Tecnologia

As novas descobertas virtuais

Como o talento de novos autores tem sido achado por meio da internet

Em tese, é fácil. Basta você pensar numa história bacana, nos nomes dos personagens, escrever meia dúzia de palavras no Word e jogar na Internet. Mas nem tudo é tão simples. Para se conseguir leitores fiéis, os autores de fanfictions precisam mostrar autenticidade na hora de conduzir a trama.

A pessoa responsável por colocar o universo das fanfics em destaque foi a autora inglesa Erika Leonard James (E.L. James), de Cinquenta Tons de Cinza. O livro de romance erótico se tornou bestseller e a tirou do anonimato direto para a lista das cem pessoas mais influentes do mundo, segundo da revista Times.

Raissa Pitanga, estudante de Publicidade, é autora da fanfic interativa Sick Little Games, escrita com a banda inglesa McFLY. A ideia de escrever veio depois de assistir um dos seus filmes favoritos, “Segundas Intenções”. “Sempre achei essa temática envolvendo apostas, jogos, sedução, muito interessante. No começo eu fiquei feliz e empolgada porque eu tinha 16 anos e estava pensando numa história assim, mas demorou para eu começar de fato a escrever, justamente porque fiquei insegura pra escrever uma história dessas” conta.

Cinco anos depois e com muitos fãs pela internet, Raissa se prepara para dar um desfecho para sua história. “O último capítulo está sendo um parto pra sair porque é uma história que eu tenho muito carinho. Eu vou me sentir por partes… incompleta quando a história terminar”. Mesmo com o término da sua primeira fic, a garota não dá sinais de que quer parar. “Já tenho projeto pra publicar outra, que já tá sendo escrita, assim que finalizá-la SLG”.

No Brasil, o mercado de autores desconhecidos tem ficado maior e as editoras estão caçando novidades pela rede. A iniciação é quase sempre como a que ocorreu com E.L. James. Com o fenômeno à vista, o primeiro passo é mudar o nome dos personagens e reescrever o enredo para que não fique igual ao já lido. Pode até ser considerado uma febre da atualidade, mas também é aí que surgem oportunidades, tanto para esses autores como para os amantes de livros ansiosos por novos contos.

A estudante de Direito, Marcele Cambeses, 22 anos, é um exemplo de que publicar na internet pode dar certo. Ela teve o seu reconhecimento no meio literário virtual, em blogs e comunidade de web novelas, onde construiu um público fiel. Recentemente lançou seu primeiro livro, Sinfonia, que faz parte da saga intitulada Destino Trocado, que tem mais três volumes – Despertar, Contagem Regressiva e Interseções – e três especiais – Katzen, A Herdeira de Saint-Clair e 80′são.

Feliz pela nova fase, Marcele aceitou responder algumas perguntas para a matéria. Confira tudo na íntegra.

Sintonia, primeiro volume da saga Destino Trocado, de Marcele Cambeses
Sintonia, primeiro volume da saga Destino Trocado, de Marcele Cambeses

1) Como você reagiu ao perceber a reação positiva do público?

R: Não sei… Fiquei feliz e mais determinada a dar a cara a tapa em busca de uma oportunidade literária. Acho que muito da iniciativa em si de publicar no mundo físico veio dos recados inesquecíveis que eu recebi no espaço virtual. Sei lá… Quando mais de uma pessoa faz questão de vir lhe agradecer por ter mudado a perspectiva dela, tê-la tornado mais flexível, ter feito chorar e rir quando ela precisava, você começa a sentir necessidade de espalhar esta sensação para quantos leitores for possível. Eu quis transmitir uma mensagem e me comprometer com ela; espero conseguir…

