia

Avatar de Desconhecido

Sobre Hunter

Eu me escolhi chamar Hunter e usar a arte como refúgio. Escrevo ficções especulativas; em 2021, publiquei Colmeia e A outra, porém após problemas com a editoração retirei A outra de publicação. Em 2022 publiquei Rompendo Akai Itos, um livro de poesias que fala sobre rompermos laços tóxicos. E hoje em dia, sou formada em gastronomia, estudo jornalismo com uma bolsa na UVA e sou repórter na Agência UVA, onde tenho minha própria coluna de crônicas e cuido das matérias culturais e internacionais. E no meu Instagram @hunterlivros, monto um acervo de fotos estilo 2000 junto de meus textos chamado "Caixinha de papel debaixo da cama".

0 comentário em “Edição especial CineClube Dia da Mulher: Mulheres compartilhando suas vivências foi pauta principal do evento

Deixe um comentário