O remake da novela “Elas por elas”, que estreou na última segunda-feira (25) na Rede Globo, tem chamado atenção pela escalação da atriz transexual Maria Clara Spinelli para dar vida a personagem Renée, que na primeira versão da obra é cisgênero. A escalação da atriz marca a primeira protagonista transexual nas novelas brasileiras.
Por muitos anos na televisão brasileira, indivíduos transgêneros eram retratados de maneira caricata e estereotipada, sendo representados negativamente pela mídia. Em 2017, com a novela “A Força do Querer”, Glória Perez explicou para o grande público, por meio do personagem Ivan, como era o processo de aceitação e transição de uma pessoa transexual. A temática, antes vista como tabu, passou a ser mais esclarecedora para o telespectador. Depois de Ivan, houveram outros personagens, porém em núcleos secundários e sem muito destaque. No entanto, após 72 anos, Maria Clara Spinelli ocupa a faixa das seis e dá vida a um papel principal na teledramaturgia.

Frita Mota, também atriz transexual, relata sua animação ao ver o crescimento dessa representatividade mas afirma que na televisão brasileira ainda há um longo caminho ser percorrido. “Fico muito feliz em ver que pessoas transexuais estão ganhando espaço na sociedade, não me sinto sozinha, mas acredito que dependa de onde estamos sendo representados. Na política temos a deputada Erika Hilton, que está sempre lutando e nos defendendo. Em relação a TV, ainda acho que existem personagens sendo feitos de forma caricata”, conta Frida.
O doutor em Comunicação e pesquisador sobre gênero, sexualidade e cidadania, Eduardo Bianchi, afirma como a representatividade na televisão é importante para reduzir o preconceito com a comunidade LGBTQIAP+. “Ter essa representação ajuda muito, uma vez que naturaliza a existência desses corpos e dessas vidas.” conta Eduardo.
“Quando essas pessoas só ocupam espaços muito específicos e já marginalizados é um complicador social. Dessa forma, quando vemos uma mulher ou um homem transgênero ocupando cargos importantes, seja na política ou na televisão, coloca a sociedade em conflito e, ao mesmo tempo, traz de maneira positivo o reconhecimento dessas existências.”, diz Eduardo.
Ao longo do tempo, houveram muitos erros na representação de pessoas transexuais na mídia. Antigamente, eram utilizados os crossdressers, ou seja, eram homens cisgêneros vestidos com roupas femininas e, além disso, eram utilizados de alívio cômico na teledramaturgia, retratando a questão como uma piada.
Segundo Eduardo, é uma construção muito recente. Apesar de nos anos 80, na novela “Tieta”, a personagem Ninete, vivida pela Rogéria, ter sido uma personagem dissidente de gênero, vivida por uma atriz dissidente de gênero, ainda não era uma protagonista, e sim um papel de apoio.
“Houve um ‘gap’ gigantesco, em especial nas representações de pessoas transgênero vividas por atores cisgênero. A telenovela é um produto cultural extremamente forte no Brasil e é um processo histórico de aprendizado, que vem sendo construído e pautado pelo social.”, fala o pesquisador.

Mesmo com um longo caminho percorrido, pessoas transexuais ainda são vistas de forma muito marginalizada por uma sociedade conservadora. Há 14 anos, o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais no mundo segundo dados da Transgender Europe (TGEU). A representação nas mídias é necessária para que a existência delas seja reconhecida.
“Demorou para vir, mas ao mesmo tempo, a sociedade não estava preparada para o protagonismo de uma pessoa transexual. Acredito que nos anos 90, esse papel seria muito improvável, a sociedade tinha uma construção bastante conservadora. Temos que entender que um exemplo não transforma a sociedade, mas ajuda a dar um norte para as transformações que são necessárias”, diz Eduardo.
Foto de capa : Reprodução/ TV Globo
Reportagem de Pedro Turteltaub, com edição de texto de João Agner
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Matéria incrível e muito bem escrita! 👏🏻👏🏻👏🏻
Um tema super importante! 👏🏻 Ótima matéria Pedro!
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