2) Houve uma pesquisa mais profunda para a criação do enredo ou personagens?
R: Mais ou menos. Como a confecção do rascunho foi originada por um surto criativo de sete meses, grande parte foi intuitiva e muito embasada na bagagem que eu já tinha. Até porque, independente de ser uma fase muito estressante, ninguém há de negar que, no vestibular, somos bombardeados com informações variadas o tempo inteiro. Muita coisa mesmo vem de matérias que eu aprendia: gramática, história, biologia… Acredite se quiser, tem até conceitos de química na composição de algumas metáforas sobre um casal do livro. Agora, sobre as pesquisas que eu quis fazer só por conta da escrita, senti essa necessidade às vezes e já durante a criação do Sinfonia. Afinal, as minhas personagens fazem cursos diferentes do meu, por exemplo, e só pesquisando eu teria ideia do que colocar sobre eles dentro das situações inventadas. Foi bem por aí na época… Atualmente, por outro lado, como eu não trabalho mais em surtos criativos repentinos, e sim sabendo que eu vou tentar escrever um projeto, faço sim os estudos prévios sobre os temas que me são interessantes de abordar. Acho fundamental.

3) Qual a melhor parte de ser autor na internet?
R: Com certeza é o feedback em tempo real. Quando você posta, é você quem dita o ritmo de leitura que se dará à sua história. Você pode fazer pausas em cenas estratégicas para deixar os leitores loucos pela próxima cena, pode pedir opinião a todo o tempo, incentivar debates, enfim, criar toda uma interação mega gostosa com a sua fanbase. Já com o livro publicado, quando os leitores comentam, costuma ser algo muito mais sucinto e geral, do enredo como um todo mesmo; perde-se esse feedback a cada trecho postado. Sem falar que um escritor diretamente incentivado pelo seu público costuma ter menos chances de desistir da sua história do que aquele isolado e sem qualquer retorno sobre o que está escrevendo.

4) Você se baseou/inspirou em algo ou alguém para criar suas personagens?
R: Não. Ninguém em especial foi usado para criar as minhas personagens; nem no físico, nem no emocional. Elas surgiram sozinhas, quase têm vida própria. Quando escrevo, traço uma linha de enredo que deveria ser seguida. Entretanto, na prática, sinto a cena e a personalidade de cada um antes de “reagir” aos fatos criados (o que me faz, muitas vezes, ir pelo caminho contrário). É como ser uma autora-atriz, ou coisa parecida, na hora da criação.

5) Por volta de quantos leitores você tem? Tem outras histórias publicadas?
R: A fanpage da minha Série de livros tem, atualmente, quase 8 mil seguidores. Desse grupo, muitos são leitores antigos bastante fiéis, outros são “leitores fantasma” (que ficam ali sem dizer nada, só lendo na encolha…), há alguns simpatizantes, que são futuros leitores em potencial por já estarem familiarizados com trechos do meu trabalho, enfim, tem de tudo! Quanto a ter outras histórias publicadas, sim, eu tenho. No mês passado, saiu a antologia “Amores (Im)possíveis”, pela editora Andross, que selecionou um conto meu para participar da obra. Então, hoje, tenho publicados há um mês o Sinfonia – Destino Trocado 1, pela via independente, e essa antologia pela editora mencionada.

6) Ser escritor era uma coisa que você almejava ou apenas um hobby?
R: Antes, era só um hobby. Ouso dizer que eu não descobri o amor pela escrita, fui tomada de assalto. Por incrível que pareça, o Sinfonia (Destino Trocado #1) foi a minha primeira experiência com uma história de verdade (insano, pois é). Antes, eu só escrevia versinhos, músicas e redações muito de vez em quando; não tinha o costume de ler e achava quase infame que os testes vocacionais sugerissem um caminho artístico para mim. O meu sonho de vida, até os 18 anos, era ser uma juíza formada pela Uerj. No entanto, quando me dei conta, tudo ao meu redor mudou aos poucos desde que eu comecei a escrever o livro; eu mesma me transformei bastante também. Pessoas foram embarcando nesse meu novo mundo, antes mesmo da etapa virtual, com uma intensidade tal, que eu tive que me render àqueles seres que estavam surgindo através das minhas páginas. Foi inevitável esse “desvio de rota”, até porque eu odiei o Direito, por ironia.

