Cultura Da sala de aula Sociedade

Representatividade feminina nas rodas de rima

Mulheres encontram em batalha de rima feminina, formas de expor sua arte, vivências e empoderamento

Por Ana Júlia Parreira

Quando tinha 11 anos de idade, Pekena MC, nome artístico da jovem de 18 anos, Karinna Dias, estava em uma praça de seu bairro Jardim Catarina, em São Gonçalo, e notou uma movimentação de pessoas rimando versos. Encantada, decidiu fazer parte daquilo. A pouca idade não significou nada perto da grande coragem que Pekena teve, foi em frente mesmo sem nunca ter praticado a técnica de freestyle.

“Minha primeira batalha de rima foi muito memorável pelo fato de ter o apoio das pessoas, mesmo rimado mal. Por ser muito nova, ninguém “botou fé” em mim, mas quando peguei o microfone e rimei, vi o pessoal cativado e gritando. Foi quando eu decidi que queria viver isso”, relata a jovem.

Pekena MC rimando na Batalha da Lona, em São Gonçalo
Imagem: Reprodução/Jennyfer Costa

As rodas culturais ou rodas de rima são encontros comunitários de manifestação da cultura Hip Hop. Promovidas por um público já inserido na cultura urbana, o objetivo é gerar um espaço de encontro, expressão artística e lazer. Esses eventos buscam não apenas promover a habilidade dos artistas, mas também preservar e celebrar a essência e os valores fundamentais da cultura, como a expressão pessoal, a criatividade, a originalidade e a consciência social.

É importante destacar que mulheres sempre estiveram presentes em movimentos culturais periféricos, mas por muito tempo o machismo no Rap tentou silenciar as vozes femininas em diversas situações.

Thaynara, conhecida nas batalhas como Pitanga Zn, é da Zona Norte do Rio de Janeiro e circula nas rodas de rima como MC e produtora musical. Para Pitanga Zn, a sensação de rimar é libertadora, é através das rimas que ela se alimenta como artista e se fortalece como mulher negra. Ela é um dos rostos do Hip Hop e denuncia: “muitas das vezes vejo pessoas levantando bandeira em frente às câmeras, mas vivendo outra realidade. Isso dificulta o processo de maior inclusão feminina dentro do movimento Hip Hop.”

“Encaro o silenciamento das mulheres na cena da forma mais rebelde possível, Tento rebater o machismo ao conceder voz às minas e abrir a mente dos homens. A cada dia que passa eu vejo mais mulheres se encorajando e se integrando nesse ambiente”, afirma a MC.

Ao fundo, Pitanga MC apresentando a Batalha do Engenhão, Zona Norte do Rio.
Imagem: Reprodução/Batalha do Engenhão

Durante anos, as rodas culturais foram frequentadas por um público majoritariamente masculino, o que influenciou diretamente na presença feminina nesses ambientes, seja pela falta de oportunidade dada às artistas ou pelo ambiente predominado por homens, causando a sensação de desconforto e não pertencimento. No entanto, com a resistência feminina, atualmente é possível notar uma maior presença de mulheres fazendo a diferença nesse cenário.

Roda Cultural da Cantareira apresenta edição “Especial Delas”

Thainá Nogueira, de 26 anos, é jornalista, organizadora e mestre de cerimônia da Roda Cultural da Cantareira em Niterói, no Rio de Janeiro. Quando entrou para administração da roda em 2019, não havia outras mulheres, a equipe era composta apenas por homens.

“Eu amo o Hip Hop, então pensei em me oferecer como social mídia da roda. Depois de um tempo, comecei a ser apresentadora nas edições. Sempre foram só homens na organização, não tinha nenhuma mulher. Foi uma coisa que me fez repensar antes de entrar, mas era a melhor coisa que estava na minha frente e que eu podia ajudar”, afirma Thainá.

Thainá Nogueira (de amarelo) apresentando a Roda Cultural da Cantareira
Imagem: Reprodução/ Roda Cultural da Cantareira

Após um tempo na administração, Thainá teve a ideia de retornar com a edição especial para mulheres, que já existia, mas que foi interrompida por falta de incentivo. Com o nome “Especial Delas”, a edição é um evento exclusivo para mulheres, no qual poetas, DJs, MCs e artistas femininas têm a oportunidade de expressar sua arte.

