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O adeus a Stranger Things: quando uma série marca uma geração 

A série completa nove anos de lançamento e deixa marcado a vida dos espectadores

Em um mundo transformado pelo avanço tecnológico e pela globalização, tornou-se cada vez mais comum que jovens construam vínculos profundos com produtos midiáticos que os acompanham desde cedo. A geração Z, nascida entre 1997 e 2010, é considerada a primeira a crescer plenamente imersa na internet e no consumo constante de conteúdos digitais. Esse acesso precoce a serviços de streaming e a uma variedade quase infinita de produções fez com que muitas obras se tornassem parte da formação subjetiva desses jovens, e poucas marcaram tanto quanto Stranger Things, lançada pela Netflix em 2016.

Poster da última temporada (Foto: Divulgação/Netflix)

Enquanto o público amadurecia, a série também crescia. O enredo, os personagens e até o elenco se transformavam ao longo dos anos, criando um espelho sutil das mudanças vividas pelos próprios espectadores. Não era apenas a história de Hawkins que avançava, eram também as histórias pessoais de quem assistia. Por isso, agora, com o anúncio da última temporada, o sentimento dominante é o de encerramento de ciclo, uma experiência que mistura nostalgia, ansiedade e a percepção de que o fim de uma série também pode simbolizar o fim de uma fase da vida.

Segundo a psicóloga Laíssa Schiavo, essa sensação não é por acaso. Fundamentada na Psicologia Fenomenológico-Existencial, ela explica que a relação entre o indivíduo e a experiência vivida é construída a partir dos sentidos atribuídos aos acontecimentos.

“Nós existimos sempre em relação ao mundo, e isso inclui as histórias que acompanhamos”, afirma. “Quando crescemos junto com uma narrativa, ela se torna uma referência afetiva. Ao acabar, é como se fechássemos também uma fase interna nossa. A série vira uma cápsula de memórias”, afirma Laíssa.

Fãs na “Parada Estranha” (Foto: Reprodução/ Netflix)

A Fenomenologia entende que cada pessoa vive o mundo de acordo com os significados que constrói, e esses significados influenciam a forma como lidamos com um desfecho. Assim, a despedida de Stranger Things não provoca apenas tristeza, ela também traz à tona memórias afetivas, lembranças de momentos específicos da vida e associações com amizades, fases escolares ou familiares. Laíssa explica que, para essa abordagem, a angústia é parte natural da existência humana, não no sentido negativo, mas como sinal de que estamos diante de escolhas, mudanças e recomeços.

“A falta que uma obra deixa pode gerar angústia, sim, mas é uma angústia que aponta para o crescimento. A experiência não pode ser substituída, porque ela pertence à pessoa que a viveu”, conta a psicóloga.

Essa profundidade aparece claramente nos relatos dos fãs. Danúbya, que assiste à série desde 2016, conta que praticamente cresceu com os personagens. Ela afirma que já são mais de dez anos acompanhando a história e que fica triste ao lembrar que começou no início da adolescência, enquanto agora ela e o elenco já são adultos. Ela também recorda as teorias que alimentam a ansiedade do público.

“Will se sacrifica ou não? A mãe do Mike é irmã do Vecna? Eddie volta? Ai, só quero que o final não deixe pontas soltas.”

Para Alan Matos, Stranger Things não foi apenas uma série, foi quase uma companhia de crescimento. Ele começou a assistir ainda criança, aos 13 anos, exatamente como os personagens da primeira temporada. Essa coincidência de idades fez com que ele sentisse que cresceu lado a lado com o elenco.

“Stranger Things sempre foi aquela série que acompanhou minha infância e adolescência… eu ainda era uma criança igual aos personagens”, conta Alan.

Cada temporada, segundo ele, chegou em um momento marcante da sua juventude, e isso tornou a identificação dele e de muitos outros fãs ainda mais forte.

Cena da última temporada (Foto: Reprodução/Netflix)

A estética dos anos 80, a trilha sonora e o clima de nostalgia também ajudaram a construir uma conexão afetiva. Mas um detalhe tornou tudo ainda mais especial, a série virou um ritual familiar. Alan sempre encontra uma desculpa para reassistir, e a mais recente foi apresentar a história aos pais.