7) Como surgiu a oportunidade de lançar um livro?
R: Ela não surgiu pela via tradicional ainda, estou tentando conquistá-la. Acontece que eu estou muito consciente das adversidades que criei para mim mesma com a obra no que tange à parte comercial da literatura. O livro é grande, eu sou uma autora iniciante, os custos são caros… Todos esses fatores só aumentavam a chance de os “nãos” que eu já imaginava receber de boas editoras surgirem de verdade. Por isso, antes de me submeter a qualquer avaliação editorial, resolvi me arriscar na autoria independente para, caso eu consiga ser bem sucedida nela, ter alguma base sólida do que oferecer a quem quiser me contratar. É uma espécie de autoteste para provar de antemão que eu sou capaz sim de vender bem, apesar de qualquer porém que possa desestimular um editor a investir no meu trabalho.

8) O que você acha sobre autores da internet que tem cada vez mais ganhado destaque fora dela (com a publicação de suas histórias)?
R: Acho incrível, de verdade. Desde que ingressei no mundo literário-virtual, tive surpresas muito positivas quanto à literatura brasileira. Sabe aquele boato velho de que o povo não curte ler nem escrever? Pois é, vi que era bem mais falacioso do que eu supunha. E, nossa! Como conheci gente talentosa! Então, acho a internet ideal para que essas pessoas consigam conquistar um público capaz de convencer uma editora de que o investimento vale a pena; que autores nacionais (jovens ou não) vendem sim e podem vender tão bem quanto um escritor estrangeiro, basta terem o apoio correto. É como eu sempre digo para quem me pergunta se deve criar uma fanbase prévia na internet: você pedindo uma chance sozinho é uma voz só; você pedindo com a ajuda de um público já é um vozerio que os editores vão ouvir com muito mais atenção.

9) Com quantos anos você começou a escrever? O que fez você ter essa vontade?
R: Comecei a escrever com sete anos, se não me engano. Sabe-se lá o motivo, eu gostava de escrever versinhos aleatoriamente, conforme a inspiração batia. Como os meus pais incentivavam muito, acabei fazendo um caderninho de poesias, que eu levava para cima e para baixo. Com os anos, gradualmente, peguei gosto por fazer redações, criar paródias e compor músicas bobas sobre as paixonites das minhas amigas. Foi assim, bem espontâneo, evoluindo aos poucos até chegar à confecção de textos mais longos e de livros.

10) Você sentiu o peso de transformar sua história em livro?

R: Demais! A pressão é enorme e, sinceramente, há dias em que me questiono o porquê de fazer isso comigo mesma e me submeter a tanto estresse. Creio que a resposta seja aquele chavão sobre nada que realmente vale a pena vir com qualquer facilidade, sabe? A conquista dá o gosto especial da jornada, mostra que você é capaz. Sendo que, mais do que tudo isso, transformar uma história em um livro publicado é sempre atingir, querendo ou não, um patamar a mais de exposição. Afinal, agora, a obra se torna um objeto móvel e pode ir para onde o comprador quiser. Nela, estão eternizados os acertos, mas também qualquer defeito que você tenha deixado passar. Isso sem falar de outros ônus como: não há mais a interação em tempo real que a internet permitia na época das postagens virtuais, é o livro cativando ou não por conta própria, você não pode mais “interceder” por ele durante a leitura; as pessoas passam a ficar muito mais criteriosas e críticas, já que pagaram pelo produto; o dinheiro começa a ser uma preocupação de certo peso, porque os custos de uma carreira literária iniciante são muito altos enquanto os ganhos são quase simbólicos. É um desgaste constante de se assumir os prejuízos financeiros para tornar o livro mais acessível e difundido entre os leitores, para ser lido… Em suma, o lado comercial é muito mais sério, exaustivo e mecânico do que a parte meramente criativa da produção. Ainda estou me adaptando…

Camylla Martiniano – Jornalismo Digital – 6º período.

2 comentários em “As novas descobertas virtuais

  1. Avatar de verenambelfort

    Celeste ❤ Sinfo ❤ Vida ❤

  2. Avatar de Alyssa Lima

    Sinfonia é maravilhoso, muito bem escrito, vale a pena dedicar um pouco de tempo a ele.

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