A roda das minas é uma oportunidade melhor para o público feminino tanto na arte, quanto no empoderamento e na vivência. Para a organizadora é um espaço de acolhimento em que as mulheres podem se sentir donas do espaço, assim como a maioria dos homens já sente nas rodas. É necessário ter uma roda das minas justamente para mostrar que a aceitação das mulheres nas batalhas de rima deveria ser uma coisa normal.

Público na edição Especial Delas
Imagem: Reprodução/Roda Cultural da Cantareira

Thainá relata que o público feminino enxerga a edição Especial Delas como uma
oportunidade maior de denunciar problemas sociais que as mulheres sofrem, falam mais abertamente sobre assédio, por exemplo, sobre questões de mulheres pretas, sobre questão de mulheres trans e travestis.

“Vejo que se tornou um evento à parte da roda, porque a presença feminina na plateia é extremamente maior, elas sentem mais confiança para se expressar e interagir mais. Muitas mulheres trans e travestis, por exemplo, não se sentem à vontade de rimar em dias de edição para todos os públicos, justamente porque a maioria do público é masculino, então elas têm receio de sofrerem preconceito e discriminação”, diz a organizadora.

Artista em apresentação de dança na edição Especial Delas
Imagem: Reprodução/Roda Cultural da Cantareira

A Roda Cultural da Cantareira acontece às terças-feiras, 20 horas, a cada 15 dias, na Praça da Cantareira – São Domingos, Niterói. A edição Especial Delas ocorre uma vez ao mês.

Elas rimam sem medo

De Nova Iguaçu na Baixada Fluminense, Sereia MC, nome artístico de Kathelen, de 23 anos, circula pelas rodas de rima do Rio de Janeiro. Em 2021, quando estava em uma depressão profunda, a artista que sempre admirou o movimento Hip Hop, decidiu frequentar uma batalha de rima de seu bairro. Sereia batalhou pela primeira vez e ganhou a edição.

“Depois desse dia, minha vida mudou. Conheci pessoas que confiaram no meu
potencial e me incentivaram a seguir em frente nesse meio. Foi a melhor coisa que fiz na minha vida, não sei o que seria de mim sem as batalhas de rima e sem o Hip Hop”, conta Sereia MC.

Sereia MC rimando na Batalha do Engenhão, Zona Norte do Rio.
Imagem: Reprodução/Batalha do Engenhão

Sereia relata que hoje as mulheres que frequentam batalhas de rima confrontam o machismo sem medo e mostram que são merecedoras de estarem nesses ambientes e que, assim como os MCs masculinos, elas merecem ser respeitadas e ouvidas, não subestimadas. A jovem encara o silenciamento das mulheres no cenário do Hip Hop com muita revolta, mas diz que faz disso seu combustível diário para continuar nessa caminhada.

“Eu mostro para os ‘manos’ e para as outras pessoas que desacreditaram de mim e tentaram me calar, que não é assim que funciona, eles não vão me calar. Sou inspirada por garotas que rimam e que não se silenciam e tento ser exemplo para outras ‘minas’ também. Isso é muito gratificante, nós estamos mais unidas na cena do Hip Hop e mostrando ao mundo que nós temos boca para falar mesmo, e vamos falar”, afirma Sereia.

LEIA TAMBÉM: Arte urbana em celebração: mural nos Arcos da Lapa marca os 50 anos da cultura hip pop

LEIA TAMBÉM: A nova geração do Rap nacional

Reportagem realizada por Ana Júlia Parreira para a disciplina de Jornalismo Independente, ministrada pela professora Daniela Oliveira.

3 comentários em “Representatividade feminina nas rodas de rima

  1. Avatar de samuca emici

    Super necessário!, arrasaram.

  2. Avatar de Caio Medeiros
    Caio Medeiros

    Matéria linda, ficou perfeito!

  3. Avatar de Pitanga Zn

    Ficou lindo ✊🏾 muito gratificante ter feito parte disso !

Deixe um comentário