Ele se diverte ao lembrar como eles embarcaram totalmente na história:

“Eles amaram a série, ao ponto do meu pai chegar do trabalho e já chamar a gente pra assistir logo.” 

Esse hábito acabou criando novas memórias afetivas em torno de Stranger Things, que vão ficar para sempre na vida do Alan e agora divididas com a família, fazendo parte da vida e dos laços familiares.

Com o final se aproximando, o sentimento é ambíguo, Alan diz que fica com uma mistura de ansiedade e saudade antecipada. Para ele, encerrar a série é quase como fechar um capítulo pessoal.

“É estranho pensar que uma história que me acompanhou por tantos anos vai se encerrar… É como fechar um capítulo da própria vida junto com a série.”

Essa relação profunda também se estendeu para dentro de outras casas. Cássia Verly, hoje com 22 anos, descobriu Stranger Things aos 13 e, em 2022, decidiu apresentar a série à sua mãe, Rita Verly.

”Foi ótimo ver ela vendo tudo pela primeira vez enquanto eu revia pela terceira”, afirma Cássia.

As duas transformaram a expectativa pela última temporada em uma tradição afetiva.

“Vamos passar o Natal assistindo juntas e, pela primeira vez, vou passar o Ano Novo em casa só para ver o último episódio. Cresci com essa história, e agora termino ela ao lado dela.”

A mãe confessa que começou por insistência da filha, mas rapidamente foi conquistada. Ela diz que se apegou muito aos personagens, especialmente as crianças que ela considera como filhos, e principalmente a Joyce e Hopper. A ansiedade para a última temporada já domina a casa. 

“Dá um aperto no coração pensar que vai acabar, ou que alguém querido pode morrer. Meu réveillon vai ser na frente da TV, não sei quem está mais ansiosa, eu ou ela”, conta Rita.

Entre os fãs que cresceram acompanhando a série, Julia Bohrer vive experiência semelhante. Ela assistiu à primeira temporada aos 11 anos, ao lado do padrinho, e agora chega ao fim da história prestes a completar 20. Para Julia, Stranger Things manteve sua essência ao longo dos anos — com estética marcante dos anos 80, personagens carismáticos e um roteiro que equilibra humor, tensão e emoção.

“Me dói ela estar em sua última temporada, mas é muito bom ver que está finalizando na hora certa e não só pelo apelo do público”, afirma Julia.

O Elenco reunido na ultima premier da série (Foto: Reprodução/Netflix)

A psicóloga reforça que esse movimento emocional se intensifica porque a série acompanhou uma década de transformação não só no mundo, mas na vida de cada espectador. 

“Os significados que eles construíram ao longo dessa jornada não desaparecem com o final. Eles se reorganizam dentro de cada um. O luto pelo fim de uma obra é também o reconhecimento do quanto mudamos enquanto ela existia”, resume Laíssa.

Assim, enquanto Hawkins se prepara para seu último confronto, milhões de espectadores se preparam para dizer adeus não apenas a uma história, mas ao pedaço de vida que viveram ao lado dela. E, mesmo com o fim se aproximando, a série segue carregando aquilo que a tornou tão marcante: a capacidade de unir diferentes gerações, criar vínculos afetivos e transformar ficção em memória.

E talvez, no fim das contas, a lição que permanece seja a mesma que marcou toda uma década:

amigos não mentem.

Foto de capa: Divulgação/Netflix

Reportagem de Ana Carolina Freitas, com edição de Gabriel Goulart

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7 comentários em “O adeus a Stranger Things: quando uma série marca uma geração 

  1. Avatar de Rafael Schiavo
    Rafael Schiavo

    Muito bom 👏🏼👏🏼👏🏼

  2. Avatar de Danúbya Vilar
    Danúbya Vilar

    uauuuu!!! Parabéns Carol! Matéria excelente. 👏🏻👏🏻

  3. Avatar de Danúbya Vilar
    Danúbya Vilar

    nota 10!

  4. Avatar de Carla Freitas

    Parabéns pela matéria, essa série é maravilhosa e o tipo de conteúdo que agrada pais e filhos.

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